Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
30/08/2011 - 19h07

Vínculos da Líbia com o terrorismo voltam a chamar a atenção

Publicidade

JOHN F. BURNS
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

Imagens exibidas pela televisão do único condenado pela explosão de um avião sobre Lockerbie, deitado em uma cama em sua casa em Trípoli, supostamente em coma devido a um câncer de próstata em estado avançado, vêm reforçando uma pergunta formulada com nova urgência em lugares distantes da Líbia: com o governo de Muammar Gaddafi em ruínas, que punição ainda é provável pelas explosões terroristas que, no passado, foram uma das marcas registradas da guerra do ex-líder líbio contra o mundo ocidental?

As questões vão muito além do atentado de 1988 que matou 259 pessoas a bordo do vôo 103 da Pan Am quando sobrevoava Lockerbie, na Escócia, além de 11 pessoas em terra. Mas muitas perguntas ainda restam sobre quem pode ter encomendado o ataque; entre os nomes aventados está o do próprio Gaddafi.

Dois terços das vítimas em Lockerbie foram americanas, e as famílias delas vêm pedindo há anos a responsabilização, incluindo na justiça, das pessoas na cadeia de comando líbia que tinham conhecimento dos planos do ataque contra a Pan Am, pelo qual Abdel Basset Ali al-Megrahi foi condenado por um tribunal escocês.

Há americanos e alemães, vítimas ou parentes de vítimas de uma explosão em uma boate de Berlim em 1986, que vêm pressionando há anos por respostas sobre esse ataque e pelo pagamento de indenização pela Líbia. Vítimas irlandesas e suas famílias vêm fazendo petições há anos, pedindo uma prestação de contas sobre os envios de armas e explosivos pela Líbia ao IRA (Exército Republicano Irlandês), incluindo as armas que o IRA usou em alguns de seus atentados --atrocidades, como o caso Lockerbie, pelas quais o governo de Gaddafi pagou bilhões em indenizações, sem jamais ter aceito a responsabilidade.

No Reino Unido, o governo quer ajuda para identificar e extraditar o diplomata líbio que em 1984 usou um fuzil AK-47 para disparar a partir da embaixada líbia e matar uma policial de 25 anos, Yvonne Fletcher, que monitorava protestos anti-Gaddafi do lado de fora da embaixada. No Líbano, membros poderosos da comunidade xiita querem que a Líbia preste contas pelo desaparecimento em Trípoli, em 1978, de um importante líder religioso xiita, Moussa al-Sadr, que visitou a Líbia a convite de Gaddafi.

Dois anos depois de al-Megrahi ter sido libertado de uma prisão escocesa, em meio a muita acrimônia, e levado a Trípoli no avião pessoal de Gaddafi, as perspectivas de qualquer punição adicional a ele parecem pequenas _e não apenas devido a sua condição médica. Embora restem dúvidas quando às alegações da família Megrahi de que ele estaria "perto da morte", outros fatores parecem ir contra qualquer prestação de contas maior, pelo menos fora da Líbia.

Depois de assumir o poder, no ano passado, o primeiro-ministro britânico conservador, David Cameron, pediu desculpas à Casa Branca pelo papel exercido pelo governo anterior na soltura de al-Megrahi, que Cameron descreveu como tendo sido "totalmente errada". Na segunda-feira, porém, um ministro júnior do Ministério do Exterior, Andrew Mitchell, disse que, com a aparente proximidade da morte de al-Megrahi, essa questão se tornou "irrelevante". Em entrevista coletiva à imprensa, William Hague, o ministro do Exterior, focou o caso de Yvonne Fletcher, a policial morta em Londres.

