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10/06/2011 - 21h27

Análise: Cresce o medo de uma guerra civil na Síria

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MARIAM KAROUNY
DA REUTERS, EM BEIRUTE

Crescem os temores de que a Síria possa mergulhar em uma guerra civil, depois de uma semana em que o governo afirmou que mais de 120 militares foram mortos em uma cidade próxima da fronteira turca.

Na sexta-feira, quando o governo enviou tanques para Jisr al Shughour, cidade de maioria muçulmana sunita da qual a maioria dos 50 mil habitantes havia fugido, a causa do derramamento de sangue do último fim de semana ainda estava em disputa.

A mídia estatal a atribuiu a homens armados não identificados, mas ativistas pró-democracia disseram que soldados fizeram um motim, recusando-se a disparar contra manifestantes desarmados.

Seja qual for a verdade, a matança sugere que ou existem divisões entre as forças de segurança do ditador Bashar al Assad, ou está ocorrendo o início de uma revolta armada --ou, ainda, alguma combinação das duas coisas.

Seja como for, a escala do massacre em uma área que tende a apresentar tensão entre a maioria sunita da Síria e a seita alauíta, do ditador Assad, indica uma virada mais sangrenta dos acontecimentos, depois de três meses de turbulência contra 41 anos de governo da família Assad, sob o domínio de alauítas.

Isso, por sua vez, abalaria todo o Oriente Médio, onde a Síria, principal aliada árabe do Irã, está no cerne de diversos conflitos.

"O país está escorregando para uma guerra civil. Está a um passo de uma guerra civil", opinou o especialista na Síria Joshua Landis, professor associado de estudos do Oriente Médio na Universidade do Oklahoma.

Ele observou que a região pobre em volta de Jisr al hughour, situada na base do "Monte Alauíta", a região de origem da seita da minoria dominante, é habitada por sunitas conservadores.

Muitos sírios que participaram da insurgência sunita no Iraque, contra as forças americanas, vieram dessa região. "A área tem um histórico de agitações antigoverno", disse Landis. "As correntes islâmicas são muito fortes ali."

A REVOLTA VAI SE ESPALHAR?

Em 1980, Hafez al Assad, que precedeu seu filho como presidente, esmagou uma revolta sunita em Jisr al Shughour, situada ao lado de uma rodovia estrategicamente importante entre Aleppo, a segunda maior cidade da Síria, e Latakia, principal porto do país no Mediterrâneo.

Dois anos depois as forças de Assad reprimiram um levante armado da Irmandade Muçulmana, sunita, em Hama, matando muitos milhares de pessoas e destruindo a cidade velha. O acontecimento ainda é lembrado pelos sírios que pensam em contestar seus governantes.

As pessoas que vêm assumindo a liderança nas manifestações que reivindicam reformas, inspiradas pelos protestos na Tunísia e no Egito que lançaram a Primavera Árabe, enfatizam sua insistência sobre a ação não violenta.

Poucos se dispõem a falar publicamente sobre a possibilidade de recorrer à luta armada. E alguns minimizam os comentários sobre violência sectária e étnica, qualificando-os de tentativas de semear o medo feitas por partidários de Assad, interessados em aferrar-se ao poder.

Contudo, em conversas mantidas esta semana com vários ativistas sírios, diversos deles disseram acreditar que alguns dos adversários de Assad já estão usando armas, entre elas armas contrabandeadas do exterior.

"Algumas pessoas recorreram às armas contra as forças de segurança em Jisr al Shughour. Sabemos disse", falou um ativista que, como muitos outros, exigiu anonimato para comentar o assunto. "A questão é: isto é algo limitado? Ou vai se espalhar para outras cidades?"

Depois de anos de repressão, é difícil avaliar a força que têm na Síria movimentos organizados como a Irmandade Muçulmana, muito menos outros grupos antigoverno.

Como os residentes de várias outras cidades, moradores de Jisr al Shughour acusam milicianos alauítas, conhecidos como a "shabiha" e ferozmente leais aos Assad, de ajudar as forças de segurança.

Dois ativistas disseram que homens sunitas armados, além de grupos da shabiha, montaram conjuntos rivais de postos de verificação nas estradas --um eco do tipo de tensão sectária já conhecida dos vizinhos Líbano e Iraque. Armas são amplamente disponíveis em toda a Síria.

