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27/10/2010 - 02h31

Em visita ao Brasil, ex-premiê britânico Tony Blair defende corte de gastos no Reino Unido

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LEILA CORREIA
DE SÃO PAULO

Ao contrário da maior parte de seu Partido Trabalhista, o ex-premiê britânico Tony Blair (1997-2007) defende os cortes no Orçamento anunciados pelo governo do país. Para ele, reduzir as despesas era inevitável.

Em São Paulo, onde ministrou palestra em uma universidade e se reuniu com autoridades, Blair, 57, concedeu entrevista à Folha, na qual minimizou os documentos vazados pelo WikiLeaks sobre o Iraque.

Também não quis polemizar a conversão de sua cunhada Lauren Booth do catolicismo ao islã, há um mês.

Leia a íntegra da entrevista.

*

Folha - O senhor tem acompanhado a eleição presidencial no Brasil?

Tony Blair - Acredito que o mais interessante sobre a eleição brasileira vista de fora é que as pessoas estão fascinadas, mas não preocupadas sobre ela. Isso é um grande tributo ao modo como o país está mudando. As pessoas estão realmente interessadas no resultado, mas, não importa o resultado, elas continuarão confiantes sobre o país.

O sr. irá sentir falta do presidente Lula?

Sim. Tenho certeza que ele continuará por aí, não apenas no cenário brasileiro mas também no internacional. Então acho que não vamos realmente sentir falta dele.

Há espaço no cenário internacional para Lula, em organizações internacionais?

Não sei o quê, mas tenho certeza absoluta de que ele terá muitas coisas a oferecer, já que é uma figura respeitada e admirada.

Como o sr. vê os documentos vazados na semana passada pelo WikiLeaks, que mostram casos de tortura e mortes no Iraque? O sr. acredita que os EUA deveriam dar uma resposta?

Acho que eles já deram. Na verdade, achei que os documentos não mostraram nada que as pessoas já não soubessem. As pessoas esperavam mais do que aconteceu.

A diferença é que os EUA processaram as pessoas responsáveis quando algo aconteceu de errado nas prisões. No tempo de Saddam [Hussein, ex-ditador do Iraque], era política do governo fazer isso [tortura e mortes] nas prisões. Esse debate vai continuar por um longo tempo...

O sr. disse em seu livro que não se arrepende de ter apoiado a guerra do Iraque. Mas já pensou que, se tivesse feito algo de outra maneira, as coisas seriam diferentes agora, especialmente para o sr.?

Frequentemente penso nisso. A coisa central é que a razão da dificuldade no Iraque no início, e que ainda continua, é por causa da tentativa do terrorismo de desestabilizar o país. Há quem diga, "bem, esse terrorismo é por causa da ocupação por tropas americanas e britânicas". Mas as tropas britânicas saíram do país, as americanas estão saindo e os terroristas continuam matando.

Olhando o Oriente Médio agora, vejo esse extremismo lá. No dia em que lançamos as negociações de paz entre palestinos, eles foram a Damasco e tentaram deliberadamente e de fato mataram civis israelenses inocentes.

Veja a Somália, o Iêmen, o Paquistão. Por que estão matando pessoas inocentes no Paquistão? Eles têm relações com o governo?

Temos que entender, o que é muito difícil, que há esse tipo de radicalismo, é extremo e muito ativo.

Temo que isso não acontece porque nós [o Ocidente] fizemos algo para provocar isso. Não é questão de pensar: "se agirmos racionalmente, eles irão agir racionalmente". Não é assim. Eles simplesmente discordam fundamentalmente do que oferecemos. Eles não acham que deveria haver democracia, que as mulheres devem ser iguais aos homens, que as pessoas tenham permissão de ter certas crenças religiosas.

O problema é que estamos constantemente em uma situação em que podemos pensar que um tipo de compromisso possa ser alcançado. Acho que é muito difícil.

