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Uma ponte de beijos sobre o abismo da memória
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FABIANO CALIXTO
DE SÃO PAULO
No aniversário de 458 anos da cidade, a edição de domingo (22) da sãopaulo convidou cinco escritores e cinco fotógrafos para mostrar como veem as cinco regiões da metrópole.
O escritor Fabiano Calixto e o fotógrafo Felipe Morozini retratam o centro; o poeta Sergio Vaz fala sobre a zona sul, com imagens de Rogério Velloso; e o romancista Michel Laub escreve sobre a zona oeste, com fotos de Tomaz Viola.
Para a zona norte foram chamados a colunista da Folha Vanessa Barbara e o repórter fotográfico Rubens Cavallari. Já a zona leste, captada pelas lentes de Filipe Redondo, ficou a cargo do cantor e compositor Marcelo Jeneci. Confira texto sobre o centro:
*
O centrão de São Paulo reina, apesar das catástrofes. Penso isso enquanto ouço Roberto Bolaño ler seu poema "Los Perros Románticos" ("Mas naquele tempo crescer teria sido um crime / Estou aqui, disse, com os cachorros românticos / e é aqui que vou ficar") em minha radiola portátil e caminho pela Duque de Caxias rumo à São João.
Ao cruzar a Conselheiro Nébias, lembro que perdi um país, mas ganhei um sonho. Não um sonho qualquer, barateado e penteado, mas um sonho espesso, de sabor forte, que alimenta a constante taquicardia de alguém que preferiu esquecer seus santos na seção de achados e perdidos.
Felipe Morozini/Folhapress |
Motos estacionadas em rua da região central de São Paulo |
Sigo. Os canteiros centrais da avenida são diariamente adubados com cachimbos de crack, restos de comida, guimbas e merda de gente. Ainda assim a cidade resiste. O ônibus segue para o Terminal P. Isabel e vai abarrotado com os esquecidos pela sexta economia do mundo.
Ainda assim, a cidade.
O sinal abre. Escolho um velho disco do Uriah Heep. Juli gosta muito desse disco. Juli gosta desta cidade. Nem mil meandros da mente valem o sorriso de Juli. Desço a São João, entro à esquerda pela Ana Cintra -que é um nome bonito de rua-, até chegar à paróquia Santa Cecília.
Uma vez, numa noite de inverno, um bêbado me disse que Santa Cecília é a padroeira dos músicos e que por isso vivia assobiando e olhando para o céu em busca dos ouvidos da santa. Paro diante do largo. Os fantasmas históricos andam na corda bamba das rotas de leitura. Depois das tempestades de verão que inundam tudo e deixam pelas calçadas uma garapa densa, com a qual os fantasmas históricos se batizam uns aos outros, apenas os cachorros mais fortes, os cães espartanos, perdidos e pelados, caçando comida e com medo, conseguem apreender a luz da lua dormente sobre o chumbo pesado das nuvens -e com seus corações pra explodir de tanto susto, cio e solidão crivam a noite com seus uivos operísticos. Para esses cães, todo gesto de solidariedade tem gosto de carne.
O largo está cheio de uma escuridão espessa e de fantasmas históricos reunidos à orla do último solilóquio dos suicidas. Eles sabem que a dor do centro da cidade tem a silhueta de grandes dinossauros e dura séculos.
Caíram, mas caíram como valentes. Esta é sua grande e furiosa vitória. Ademais, a cidade não sorri pra qualquer um -o centro de São Paulo não é para principiantes. Desço a rampa da estação do metrô, repleta de pétalas roxas, e vejo Juli vindo, iluminando a vida. Como diria um poeta, assim acaba o tempo de silêncio,
logo no início da eternidade.
Fabiano Calixto, 38, é escritor e morador do centro
há dois anos. Autor de "Sangüínea" (editora 34, 2007) e co-editor da revista "Modo de Usar & Co", atualmente ele escreve seu primeiro romance.
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