"As pessoas se armaram", disse Landis, da Universidade do Oklahoma. "As coisas estão prestes a ficar muito piores do que pensávamos."

RESISTINDO COM ARMAS

Louay Hussein, um ativista em Damasco, disse que não tem informações sobre sunitas pegando em armas no noroeste do país. Mas, falando na capital, ele disse à Reuters: "Avisamos as autoridades desde o início que o uso excessivo da violência vai, no final, autorizar grupos armados a usar de violência contra elas."

Assad vem reagindo aos protestos, que começaram na cidade sunita de Deraa, no sul do país, oferecendo discussões sobre reformas, mas também enviando suas forças de segurança para deter e matar manifestantes.

O governo insiste que está disposto a ouvir, mas rejeita as pressões ocidentais por mudanças radicais. Observa que a Síria possui um misto potencialmente volátil de comunidades étnicas e religiosas, incluindo cristãos e curdos além de sunitas e alauítas.

"A Síria é um mosaico", disse à TV Al Jazeera esta semana a porta-voz do governo sírio
Reem Haddas. "Ela é composta de muitas seitas que convivem."

Muitos membros das minorias cristã e alauíta dizem ser a favor de reformas, mas temem que os chamados pela deposição de Assad possam fragmentar o país de 20 milhões de habitantes e entregá-lo para sunitas de linha dura que poderiam perseguir outras religiões.

A resposta inicial de Assad aos protestos incluiu passos em direção a reformas, entre elas a concessão de cidadania a alguns curdos étnicos, a suspensão do draconiano estado de emergência, a libertação de centenas de prisioneiros e um chamado por um diálogo nacional.

Desencadeados pela raiva e frustração diante da corrupção, pobreza e ausência de
liberdades, os protestos têm sido em sua maioria pacíficos, embora grupos de defesa dos direitos humanos digam que mais de 1.100 manifestantes já tenham morrido.

O governo afirma que pelo menos 200 integrantes das forças de segurança também foram mortos. Ativistas alegam que pelo menos alguns dos soldados que morreram foram mortos porque desobedeceram ordens de sufocar os protestos.

A Síria expulsou correspondentes da Reuters e barrou a maior parte da mídia estrangeira, impedindo o trabalho de reportagem independente a partir do país.

DETERMINAÇÃO DE AMBOS OS LADOS

Fayez Sara, uma figura da oposição que foi detido em um momento anterior do levante, disse que ainda tem esperanças de que uma solução política possa salvar o país de mergulhar no caos.

"Precisamos tentar até o último instante, senão o preço a pagar será alto demais", ele disse à Reuters, falando de Damasco. "Quando dizemos que o tempo para uma solução política já se esgotou, isso quer dizer que estamos abrindo o país para uma guerra civil."

As potências ocidentais e seus aliados árabes vêm expressando preocupação, mas não dão mostras de disposição em empreender na Síria uma intervenção à moda da que está sendo feita na Líbia. A gravidade da situação provoca alarme especial em alguns setores no

Líbano, onde autoridades que têm vínculos com a Síria manifestam reservadamente o receio de que algumas áreas possam estar se encaminhando para o caos.

Um analista libanês que tem laços estreitos com algumas figuras da oposição na Síria disse: "Temos dado avisos a nossos irmãos sírios, mas eles não querem escutar. Eles pensam que a guerra civil no Líbano e no Iraque não chegará a eles. Estão equivocados."

A possibilidade de divisões nas forças armadas, onde as unidades de elite e o alto comando são em sua maioria alauítas, enquanto a massa de recrutas é formada por sunitas, também é uma preocupação.

Ecoando muitos observadores no exterior, um analista sediado em Damasco disse que Assad e seus aliados alauítas parecem estar decididos a agarrar-se ao poder a qualquer custo: "Basicamente, o regime prometeu quebrar o país sobre a cabeça das pessoas", disse o analista. "Isso vai empurrar o país pela beira do precipício, a não ser que a sociedade síria resista a essas táticas de divisão. Portanto, o destino da Síria não está nas mãos do regime, mas do povo."

Um ativista que participou de uma conferência da oposição na Turquia na semana passada disse acreditar que a violência generalizada é um risco que muitos se dispõem a correr, contudo, para se verem livres de Assad.

"Queremos Assad fora e queremos nos ver livres deste regime. O regime está empurrando o país para uma guerra civil, e parece que estamos indo nesse caminho."

Tradução de Clara Allain

 

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