A resposta para isso não é apenas militar. Eu trabalho no processo de paz [entre israelenses e palestinos]. Minha fundação [The Tony Blair Faith Foundation] é sobre crenças religiosas e diferentes crenças convivendo juntas. Sou um grande crente do "soft power", assim como do "hard power".

Mas o que você faz quando há terroristas preparados para matar o maior número possível de pessoas inocentes?

Temos visto na Europa um certo debate sobre diferenças culturais...

O que acontece é que, em reação a esse extremismo, as pessoas passam a se sentir vulneráveis e ameaçadas e, então, você tem o extremismo se desenvolvendo em todos os lugares.

Vejo isso nos territórios palestinos ocupados agora onde, tragicamente, um pequeno grupo de colonos ataca palestinos, queima mesquitas...

Acho que o século 21 não será sobre ideologia política fundamental. Acho que isso foi uma noção ou conceito do século 20. Mas o século 21 pode ser facilmente um século de conflito religioso ou cultural. E isso é o que temos que evitar.

Aqui no Brasil, isso não é um problema para vocês. O Brasil é um exemplo fascinante de uma sociedade vibrante, multicultural e multiétnica. É um dos presentes que vocês têm para oferecer ao mundo --mostrar como isso pode acontecer.

Na Europa de agora, toda campanha eleitoral é dominada por imigração. Mas não é apenas sobre imigração, também há um aspecto cultural. E nos EUA acontece o mesmo agora.

O sr. tem um sentimento de um certo fracasso por ser o enviado do Quarteto de Madri ao Oriente Médio e as negociações de paz ainda estarem em um impasse?

A política está congelada no momento, até conversei com o premiê israelense [Binyamin Netanyahu] hoje cedo. Mas uma coisa boa está acontecendo. Na Cisjordânia, nos últimos três ou quatro anos, estamos trabalhando para construir as instituições e a economia palestina. E nas regiões onde os palestinos estão assumindo a segurança, os israelenses estão se retirando. Em Gaza, a situação é um pouco mais difícil.

Mas sabemos que o que funciona são os palestinos criando um Estado ao mesmo tempo em que negociamos.

Como o senhor analisa os recentes cortes de gastos anunciados pelo governo britânico?

O debate é sobre qual a redução correta do deficit, não sobre se devemos reduzir o deficit. Temos que fazer isso, muitos países estão fazendo.

Este é o momento para países como o meu reformar os serviços públicos e a assistência social.

Os problemas que temos são problemas expostos pela crise financeira, eles não foram criados por ela. Teríamos que fazer essas coisas [os cortes] de qualquer maneira.

Não podemos continuar na Europa com o mesmo sistema de pensões e as pessoas vivendo por mais tempo. Não podemos ter o mesmo sistema de ensino. Não podemos continuar com o mesmo sistema de benefícios. Essas são as coisas básicas com as quais temos que lidar.

Mas durante a última campanha eleitoral, conservadores e liberais-democratas pareceram dizer que tudo era culpa dos trabalhistas [partido de Blair]...

Na verdade, quando eu era primeiro-ministro [1997-2007], o país teve 10 anos ininterruptos de prosperidade [risos]. Fiz grandes mudanças em educação, no sistema de saúde...

Essa última campanha eleitoral no Reino Unido foi a primeira, de que eu me lembro, em que o Sistema Nacional de Saúde foi um dos principais tópicos abordados. E nós o reformamos, fizemos investimentos...

Enfim, a história leva um longo tempo para compreender essas coisas...

O sr. acredita que o Novo Trabalhismo morreu?

O Novo Trabalhismo é um conceito. Basicamente diz que um partido progressista deve fazer duas coisas para vencer: uma é distinguir seus valores, que são atemporais, de suas políticas, que são feitas para um momento.

A segunda é que o partido que tem visão de futuro é o que vence, não o que tem visão do passado.

Como o senhor recebeu a conversão de sua cunhada ao islã?

Na verdade, ela é meia-irmã da minha mulher. E foi uma decisão dela.

 

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