"Se eu fosse uma pessoa dedicada a cometer um crime, poderia ter feito tudo isso em uma semana."

É o que diz Mateus Mognon, 21, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, depois de quatro meses investigando o processo de criação de uma igreja no Brasil –e a imunidade tributária que vem com ela. Para isso, ele fundou a própria igreja: a Nacionais de Hanzo.

Após ver uma reportagem sobre surgir uma nova organização religiosa a cada hora, e ver o arqueiro Hanzo, do jogo Overwatch, no computador, veio a ideia.

Com 35 milhões de jogadores no mundo todo, o jogo lançado em 2016 traz personagens que lutam para restaurar a paz em um mundo dividido pela guerra. Hanzo é um deles.

O próximo passo foi o registro. O cartório exigiu apenas ata e estatuto –que Mateus aprendeu a fazer na internet– e o comprovante de residência do que seria o templo –a casa de um amigo.

"O gasto que tive foi para autenticar papéis e imprimir folhas. Nada exorbitante. No máximo, R$ 10". O processo levou cerca de um mês.

No estatuto, além de "pregar a paz e harmonia na internet", a Nacionais prevê "ser fonte de distribuição de produtos, meios e materiais com a palavra de Hanzo", um personagem de marca registrada da Blizzard Entertainment, criadora do Overwatch, e se manter com isso. Em outras palavras, vender produtos piratas –o que também não se tornou empecilho no registro.

"Se eu levasse a igreja em frente, estaria cometendo o crime de lavagem de dinheiro, porque o montante advindo das vendas seria declarado como propriedade da instituição religiosa", aponta Mateus. "Tudo isso, sem pagar diversos impostos."

Para evitar um crime, ele não oficializou o pedido de imunidade tributária na Receita. Com o documento, o amigo que cedeu a casa poderia ter isenção no IPTU.

Em 2011, a arrecadação de igrejas do Brasil girou em torno de R$ 20,6 bilhões –90% do valor disponibilizado para o Bolsa Família no mesmo ano. A Receita Federal aponta que só o Estado de São Paulo registra em média 114 novas igrejas por mês.

IMUNIDADE

Desde 1946, a lei garante imunidade de impostos para patrimônio e renda de "templos de qualquer culto", o que permite que instituições não paguem IPTU, IPVA, imposto de renda ou sobre a venda de produtos que tem finalidade de culto.

Em 2017, o Senado passou a discutir o fim do benefício, depois que a sugestão de uma cidadã recebeu mais de 114 mil apoios no site da Casa.

Segundo Arthur Maria Ferreira Neto, docente da PUC-RS, a imunidade é uma forma de garantir o direito constitucional à liberdade de culto, para nenhuma religião ser perseguida por cobrança de tributos que possa inviabilizá-la economicamente.

Sem tempo de encaminhar a dissolução legal da igreja, Mateus conta que segue recebendo pedidos de novos "fiéis" do mundo todo, querendo se converter à Nacionais. Mas, por enquanto, ela fechou as portas.