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01/11/2011 - 09h00

Seja ousado, Sr. Draghi: apague esse incêndio

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MARTIN WOLF
DO FINANCIAL TIMES

Prezado Mario,

Meus parabéns e meus sentimentos: nesta semana você vai assumir um dos cargos mais importantes do mundo à frente de um banco central, mas também carregará uma responsabilidade assustadora. Apenas e unicamente o Banco Central Europeu tem o poder de resolver a crise da zona do euro. Você terá que optar entre dois caminhos: o ortodoxo, que conduz ao fracasso, ou o heterodoxo, que deve levar ao êxito.

A zona do euro se defronta com um conjunto de desafios complexos de mais longo prazo. Mas seus membros não terão a chance de fazer os ajustes ou implementar as reformas que são necessárias se a zona do euro não sobreviver. De imediato, é preciso, entre outras coisas, direcionar a Grécia para um caminho sustentável; evitar um derretimento nos mercados de dívida pública de vários grandes países, e evitar um colapso dos bancos. Destas coisas, são as duas últimas as que realmente importam.

O economista que mais bem explicou o papel do BCE é Paul de Grauwe, da Universidade de Leuven. Por que, ele indagou, os juros sobre a dívida de vários países grandes da zona do euro são mais altos que os do Reino Unido, embora a posição fiscal deste esteja longe de ser superior? Afinal, os déficits e a dívida pública líquida da Espanha são inferiores aos do Reino Unido; o coeficiente de endividamento da Itália é mais alto que o do Reino Unido, mas seu déficit é muito menor, e, no caso da França, o déficit é menor, embora sua dívida seja um pouco maior.

É surpreendente, com certeza, que os mercados enxerguem a dívida do Reino Unido com menos ceticismo que a de outros países. Não é porque os anglófonos tenham criado um complô astuto para destruir o euro; eles não são tão espertos assim. Para exprimir com simplicidade a explicação alternativa oferecida pelo professor De Grauwe, é o banco central, estúpido!

Afinal, o que é que determina o preço da dívida soberana? Os governos não dão garantias, e as demandas de receita tributária oferecem uma segurança apenas ilusória.

Considere o exemplo da Itália: a dívida pública líquida é de 120% do PIB; o vencimento médio da dívida é sete anos, e o déficit fiscal é de 4% do PIB. Logo, o governo italiano precisa levantar um quinto do PIB todos os anos. Todo credor sabe disso. Imaginemos que os credores temessem que o governo não fosse capaz de contrair empréstimos tão grandes. A Itália poderia sobreviver, simplesmente reduzindo seus gastos? Não. Se o país tentasse pagar suas dívidas com os valores que economizou, teria que reduzir seus gastos em muito mais que um quinto do PIB, da noite para o dia, já que a própria tentativa de fazê-lo mergulharia o país numa depressão. Nenhum credor em sã consciência imagina que um país poderia rolar sua dívida nessa situação.

Os mercados de dívida governamental são reerguidos às custas de seus próprios esforços: a disposição de conceder empréstimos depende da percepção de que outros se disporão a fazer o mesmo, agora e no futuro. Esses mercados estão expostos a pânicos que acabam provocando aquilo que é temido, e, por essa razão, precisam de um comprador de último recurso que seja digno de crédito: o banco central. O Reino Unido tem um banco central. Os membros da zona do euro, não. Concretamente, eles contraem empréstimos em moeda estrangeira.

É claro que os membros podem reduzir os riscos. Eles podem ter dívidas e deficits menores, embora a Espanha na realidade tivesse menos dívidas e déficits que a Alemanha quando a crise começou. Eles podem contrair empréstimos com vencimentos a perder de vista: no século 19, boa parte da dívida do Reino Unido era irrecuperável. Podem prometer austeridade fiscal, embora a possibilidade de isso ajudar de fato depende do resultado que se espera: uma promessa de austeridade interminável raramente gera credibilidade.

Qualquer tentativa do BCE de tornar-se o credor de último recurso que os países da zona do euro precisam vai desencadear uma tempestade de protestos. As pessoas vão argumentar que o banco central pode perder dinheiro, exacerbar o perigo moral e alimentar a inflação.

A resposta acertada à primeira dessas objeções é e daí?. O objetivo do banco central não é ganhar dinheiro, mas estabilizar economias. Na realidade, ele corre risco muito maior de perder dinheiro com intervenções fracas que com intervenções fortes que surtem resultado. Quanto à segunda objeção, é necessária uma compreensão clara das normas que regem a política fiscal e econômica. Também é preciso decidir se um país é solvente de maneira digna de crédito. A Itália e Espanha certamente são. Quanto à terceira objeção, não existe razão válida para prever um processo inflacionário descontrolado em consequência de operações monetárias do banco central. A expansão da base monetária não leva automaticamente à expansão da oferta monetária, como você bem sabe. De fato, durante a crise atual, a base monetária tinha se desvinculado da oferta monetária em todas as grandes economias. É isso o que quer dizer uma crise financeira.

Suponhamos que o BCE conseguisse estabilizar os mercados de títulos governamentais dessa maneira. Também e automaticamente estabilizaria os bancos, já que são os temores de calotes soberanos que estão alimentando o medo de insolvência dos bancos. O capital para proteger os bancos europeus contra grandes calotes de dívidas soberanas importantes simplesmente não existe. É especialmente ridículo supor que os soberanos possam fornecer um seguro eficaz contra seus próprios calotes. No entanto, como não existe motivo razoável para uma zona do euro bem administrada sofrer esses calotes, no primeiro lugar, a resposta consiste em barrá-los _na fonte.

Essa restrição é proposital. Uma zona do euro bem administrada é uma em que o crescimento seja sustentado e onde os ajustes sejam promovidos. Novamente, o BCE tem o papel central a exercer.

A zona do euro, como um todo, não sofreu enormes bolhas de ativos e crises financeiras decorrentes: estas se limitaram a alguns poucos membros periféricos. Não houve um motivo válido para a grande recessão e o subsequente crescimento fraco. No entanto, o BCE vem permitindo que o PIB nominal e a oferta monetária (supostamente o segundo pilar de suas políticas) estagnem. No segundo trimestre de 2011 o PIB nominal da zona do euro foi apenas 1,4% mais alto que o de três anos antes. O aumento anual composto do dinheiro circulante foi de apenas 2% nos três anos anteriores ao final de agosto. Novamente, o índice composto da inflação de base a única meta relevante quando os preços das commodities são tão variáveis vem sendo de 1,4% nos três anos anteriores a setembro. Para qualquer observador sensato, isso é um sinal claríssimo de que a política do BCE vem sendo rígida demais. Para que a zona do euro tenha qualquer esperança de ajuste com crescimento é preciso que isso mude, e agora.

A zona do euro corre o risco de sofrer um maremoto de crises fiscais e bancárias. O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira não é capaz de impedir isso. Apenas o BCE pode fazê-lo. Como única instituição responsável por toda a zona do euro, ele tem essa responsabilidade. E possui esse poder. Sinto muito, Mario. Mas você está diante da escolha entre agradar aos falcões monetários ou salvar a zona do euro. Escolha a segunda alternativa. Explique por que está fazendo essa escolha. E lembre-se: a sorte favorece os audazes.

Cordialmente, Martin.

Tradução de CLARA ALLAIN

 

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