Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
05/09/2011 - 07h00

Brasil e Turquia subestimaram fraqueza de Obama, diz iraniano

Publicidade

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

O maior erro do Brasil e da Turquia ao negociarem com o Irã o acordo de troca de combustível nuclear foi subestimar a fraqueza política do presidente americano Barack Obama em relação ao Congresso, que na época pressionava por mais sanções contra Teerã.

Além disso, afirma o iraniano radicado nos EUA Trita Parsi, quando o acordo foi assinado, em 17 de maio de 2010, os EUA já tinham fechado o entendimento com a Rússia por uma nova rodada de punições no Conselho de Segurança da ONU.

"Brasileiros e turcos usaram a carta de Obama de 18 de abril como a palavra final do governo, mas ela não era necessariamente a palavra mais autorizada sobre o tema", diz Parsi à Folha.

Presidente do Conselho Nacional Iraniano-Americano, que defende a reaproximação diplomática entre EUA e Irã, Parsi prepara a publicação, em janeiro, de um livro analisando por que negociações entre o democrata e a República Islâmica não foram adiante. Para o capítulo sobre a Declaração de Teerã, o também pesquisador do Middle East Institute (Washington) entrevistou autoridades dos países envolvidos, incluindo o atual ministro da Defesa Celso Amorim, na época à frente do Itamaraty.

Em entrevista neste ano à Folha, Amorim disse que falou com a secretária de Estado Hillary Clinton, por iniciativa dela, três ou quatro dias antes de viajar para Teerã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já havia, contou, uma "diferença de tom" entre a carta de Obama e a atitude de Hillary. "Ela reiterou cuidados, disse que seríamos enganados, mas nunca disse para não fazer o acordo."

No telefonema, a secretária de Estado pediu que o Brasil ajudasse na soltura de três alpinistas americanos que haviam sido presos em 2009 no Irã (uma, Sarah Shourd, teve a libertação mediada pelo Brasil).

Para Parsi, a Casa Branca foi surpreendida pelo acordo, que "desarrumou" seus planos. "A decisão de partir para as sanções já tinha sido tomada, independentemente da diplomacia."

Ele acredita que é quase nula a possibilidade de avanço em negociações sobre o programa nuclear do Irã antes da eleição americana de 2012, apesar de a Rússia ter acabado de fazer uma nova proposta de diálogo. Pela proposta, as sanções seriam levantadas à medida que Teerã respondesse às dúvidas da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). "Mas a ideia do governo Obama é parecer muito duro com o Irã", disse Parsi. Abaixo, a íntegra da entrevista:

*

Folha - Por que, apesar das intenções anunciadas por Obama, não houve avanço em negociações entre os EUA e o Irã?

Trita Parsi - Na verdade essa negociação não foi completamente perseguida. Se tivesse sido, haveria boas chances de que algo pudesse resultar dela. As razões foram várias: o governo Obama tinha espaço político limitado para essa iniciativa, muito desse espaço foi ainda mais eliminado pela pressão do Congresso, de Israel e da Arábia Saudita, e depois o espaço de manobra acabou por causa do que aconteceu no Irã depois das eleições de junho de 2009.

Quando finalmente o governo Obama começou a buscar negociações, toda a noção de diplomacia havia se tornado um ato isolado, isto é, eles dariam um tiro, fariam uma tentativa. Se funcionasse, ótimo. Se não, teriam que seguir em frente. E qualquer um saberia que uma só tentativa não resolveria o conflito.

Foram tentadas negociações secretas?

Não é tanto negociações secretas, mas os americanos usaram países como Brasil, Turquia, Japão, para mandar sinais aos iranianos, tentar conseguir uma resposta deles. Mas não eram novas ideias, e sim reiterar a necessidade de os iranianos aceitarem a proposta americana original [de concessões econômicas se o país suspender o enriquecimento de urânio].

E por que os EUA rejeitaram o acordo feito por Brasil e Turquia em Teerã?

