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02/09/2011 - 14h53

CIA exige cortes em livro sobre o 11 de Setembro

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SCOTT SHANE
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

A Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos está exigindo cortes extensos nas memórias de um antigo agente do Serviço Federal de Inteligência (FBI) que ocupou durante anos posição central na luta contra a Al Qaeda. Na prática, o episódio é parte de uma disputa para definir quem terá o direito de escrever a história dos ataques do 11 de Setembro e de suas consequências.

O agente, Ali Soufan, argumenta em seu livro que a CIA perdeu uma oportunidade de tirar o complô terrorista dos trilhos ao não transmitir ao FBI (polícia federal americana) as informações de que dispunha sobre dois dos sequestradores do 11 de Setembro que viviam em San Diego, de acordo com diversas pessoas que leram o manuscrito.

The New York Times
Ali Soufan (esq.) passou anos no centro da batalha contra a Al Qaeda; seu livro foi editado pela CIA
Ali Soufan (esq.) passou anos no centro da batalha contra a Al Qaeda; seu livro foi editado pela CIA

E ele oferece uma descrição detalhada, em primeira mão, do caminho tomado pela CIA na direção de tratamento mais brutal dos prisioneiros sob interrogatório, afirmando que os métodos violentos utilizados contra o primeiro prisioneiro importante capturado pelos norte-americanos no combate ao terrorismo, Abu Zubaydah, foram desnecessários e contraproducentes.

Não se trata de críticas inéditas à CIA. De fato, algumas das informações que a agência alega serem sigilosas, de acordo com duas pessoas que viram a correspondência entre a CIA e o FBI, foram reveladas em audiências abertas do Congresso, no relatório da comissão nacional sobre o 11 de Setembro e nas memórias de George Tenet, antigo diretor da CIA, publicadas em 2007.

Soufan, um especialista em combate ao terrorismo que fala árabe e desempenhou papel central na maioria das investigações importantes sobre terrorismo conduzidas entre 1997 e 2005, disse a colegas que acredita que os cortes não tinham por objetivo proteger a segurança nacional, mas sim impedi-lo de relatar episódios que, em sua opinião, mostram a CIA sob uma luz desfavorável.

Alguns dos cortes que a CIA exigiu no livro de Soufan, "The Black Banners: The Inside Story of 9/11 and the War Against al-Qaida" (as faixas pretas: a história dos bastidores do 11/09 e da guerra contra a Al Qaeda, em tradução livre), parecem difíceis de explicar por motivos de segurança.

Entre eles, de acordo com pessoas que viram a correspondência, está uma frase do depoimento de Soufan ao Senado em 2009, disponível para todos os interessados em vídeo e em transcrição na Web. Também há um corte do termo "estação" como referência aos postos da CIA no exterior, em uso corrente fora da agência há décadas.

A agência removeu os pronomes "eu" e "meu" de um capítulo no qual Soufan descreve seu papel, amplamente conhecido, no interrogatório de Zubaydah, organizador de operações terroristas e líder de um campo de treinamento. E funcionários da CIA removeram referências a uma foto de passaporte de Khalid al-Mihdar, que se radicaria em San Diego e se tornaria um dos sequestradores do 11 de setembro, enviada à CIA em janeiro de 2000, fato descrito tanto no relatório da comissão do 11 de setembro quanto no livro de Tenet.

Em carta enviada em 19 de agosto à diretora jurídica do FBI, Valerie Caproni, David Kelley, advogado de Soufan, escreveu que "fontes confiáveis" haviam informado ao autor que a CIA havia tomado a decisão de impedir a publicação de seu livro porque causaria embaraços à agência.

Em uma declaração, Soufan classificou a censura da CIA ao seu livro como "ridícula", mas disse acreditar que conseguiria restaurar os trechos removidos, em uma nova tiragem.

Soufan disse acreditar que os agentes de combate ao terrorismo têm a obrigação de admitir abertamente que "cometemos erros e expusemos o povo norte-americano a riscos". Ele acrescentou que "me entristece que haja pessoas que prefiram não encarar os erros do passado".

