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27/10/2011 - 19h40

Depois de terremoto, turcos e curdos podem colaborar em prol da paz

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ELIF SHAFAK
DO "GUARDIAN"

Os espectadores angustiados explodiram em aplausos quando um garoto de 13 anos foi retirado dos escombros. Ele estava num internet café, navegando na rede ou jogando online, quando um terremoto de 7,2 graus atingiu a cidade histórica de Van, no leste da Turquia.

Uma foto feita no momento da operação de resgate o mostrou olhando fixamente para a câmera desde embaixo de blocos de concreto, seus olhos escuros abertos em uma expressão de pavor, enquanto a mão de outra vítima pendia sobre seu ombro, morta. A imagem circulou pela mídia turca e virou símbolo de esperança em meio ao sofrimento e à morte. Mas a esperança não durou muito tempo. Pouco depois de ser levado ao hospital, Yunus morreu em decorrência dos ferimentos e de hemorragia interna.

De acordo com a estimativa mais recente, cerca de 2.000 construções desabaram, há mais de 523 mortos e 1.650 feridos. O fato de o terremoto ter acontecido no fim de semana e durante o dia, quando escolas e repartições públicas estavam fechadas, impediu o desastre de ser ainda maior. Desde então já ocorreram vários abalos posteriores - literal e politicamente falando.

A região é predominantemente curda. Desde 1984 esta área vem sendo palco de um conflito étnico contínuo e não resolvido que já levou à morte de 40 mil pessoas. A tensão ficou explosiva este mês, quando o PKK matou 24 soldados. Grandes manifestações foram organizadas em todo o país para protestar contra o terrorismo, e a questão curda mais uma vez dominou as manchetes. Foi nesse clima político que o terremoto aconteceu.

O presidente do partido pró-curdos Paz e Democracia, Selahattin Demirtas, disse em sua conta no Twitter que pessoas de toda a Turquia estão se unindo para ajudar e que agora há um cheiro de fraternidade e solidariedade no ar. A tragédia mostrou que turcos e curdos compartilham não apenas uma história comum, mas também um destino comum. Muitas das vítimas eram turcas. Havia alevitas e sunitas. Como disse um sobrevivente às câmeras de TV, "uma mortalha é uma mortalha, é igual para todo o mundo". O terremoto ajudou as pessoas a enxergarem a insignificância das brigas mesquinhas e da polarização pelas quais a política da Turquia é conhecida.

Entretanto, o oposto também é verdadeiro. Preconceitos e estereótipos étnicos profundamente arraigados reapareceram rapidamente, e comentários xenófobos surgiram por toda parte na mídia, especialmente na mídia social. Houve mensagens no Facebook, Twitter, blogs e sites na internet dizendo que esta calamidade foi "merecida" e que "agora é hora de os curdos chorarem". Alguns chegaram a interpretar o desastre como castigo de Deus pelo assassinato de soldados turcos pelo PKK.

Quando tuitei contra esse chauvinismo contínuo, uma das mensagens que recebi dizia: "Cada vez que nós, turcos, confiamos nos curdos, fomos traídos. Apesar da deslealdade contínua deles, aqui estamos, nossa polícia, nossos médicos, ainda ajudando-os - porque somos pessoas melhores que eles." Nesse ambiente tóxico, foi importante o fato de Devlet Bahçeli, líder do Partido do Movimento Nacionalista e símbolo do nacionalismo turco, ter criticado abertamente o discurso contra os curdos.

A assistência vem sendo outra questão polêmica. Nos primeiros dias após o terremoto, o governo turco rejeitou todas as ofertas de ajuda, alegando que não era necessária. Mas não demorou para ficar claro que a decisão tinha sido inepta. Não há barracas em número suficiente, os alimentos não estão sendo bem distribuídos, não chegando de modo igual a todos os sobreviventes, e está havendo uma desorganização geral. Vários caminhões com alimentos e equipamentos foram saqueados, e as autoridades de saúde avisam sobre o perigo de disseminação da diarreia e outras doenças.

Agora o governo turco anunciou que vai aceitar ajuda de mais de 30 países, entre eles Israel. Desde maio de 2010, quando ocorreu o incidente com a flotilha que se dirigia a Gaza, as relações entre os dois países têm estado no fundo do poço. Muitos se perguntam agora se esta crise humanitária pode representar o começo de uma nova era.

As réplicas do terremoto continuam a acontecer, e vamos levar muito tempo para limpar os escombros, sepultar os mortos, chorar nossas perdas e curar as feridas. Mas, depois de tudo isso, há esperança de que turcos e curdos possam trabalhar juntos para alcançar a paz.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

 

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