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06/12/2012 - 03h15

Questões de Ordem: Ficção jurídica

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MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira parte da sessão de ontem no STF foi ocupada por Marco Aurélio Mello, num voto longuíssimo, mas que não poderia ser encurtado.

Ele começou rememorando os últimos fatos do julgamento do mensalão. As penas propostas pelo plenário foram altíssimas. Marco Aurélio enumerou-as, uma a uma.

José Dirceu, dez anos e dez meses. José Genoino, seis anos e 11 meses. Delúbio Soares, oito anos e 11 meses. Marcos Valério...

Veio a pausa dramática.

Quarenta anos, quatro meses e 11 dias. Marco Aurélio parou. Não perguntou, mas foi como se tivesse perguntado: "não é demais?"

Outros condenados também teriam sido punidos de forma exagerada, no entender de Marco Aurélio. Quebrava-se o princípio da proporcionalidade entre a culpa e a pena, entre o crime e o castigo. Expostos os fatos, veio a teoria.

O mecanismo para diminuir as penas de muitos acusados seria o da continuidade delitiva. Trata-se, repetiu Marco Aurélio, de uma "ficção jurídica". A ideia é impedir que, no caso de alguém que, por exemplo, tenha praticado vários furtos, venha a ser aplicada uma pena alta demais, resultante da soma de cada um dos crimes individuais que cometeu.

Considera-se, então, que cometeu um crime só, aumentando um pouco a sua pena, conforme o número de vezes em que o crime se repetiu.

O problema, nos réus do mensalão, é que cometeram crimes bem diferentes. Somas estratosféricas se produziram porque houve, por exemplo, corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Ou ainda, gestão fraudulenta e lavagem.

Pois bem, disse Marco Aurélio, todos esses crimes em essência pertencem ao mesmo tipo. Foi tudo uma única ação. O que se atingiu, em todos os casos, foi a administração pública. A própria acusação reconhece que o esquema visava a um único objetivo. Logo, todas as penas (menos as relativas à formação de quadrilha, que não é crime do mesmo gênero) deveriam ser recalculadas.

Kátia Rabello, do Banco Rural, ficaria com oito anos e 11 meses, no lugar dos mais de 16 estipulados. Marcos Valério sairia dos quarenta anos para dez anos e 11 meses. "Não é pouco", concluiu Marco Aurélio.

Previsivelmente, a tese foi abraçada com entusiasmo por Lewandowski. Num julgamento tão heterodoxo, raciocinou, a inovação de Marco Aurélio faria sentido. Foi muita "ficção jurídica", entretanto, para os demais ministros. Heterodoxos foram os crimes cometidos, reagiram Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Fôssemos aplicar a sugestão de Marco Aurélio, estaríamos acabando com a lei de lavagem de dinheiro, acrescentou Mendes. Pois o crime de lavagem é punido sempre em função da existência de um crime antecedente; trata-se de disfarçar a origem dos recursos obtidos com outro delito. Se tudo virar "crime continuado", só valeria uma punição para delitos diferentes.

Um estímulo, concordou Celso de Mello, às organizações criminosas. O membro de uma quadrilha que se dedica a sequestros, estupros, latrocínios, seria punido simplesmente por um crime só? A pergunta veio de Joaquim Barbosa, que ainda acrescentou outro raciocínio.

Já aplicamos o princípio da continuidade quando determinado crime foi feito várias vezes, disse ele: muitos casos de lavagem foram englobados como um só delito. Vamos usar pela segunda vez o mesmo artifício, englobando agora os vários delitos diferentes numa coisa só?

Dias Toffoli também foi à carga. Os ministros que discordaram da existência de crime de quadrilha, como ele, consideraram justamente que em vez de um delito só o que se deu foram vários crimes diferentes, combinados em momentos diferentes. Não havia como cobrir tudo sob um só tipo. A ficção jurídica não prosperou, e as penas continuaram altas como antes.

PS - O ex-ministro Ayres Britto esclarece que não "se esqueceu" de deixar pronta a dosimetria das penas de João Paulo Cunha e outros réus, como afirmara meu artigo de sexta-feira passada. Simplesmente não houve tempo de ele se pronunciar sobre esse tema, em sua última sessão, porque entrou no caminho o debate sobre a perda de mandato dos deputados condenados. Ayres Britto não quis anexar a dosimetria por escrito, sem pronunciá-la de público, pois isso contraria a transparência das decisões do STF.

 

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