Jennifer Youngblood, porta-voz da CIA, disse que "a sugestão de que a Agência Central de Inteligência solicitou que trechos de seu livro fossem removidos porque não gosta do conteúdo é ridícula. O processo de revisão pré-publicação da CIA considera apenas a questão de as informações serem ou não sigilosas".

Ela apontou que, nos termos da lei, "o fato de que algo esteja em domínio público não significa que tenha sido oficialmente liberado ou que sua classificação como sigiloso tenha sido retirada pelo governo dos Estados Unidos".

Michael Kortan, porta-voz do FBI, se recusou a comentar. O livro, escrito com a assistência de Michael Freedman, colega de Soufan na empresa de segurança que este abriu em Nova York, deve ser lançado em 12 de setembro. A editora W. W. Norton decidiu levar adiante a publicação de uma primeira tiragem incorporando os cortes determinados pela CIA.

Caso Soufan venha a conseguir remover as restrições, por meio de negociação ou de um processo judicial, a Norton publicará a versão sem cortes, disse Drake McFeely, presidente da editora.

"A censura da CIA me parece absurda", disse McFeely. Mas acrescentou que os cortes se concentram em determinados capítulos e disse que "o argumento central do livro é claro, apesar dos cortes".

A publicação frequente de memórias por membros do governo Bush manteve aceso o debate sobre os fatos referentes ao fracasso das autoridades em impedir o 11 de Setembro e sobre as táticas usadas contra o terrorismo nos anos seguintes. Nas memórias do vice-presidente de Bush, Dick Cheney, que saem na semana que vem, ele afirma que os métodos de interrogatório brutais "funcionaram".

Um livro que deve sair em maio, do antigo dirigente da CIA Jose Rodriguez Jr., trará relato muito mais elogioso do que o feito por Soufan sobre as técnicas brutais de interrogatório da agência, como o título provisório do texto revela: "Métodos Duros: Como as Ações Agressivas da CIA Depois do 11 de Setembro Salvaram Vidas Norte-Americanas".

Funcionários do governo autorizados a trabalhar com material sigiloso têm a obrigação de submeter quaisquer livros que escrevam a censura prévia para remoção de material sigiloso.

Mas porque as decisões quanto ao que deve ser censurado são fortemente subjetivas, o processo de revisão prévia muitas vezes se torna uma batalha. Diversos ex-agentes de espionagem recorreram aos tribunais para evitar censura aos seus livros, e o Departamento da Defesa gastou US$ 50 mil no ano passado para comprar e destruir a primeira tiragem de um livro de um agente de inteligência que as autoridades alegaram conter material sigiloso.

O programa de interrogatórios da CIA causou cisão entre a agência e o FBI, cujo diretor, Robert Mueller, ordenou que seus agentes deixassem de participar dos interrogatórios depois que Soufan e outros agentes protestaram contra o uso de coerção física. Mas alguns agentes da CIA também se opuseram ao uso de métodos brutais, entre os quais waterboarding, e foram suas queixas ao inspetor geral da CIA que por fim causaram o cancelamento do programa.

O livro de Soufan traça as origens e desenvolvimento da Al Qaeda e descreve o papel de Soufan, 40, um libanês de origem norte-americana, nas investigações dos atentados contra as embaixadas dos Estados Unidos na África Oriental em 1998, do ataque ao destróier Cole em 2000, do 11 de setembro, bem como na campanha continuada contra o terrorismo.

Em maio, o FBI revisou as 600 páginas do manuscrito de Soufan e solicitou que o autor fornecesse provas de que dezenas de nomes e fatos não eram sigilosos. Soufan e Freedman concordaram em mudar certas frases e substituir alguns nomes por pseudônimos, e em 12 de julho o FBI informou a Soufan que a revisão estava concluída.

Mas nesse meio tempo o FBI havia encaminhado o texto à CIA, cujos revisores responderam este mês com dois fax, um de 78 páginas e outro de 103 páginas listando os cortes ordenados.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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