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Cardiologista do poder, Roberto Kalil almeja dirigir o InCor
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ANA FLOR
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
Às vésperas do domingo do segundo turno da eleição, com Dilma Rousseff virtualmente eleita, o médico da candidata, Roberto Kalil Filho, brincou com um assessor dela: "O que eu vou fazer a partir de segunda-feira?"
O chiste revelava o nível, se não de participação, pelo menos de envolvimento pessoal, do cardiologista na intimidade da campanha.
Kalil, 50, nunca quis ser político, mas não esconde adorar bastidores do poder.
Nos últimos oito anos, foi um dos poucos convidados do ex-presidente Lula para passar finais de semana na Granja do Torto, em Brasília.
Nas visitas, Lula acordava pessoalmente Kalil, às 6h, para acompanhá-lo na caminhada matinal.
O cardiologista indicou o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão (PMDB) e deu sua bênção para a nomeação do novo titular, Alexandre Padilha --que foi a São Paulo almoçar com Kalil enquanto Dilma analisava nomes para a Saúde.
Lula e Kalil se conheceram no início dos anos 90. O advogado Roberto Teixeira, compadre do petista, procurou o médico no InCor.
Luiz Carlos Murauskas - 27.dez.2010/Folhapress | ||
"Kalil, você é malufista, não é? Quer atender o Lula?", teria perguntado. "Não sou malufista nem petista, mas atendo sim", respondeu.
"Na época ninguém achava que o Lula seria presidente", conta Kalil, que diz ter sido, ao longo da vida, agraciado pela "sorte de estar no lugar certo na hora certa".
Foi assim que ele conseguiu a façanha de ser médico dos dois principais candidatos à Presidência neste ano. Dilma chegou pelas mãos de Lula. Serra, indicado pelo médico Luiz Roberto Barradas Barata, ex-secretário de Saúde de São Paulo, morto em julho do ano passado.
Quando a Folha quis saber como andava a saúde dos dois candidatos, na reta final da campanha, Kalil respondeu pelos dois. "Ambos confiam em mim pela competência médica", diz ele.
A lista de políticos que passam ou passaram por seu consultório é longa: o ex-vice-presidente José Alencar, o ex-governador Paulo Maluf, ministros e governadores.
A convivência com políticos começou nos anos 80, quando se tornou assistente do tio, o cardiologista Fúlvio Pileggi, diretor-geral do InCor (Instituto do Coração).
Quando comecei, era um rato de esgoto", diz Kalil. "Foi o doutor Pileggi que me ensinou tudo", diz.
A pedido do tio, acompanhava ministros e governadores em exames e passava madrugadas de plantão no quarto das autoridades.
Não foi novidade quando precisou lidar com a notoriedade do câncer da então candidata Dilma.
Discutia e avaliava cada termo dos boletins do hospital sobre a saúde dela e questionava cada passo do tratamento. Chegou a ter atritos com outros médicos da equipe da hoje presidente.
DURÃO
No hospital Sírio-Libanês, onde coordena o núcleo de cardiologia, Kalil tem fama de exigente. Ele próprio reconhece que não faz questão de ser simpático. O grupo de assistentes e os funcionários do hospital reconhecem que ele é "franco" e durão, mas dizem que, no fundo, ele se preocupa com todos.
Para muitos, o comportamento franco soa como arrogância. Num almoço na casa de campo do urologista Miguel Srougi, um dos convidados reclamava: "Ele é meu médico, mas acabou de perder um paciente. Fui cumprimentá-lo e ele fingiu que não conhece", dizia um empresário, sentado na mesa ao lado da de Kalil, que estava de costas para ele.
Um exemplo recente de sua fúria foi a descoberta de que um aparelho de cateterismo importado parou de funcionar, deixando pacientes à espera. Kalil foi vistoriar o equipamento e ligou para o responsável: "Se não consertar agora, demite o engenheiro, o filho do engenheiro e o neto do engenheiro".
Questionado sobre o que tem em comum com Dilma, Kalil responde: "Nós dois gostamos de ver as coisas bem-feitas".
FAMÍLIA
Com uma rotina de trabalho de pelo menos 16 horas, Kalil diz estar 24 horas por dia à disposição dos pacientes. "Minha vida pessoal não existe." "Minhas filhas adolescentes reclamam", conta o médico, lamentando que nenhuma quer seguir a medicina. Vivendo seu segundo casamento, sua mulher também é médica.
Entre os novos desafios, o cardiologista está decidido a ocupar a direção do InCor, onde é professor livre-docente do departamento de cardiologia e vice-presidente da Comissão de Ensino. Lá ele fez residência em 1986.
No InCor, há um misto de torcida e apreensão com a possibilidade de ele vir a se tornar titular no instituto, um passo anterior para ocupar a cadeira que tanto deseja, a de diretor-geral. A Folha conversou, na condição de anonimato, com cinco médicos no instituto.
Eles afirmam que Kalil não preenche critérios acadêmicos para ocupar a vaga, especialmente porque não tem grande produção científica (é coautor e não autor principal da maioria dos artigos publicados). Caso leve a vaga, o critério terá sido mais político do que técnico, dizem os especialistas.
Porém, na avaliação deles, a nomeação poderia fortalecer a cardiologia no InCor, que vem perdendo espaço para a pneumologia. O fato de transitar muito bem entre petistas e tucanos também poderia ajudar a instituição do ponto de vista financeiro.
Kalil rebate a acusação de que publica pouco, mostrando seu currículo recheado de pesquisas e artigos em publicações internacionais respeitáveis. "Isso é ciúmes", afirma o médico.
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