Um artigo publicado no fim de semana pelo "Daily Telegraph", citando um documento vazado da Scotland Yard, disse que a polícia tem testemunhas que identificaram o assassino da policial como sendo Abdulmagid Salah Ameri, um de 30 líbios deportados do Reino Unido após a morte de Fletcher. Ameri teria desaparecido depois de retornar à Líbia. Hague disse que o Conselho Nacional de Transição, a autoridade rebelde reconhecida pelo Reino Unido como o novo governo da Líbia, assegurou que vai cooperar na investigação do assassinato de Fletcher.
Na segunda-feira o governo escocês rejeitou qualquer possibilidade de al-Megrahi enfrentar um retorno ao Reino Unido. As autoridades escocesas foram criticadas pela Grã-Bretanha e os EUA pela decisão tomada em 2009 de soltar al-Megrahi por razões compassivas, depois de ele ter cumprido apenas oito anos de uma sentença mínima de 27 anos, medida que justificaram com boletins médicos alegando que era pouco provável que ele sobrevivesse por mais que três meses. Embora al-Megrahi tenha desafiado esse prognóstico, o primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, disse a jornalistas em Edimburgo que seu governo vai resistir a chamados pela extradição de al-Megrahi.

"Al-Megrahi continua sob a jurisdição escocesa, e as únicas pessoas com qualquer direito legal a pedir seu retorno à Escócia são o governo escocês", ele afirmou. "O que o primeiro-ministro do Reino Unido, o vice-ministro do Exterior, senadores americanos ou advogados têm a dizer sobre o assunto não vem ao caso."

Essa posição provocou reação gelada em Washington. O Departamento de Estado reiterou a opinião muitas vezes expressa pela secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, de que al-Megrahi nunca deveria haver sido libertado, e uma porta-voz disse que os EUA ouviu das autoridades de transição na Líbia o compromisso de reverem o caso dele.
"Este é um novo dia na Líbia", disse a porta-voz, Victoria Nuland, na segunda-feira. "Este é um sujeito com sangue nas mãos --o sangue de inocentes. A própria Líbia, sob Gaddafi, o erigiu em herói. Presume-se que uma Líbia nova, livre e democrática tenha uma atitude diferente em relação a um terrorista condenado."

James P. Kreindler, advogado de Nova York que representou a maioria das famílias americanas no caso Lockerbie, disse em entrevista telefônica que as famílias continuam furiosas com a soltura de al-Megrahi e que "gostariam de vê-lo morrer", mas prefeririam ouvir uma confissão "sobre quem lhe deu suas ordens e como foi planejado".

Kreindler disse que os EUA podem pedir a extradição de al-Megrahi, argumentando que sua soltura foi uma violação de um acordo entre os EUA e o Reino Unido. Mas, disse ele, "concretamente, não vejo isso acontecendo, porque parece que Megrahi está quase morto e que o novo governo líbio, ou futuro governo, está sobrecarregado de coisas a fazer."
A mãe de uma vítima de Lockerbie disse que espera que, pelo menos, al-Megrahi seja interrogado sobre o envolvimento de Gaddafi.

"Pessoalmente, ficarei muito surpresa se Megrahi voltar a ser julgado", comentou a mãe, Susan Cohen, de Cape May Court House, Nova Jersey, que perdeu sua única filha, Theodora, de 20 anos. Mas, disse ela, durante décadas a Líbia foi um país "onde não era possível atravessar a rua sem a permissão de Gaddafi. Ele deve ter autorizado o atentado."

Na Líbia, na segunda-feira, líderes do governo provisório disseram que, se bem que não vão extraditar al-Megrahi, estão iniciando suas próprias investigações sobre atos de terrorismo patrocinados por Gaddafi. Mohamed al-Aleggi, ministro da Justiça do governo provisório, disse que este se opôs à extradição de al-Megrahi em parte devido ao princípio de que ninguém deve ser julgado duas vezes pelo menos crime. Mas ele declarou que o governo pretende interrogar Megrahi sobre o atentado de Lockerbie e vai divulgar quaisquer novas informações venha a obter.

"Travamos esta revolução para sermos um país pacífico, não para voltarmos a ser um país que tolera o terrorismo", disse um colega de al-Aleggi, Anwar Fekini, que fez as vezes de intérprete.

Tradução de Clara Allain

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página