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15/07/2011 - 19h40

EUA e China procuram acordar estratégia militar

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MICHAEL WINES
DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM

Durante três dias na China esta semana, o mais alto oficial militar dos EUA, o almirante Mike Mullen, trocou promessas calorosas com seu colega chinês no intuito de melhorar o relacionamento entre as duas forças, marcado por atritos constantes. Ele assistiu a caças Su-27 chineses fazerem manobras em uma base aérea, viu um exercício de contraterrorismo chinês em um bunker sufocante no subsolo de um posto do exército e entrou num submarino chinês numa base naval.

Quando Mullen, o chefe do Estado-Maior Conjunto, partiu, na manhã de quinta-feira, seria difícil desconfiar que cada lado baseia suas estratégias militares na perspectiva de que o outro possa vir a tornar-se o inimigo.

Mas é isso o que acontece, e essa realidade ficou suspensa como uma nuvem escura sobre a visita, o primeiro encontro desse tipo promovido em quatro anos aqui em Pequim. Esse fato está dificultando tremendamente uma aproximação entre a maior potência militar do mundo e aquela que está crescendo mais rapidamente -- ao mesmo tempo em que os presidentes de ambos os países dizem que buscam alcançar justamente isso.

No momento em que as forças armadas americanas contemplam o futuro, e, em especial, uma Ásia que recentemente vem se tornando mais poderosa, seu relacionamento cada vez mais crucial com a China está sendo puxado em direções opostas. A razão principal disso é a modernização a toque de caixa promovida pela China de sua máquina militar superada.

Recentemente as forças armadas chinesas confirmaram o lançamento próximo de seu primeiro porta-aviões, e há outros por vir. O país promoveu o voo inaugural de seu primeiro caça "stealth" (que não é detectado por radares) e anunciou outro caça que poderá decolar de porta-aviões. Os estaleiros chineses estão construindo uma classe nova e ainda secreta de submarinos avançados. E o país admitiu que está desenvolvendo um míssil marítimo que, de acordo com alguns especialistas, poderá atingir navios que se encontrem a até 1.650 quilômetros de distância.

Com a exceção dos submarinos, cada uma dessas novidades surgiu este ano. E foram lançadas após um ano em que os militares chineses colocaram em órbita sete satélites de coleta de informações.

Por um lado, dizem analistas, as ambições militares chinesas são compreensíveis. A pegada comercial global do país e sua dependência de combustíveis e matérias-primas importados justificam a formação de uma força militar sofisticada e de longo alcance, para proteger seus interesses nacionais, como os EUA fizeram. Na medida em que a China se expande para áreas hoje dominadas pelas forças armadas americanas, dizem os analistas, a cooperação ampla é crucial para evitar rivalidades perigosas e erros de cálculo potencialmente desastrosos. É possível que algo de bom ainda resulte desta aliança improvável.

Por outro lado, porém, muitos analistas americanos veem a reforma militar da China como estando ao cerne de um esforço para frear o poderio militar americano no Pacífico ocidental. De acordo com essa visão, o míssil antinavios, o porta-aviões e muitos dos outros equipamentos sofisticados que a China está desenvolvendo visam contrabalançar a 7ª Frota da Marinha americana, que domina as águas do Pacífico há meio século ou mais.

"Não é que precisemos de outro inimigo como a União Soviética", disse em entrevista Bonnie S. Glaser, especialista sênior em política de segurança chinesa no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. "Estamos respondendo a medidas que a China vem tomando e à relutância da China em sentar-se conosco e nos dizer o que vem fazendo e quais missões essas novas plataformas e armas visam cumprir."

Do ponto de vista dos Estados Unidos, os chineses vêm sendo ambíguos em relação a suas motivações. Em janeiro, logo depois de uma cúpula com o presidente Barack Obama em Washington, o presidente Hu Jintao deixou claro que o Exército de Libertação Popular, que comanda todas as forças chinesas, precisa construir confiança com o Pentágono.