Houve um conflito dentro do governo americano nesse período. De um lado, a pressão política interna era para o governo obter as sanções na ONU. Do outro, também influiu a administração da aliança entre EUA e Rússia, que estava dependendo de como chegassem a um acordo para lidar com o Irã. Para fazer com que os russos concordassem com as sanções, os EUA fizeram várias concessões, como desistir do sistema antimísseis baseado na Polônia e na República Tcheca e exceções para os russos nas sanções.

Esses acordos já estavam feitos quando os brasileiros e turcos foram ao Irã. A expectativa em Washington é que não conseguiriam um acordo. Quando conseguiram, isso desarrumou muitos dos planos que o governo americano tinha feito. Agora, se o governo tivesse espaço político na época para aceitar o acordo, isso poderia ter ocorrido.

Mas, em maio de 2010, havia muita pressão doméstica e também de alguns aliados, baseados em todos os acordos que eles tinham feito na ONU em torno das sanções. Mas o episódio de fato mostrou que diplomacia não era a política dos americanos na época, e o cálculo errado do lado brasileiro e turco foi provavelmente que eles acharam que, se conseguissem um acordo, os EUA iriam aceitar, de que o ceticismo que existia não era por se oporem ou pela falta de habilidade em fazer um acordo, mas por causa da falta de confiança em que os brasileiros e turcos pudessem obter um acordo.

E por que Obama enviou a carta em que apoiava um acordo mais ou menos nos termos do que foi obtido?

Eu acho que os brasileiros e os turcos usaram a carta de Obama de 18 de abril como a palavra final do governo americano. Antes, tinha havido um monte de mensagens conflitantes, conversas em que os os americanos tinham mencionado que o fato de Irã ter começado a enriquecer urânio a 20% [em fevereiro de 2010] era um problema. Mas Obama não mencionou os 20% na carta.

Quando a carta veio, foi vista como a palavra final, porque tinha a assinatura de Barack Obama, mas essa não era necessariamente a palavra mais autorizada sobre o tema. Isso de novo mostra que o grande erro de Turquia e Brasil foi uma falta de entendimento de que o governo Obama estava enfraquecido pelo ambiente político interno.

E por que a China, que sempre se opôs a uma nova rodada de sanções, acabou votando a favor no Conselho de Segurança?

O caso da China não está claro. Pode ter sido algum tipo de acordo sobre a taxa de câmbio, pode também ter sido algo tão simples como o fato de que, uma vez que os russos concordaram com as sanções, os chineses não sentiram que era politicamente inteligente para eles continuar como o único membro permanente do Conselho que ainda se opunha. Os russos conseguiram várias concessões, e não está claro que concessões os chineses obtiveram.

Brasil e Turquia cederam muito ao Irã quando concordaram em incluir na Declaração de Teerã o reconhecimento do direito do país ao enriquecimento de urânio?

Sim e não. De um lado, os EUA e a França claramente não gostaram disso. Do outro, Turquia e Brasil já haviam reconhecido publicamente o direito do Irã ao enriquecimento. Nesse sentido não havia nada novo lá. Se outras partes viessem a aceitar o acordo, isso não significa que teriam que aceitar todas as suas cláusulas. O centro do acordo é a troca de combustível [o Irã concordou em enviar ao exterior parte do seu estoque de urânio com baixo enriquecimento, em troca do combustível a 20% para seu reator de uso médico].

É claro que a menção ao enriquecimento causou um problema adicional para os EUA e a França. Mas o acordo teria sido rejeitado por esses países mesmo sem essa inclusão. Um funcionário europeu me disse que, mesmo se os iranianos tivessem concordado em suspender o enriquecimento a 20%, o Ocidente ainda buscaria as sanções. Não importaria. A decisão de partir para as sanções já tinha sido tomada, independentemente dos resultados da diplomacia.

Então, na sua opinião, o maior erro do Brasil e Turquia foi superestimar a inclinação do governo americano por negociações?

