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05/10/2010 - 02h31

"Sarkozy quer intimidar fontes da mídia", diz "biógrafo" do jornal francês "Le Monde"

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LUÍS EBLAK
DE SÃO PAULO

O governo francês tenta controlar a divulgação de notícias na mídia sobre seus atos e palavras para limitar os efeitos negativos sobre a opinião dos cidadãos.

A declaração é do estudioso da mídia francesa Patrick Eveno, professor e pesquisador da Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne, que completa: esses efeitos negativos são provocados pela "realidade política e incapacidade [do conservador Nicolas] Sarkozy de resolver os problemas dos franceses."

A tentativa de controle ocorreu, por exemplo, no caso das investigações ordenadas pelo governo para descobrir a identidade de uma fonte cujas revelações reforçaram suspeitas de corrupção contra a administração.

"Está claro o que foi pensada pela operação da polícia e do governo francês: já que não se pode atacar os jornalistas, é preciso dissuadir os funcionários de falar com os repórteres, mostrando que se pode puni-los. O intuito é então pressionar as fontes potenciais", completou.

Por conta dessa investigação, o "Monde" acusa, em ação apresentada à Justiça na semana passada, ter sido vítima de pelo menos cinco crimes cometidos pelo governo _entre eles o de quebra do sigilo de fontes e violação de liberdade individual.

Autor do livro "Histoire du journal Le Monde" (2004) --sem previsão de lançamento no no Brasil--, Eveno também classifica a relação entre Sarkozy e a imprensa como "deteriorada". Diz, porém, que a mídia e os últimos presidentes franceses sempre tiveram uma relação tensa porque a imprensa geralmente é culpada quando a imagem de um político fica ruim. "Quando não se gosta da mensagem, acusa-se o mensageiro."

A seguir, leia os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por e-mail.

*

Folha - O "Monde" acusa o governo de violar a lei sobre sigilo de fontes. Como o sr. avalia esse episódio?
Patrick Eveno - A lei de 4/1 sobre a proteção de fontes indica claramente: "Não se pode atentar direta ou indiretamente o sigilo de fontes sem que um imperativo preponderante do interesse público (terrorismo ou espionagem) justifique [tal ação]". Além disso, esse procedimento deve ser feito sob direção de um juiz, o que não ocorreu.

Como está a relação imprensa e democracia na França?
Para a Corte Europeia dos Direitos Humanos, a imprensa é "o cão de guarda da democracia", "watchdog", na expressão em inglês. A corte considerou a proteção de sigilo de fontes como uma "pedra fundamental" do jornalismo, já que "a ausência desta proteção dissuade um grande número de fontes com informações de interesse geral [para os] jornalistas".

Está claro o que foi pensada pela operação da polícia e do governo francês: já que não se pode atacar os jornalistas eles mesmos, é preciso dissuadir os funcionários de falar com os jornalistas, mostrando que se pode persegui-los e puni-los. O intuito é então pressionar as fontes potenciais. Por isso o "Monde" tem razão em usar o "Contra X" [opção no Judiciário francês na qual, apesar de suspeitar das identidades dos autores do crime, não se acusa uma pessoa ou entidade].

O objetivo do governo é enfraquecer o jornalismo?
Não conheço os objetivos do governo, mas é evidente que ele procura controlar a comunicação sobre seus atos e palavras [na mídia], para limitar os efeitos sobre a opinião dos cidadãos.

Como é a relação Sarkozy-imprensa em relação aos governos anteriores?
É consideravelmente deteriorada. Após ter tentado, no começo de seu governo, seduzir jornalistas, dominar a agenda midiática e controlar a imprensa com seus "amigos" dirigentes de mídia, a realidade política e a incapacidade de Sarkozy de resolver os problemas dos franceses conduziram a situação a uma fase de tensão. Ela é sem dúvida alguma mais violenta do que foi com os antecessores, porque Sarkozy concentrou todos os poderes e se expôs demasiadamente à mídia do que seus antecessores.

Mas a relação imprensa-presidente sempre foi tensa na França, uma vez superado o curto período de "estado de graça" pós-eleição. Os franceses esperam muito de seu "monarca" republicano, que, acreditam, poder satisfazê-los. Na verdade, não pode. A imprensa faz eco às decepções com o presidente, e, assim, este culpa a imprensa por sua imagem ruim na opinião pública... Quando não se gosta da mensagem, acusa-se o mensageiro.

É o caso mais grave da história da imprensa francesa?
É, sim, um caso grave, mas já houve outros: o poder procura sempre controlar a imprensa e os informadores da mídia. Em 1973, o ministro do Interior fez escutas ao "Canard Enchaîné". Em 1985-86, a célula antiterrorista da polícia pôs escutas telefônicas contra Edwy Plenel [na época, no "Monde"]. Nestes casos, eles agiram sobretudo para intimidar as fontes potenciais [dos jornalistas].

O sr. me disse em julho que "todos os diários são deficitários e subvencionados pelo Estado". Agora, o sr. fala sobre a imprensa como "o cão de guarda da democracia". Não é contraditório?
É tudo uma questão de auxílio à imprensa: como conservar uma atitude crítica e uma vontade de investigação apesar de os diários terem entre 20% e 30% de suas receitas vindas de subvenções diretas e indiretas do Estado?

É seguro que a política pesa sobre os jornais franceses.

[Mas] Os auxílios são distribuídos com critérios "objetivos". Por exemplo: a tiragem ou as porcentagens de receitas publicitárias, que são conhecidas de longa data e não podem ser modificadas facilmente por um governo.

Esses critérios têm sido mantidos desde 30 anos, sendo o governo social-democrata ou conservador.

Mas pode-se também considerar que os jornais publiquem casos [de corrupção] para pressionar o poder em busca de novas subvenções ou para manter os antigos. No geral a situação é perversa: não se sabe jamais se as denúncias [contra o governo] saem porque a imprensa age como "cão de guarda da democracia" ou porque ela procura subvenção [do Estado].

O "Monde" é um "cão de guarda da democracia"?
Um jornal sozinho não pode ser "o cão de guarda da democracia". Somente a pluralidade e a concorrência podem assegurar esta função.

 

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