Mas o exército chinês -- sem falar em facções grandes da burocracia da China, de sua liderança e do todo-poderoso Partido Comunista -- consideram que os EUA estão determinados a frustrar a emergência justa da China como potência global.

Eles observam que os EUA deslocaram a maioria de seus porta-aviões do Atlântico para o Pacífico, que recentemente fortaleceram os acordos militares que têm com Cingapura e a Austrália, que estão cortejando a Índia, rival da China, e que buscaram intervir diplomaticamente no mar do Sul da China, onde a China e a maioria de seus vizinhos vêm travando disputas territoriais acirradas.

Eles observam também que os EUA rejeitaram exigências de que reduza sua coleta de informações feita por ar e mar na fronteira oriental da China com o Pacífico. Os EUA tampouco concordam em rever um mandato definido há muito tempo pelo Congresso para vender armas a Taiwan, visto pela China como uma província sua. A China praticamente definiu a resolução dessas duas questões como condição prévia para a confiança genuína entre as duas forças armadas.

Assim, os chineses estão construindo o que descrevem como uma força inteiramente defensiva, embora ela inclua armas que existem em primeiro lugar para poder atingir alvos militares americanos.

"Posso entender que as pessoas no Pentágono e no Exército de Libertação Popular estejam fazendo planejamento para cenários do pior caso possível; todas as forças armadas fazem isso", disse Dennis J. Blasko, acadêmico independente que trabalhou para a inteligência militar como especialista na China. "Essa é a função dos militares -- traçar esses planos."

Em sua visita à China, Mike Mullen disse repetidas vezes que as ações dos EUA no Pacífico são apenas parte de décadas de envolvimento na região, não representando uma ameaça à China. Em discurso proferido na Universidade Nacional de Defesa, em Washington, em maio, o general Chen Bingde, comandante das forças chinesas, disse que o upgrade militar de seu país não tem chances de equiparar as forças chinesas ao poderio tecnológico americano e que a China "não pretende nunca desafiar os Estados Unidos".

Mas, em ambos os lados do Pacífico, as desconfianças aparecem inevitavelmente a cada vez que um dos lados lança uma arma nova ou consolida uma aliança antiga.

Alguns analistas americanos dizem que as medidas e contramedidas dos dois países podem fadar ao fracasso qualquer chance de uma verdadeira convivência militar e diplomática. Outros afirmam que os EUA podem ser forçados a entrar em outra corrida armamentista -- só que, desta vez, diferentemente do que foi o caso na Guerra Fria, seria a China que teria bilhões para gastar com armamentos novos, e os EUA que poderiam ser obrigados a optar entre armas ou alimentos.

Charles W. Freeman Jr., ex-diplomata que Obama nomeou, sem êxito, para liderar o Conselho Nacional de Inteligência, apresentou esse argumento de modo contundente em discurso recente perante o Instituto de Estudos Marítimos da China, sediado em Rhode Island.

"Hoje os EUA estão fiscalmente ocos", disse Freeman, observando que orçamento militar americano inteiro é essencialmente financiado com dinheiro emprestado. "Apesar disso, estamos ingressando numa rivalidade militar de longo prazo com a China em termos que são facilmente suportáveis pela China, mas fiscalmente desastrosos para nós. Essa rivalidade é ainda mais desvantajosa pelo fato de a China estar competindo de maneiras baseadas em uma relação custo-benefício muito positiva, e nós, não."

Alguns analistas discordam de sua avaliação. Mas a maioria concordaria que custa muito menos construir um míssil capaz de afundar um porta-aviões americano do que construir tanto o porta-aviões quanto um sistema sofisticado de defesa antimísseis.

A China talvez possa arcar com o míssil, e os EUA talvez possam construir o navio e o sistema de defesa. Mas a necessidade das duas coisas talvez seja inteiramente outra questão. Para um analista americano, "estamos nos preparando para uma briga que não sei se nenhum de nós precise ou queira travar".

Tradução de Clara Allain

 

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