O maior erro foi subestimar a fraqueza na época do governo Obama em relação ao Congresso e ao cenário político interno. Obama não tinha condições de gastar nenhum capital político na diplomacia com o Irã naquele ponto.

E por que os iranianos aceitaram o acordo? Dizem que Mahmoud Ahmadinejad estava mais inclinado a aceitá-lo do que líder religioso Ali Khamenei.

Todo o governo iraniano estava envolvido na Declaração de Teerã. O Parlamento foi informado, a negociação não foi apenas com um ramo do governo, e os brasileiros e turcos haviam feito uma grande preparação para a negociação, diferentemente das conduzidas pelo Grupo de Viena (EUA, Rússia e França).

Uma das questões que o acordo conseguiu superar, que era um ponto importante para os iranianos, era a da confiança. Confiança de que eles não perderiam o urânio com baixo enriquecimento, de que o Ocidente não os trairia no acordo. Isso era muito importante. Foi a principal razão pela qual os iranianos que queriam o acordo desde 2009 conseguiram se impor internamente. Antes, a percepção da proposta original feita pelo Grupo de Viena é que não havia mecanismos para garantir confiança.

O sr. refere ao fato de a Turquia ter concordado em ser guardiã do material até que o Irã recebesse em troca o urânio enriquecido a 20%?

PARSI - Sim. Do lado americano e europeu, havia reclamações de que os iranianos poderiam pedir o material de volta, violando o acordo. Mas, ao mesmo tempo, a carta de Obama para Lula e para o premiê turco Recep Erdogan dizia claramente que ele concordava e apoiava uma solução que pusesse o urânio levemente enriquecido iraniano sob a guarda da Turquia.

Agora, o governo iraniano tem dito que não está mais interessado num acordo de troca de combustível. A proposta morreu?

Acho que essa proposta mais ou menos já deu o que tinha que dar. Não está mais claro que mesmo os EUA estejam ainda interessados. Mas o que tem que ficar claro é que esse acordo seria apenas uma medida de construção de confiança. Supostamente sempre foi, mas acabou se tornando uma precondição para qualquer coisa, quando o correto seria tentar outros caminhos se esse não desse certo.

A Rússia está apresentando uma nova proposta negociadora, pela qual as sanções seriam reduzidas à medida que o Irã fosse respondendo a questões pendentes na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) sobre seu programa nuclear, sem ter que abrir mão do direito ao enriquecimento agora. Ela tem chance de ir para a frente?

Acho que os EUA terão dificuldade de concordar com a proposta russa porque ela é um mapa de caminho, de medidas graduais, mas não diz qual seria o objetivo final. Os russos têm a opinião, que é praticamente consensual fora dos EUA e de alguns países europeus, de que continuará havendo algum nível de enriquecimento no Irã e o mundo tem que aceitar isso, desde que seja sob um esquema reforçado de inspeção da AIEA.

Os EUA, mesmo que no final acabem concordando, não vão aceitar agora. Além do mais, o governo Obama não estará interessado em qualquer negociação com o Irã até as eleições presidenciais do próximo ano. A ideia é parecer muito duro com o Irã e buscar ainda mais sanções.

Por que Israel parou de falar publicamente na possibilidade de atacar as instalações nucleares do Irã?

Desde o início a possibilidade de um ataque israelense era muito limitada. O objetivo primário das ameaças era pressionar os EUA a não fazer um acordo com o Irã. Agora as ameaças evaporaram.

Então não há risco de um ataque israelense?

Não digo que não exista risco, mas que ele é limitado e sempre foi. Mas exagerar que havia funcionou, porque fez com que os EUA ficassem muito hesitantes em buscar um acordo.

Qual foi o efeito da Primavera Árabe para o Irã?

Acho que os iranianos perderam bastante do seu soft power (poder brando), que era baseado em explorar a raiva árabe contra os EUA. A situação é muito mais complexa agora. É prematuro chegar a uma conclusão final, mas acho que, no mínimo, os iranianos perderam a iniciativa, eles foram superados pelos acontecimentos.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página