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Brasil, ano zero revisitado
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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo
"José mata ratos num cinema poeira. É um homem comum, 28 anos, que come, dorme, mija, anda, corre, ri, chora, se diverte, se entristece, trepa." Assim começa um dos livros mais ousados (e de história mais polêmica) da literatura brasileira: "Zero", de Ignácio de Loyola Brandão.
Lançado na Itália em 1974, proibido pelo regime militar em 1976, "Zero" acaba de ganhar, 35 anos depois de sua primeira publicação no Brasil, uma 13ª edição comemorativa, em capa dura, com cem páginas suplementares que explicam sua gênese.
Ambientado "num país da América Latíndia, amanhã", mas que ninguém duvida ser o Brasil de então (e de sempre), suas páginas são uma colagem de fragmentos de prosa, diálogos, trechos de inquéritos, recortes de jornal, anúncios publicitários, desenhos.
A forma é degradada, pois a matéria-prima é explosiva: a trajetória de um homem comum que, no turbilhão da metrópole que tudo transforma em dejeto e quinquilharia, casa-se por fissura e vive sem eira nem beira, passa do subemprego à delinquência, da luta armada a seções de tortura --joguete de violências travestidas de ideologia e da pornografia do consumo.
Loyola colocou mais um retrato na galeria dos pobres diabos da literatura brasileira, a começar por seu ancestral mais direto, o Naziazeno de "Os Ratos", de Dyonelio Machado. Só isso já valeria a releitura desse clássico.
Mas há muito mais na edição: esboços do romance (cujo título inicial era "A Inauguração da Morte") a partir de matérias censuradas no jornal em que Loyola trabalhava; a história de como os originais foram parar na editora italiana Feltrinelli (a mesma que publicou "Doutor Jivago", de Pasternak, burlando a censura soviética) e de como sua proibição (ao lado de "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca, e "Araceli, Meu Amor", de José Louzeiro) gerou uma manifesto assinado por mais de mil intelectuais; o glossário para ajudar seus tradutores; capas de edições pelo mundo --enfim, novos relatos sobre esse livro composto por uma miríade de relatos.
LIVRO
ZERO - 35 ANOS
AUTOR: Ignácio de Loyola Brandão
EDITORA: Global (392 págs., R$ 65)
avaliação: ótimo
FILME
INVESTIGAÇÃO SOBRE UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
Elio Petri (Versátil; R$ 44,90)
Mestre do cinema político italiano, ao lado de Gillo Pontecorvo, Elio Petri faz a serpente morder a cauda. O chefe da polícia de Roma (Gian Maria Volonté) mata a amante e quer culpar um jovem esquerdista, mas deixa pistas que transformam o cidadão imune a suspeitas em vítima da própria prepotência --tão letal quanto a fúria ideológica da Itália dos anos 70.
avaliação: ótimo
DISCO
YAMANDU + DOMINGUINHOS: LADO B
Yamandu Costa e Dominguinhos (Biscoito Fino, R$ 30)
Este "Lado B" da parceria iniciada em 2007 traz composições de Pixinguinha, Ary Barroso e Lamartine Babo, Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho.No choro do violonista gaúcho e nas cinco músicas do sanfoneiro pernambucano, o virtuosismo fica nas entrelinhas de um repertório que explora outro lado B: a face dolente do cancioneiro popular.
avaliação: bom
LIVROS
TRISTÃO E ISOLDA
Helena Gomes (Berlendis & Vertecchia, 232 págs., R$ 39)
Helena Gomes apresenta versão para público adolescente do mito celta de Tristão e Isolda. No enredo tradicional (base para a ópera de Wagner), Tristão se apaixona pela donzela destinada a casar com seu tio, graças a uma poção mágica que simboliza a trágica fatalidade do amor --mesclada a elementos aventurescos.
avaliação: bom
O CASTELO NOS PIRINEUS
Jostein Gaarder; tradução de Luiz Antônio de Araújo (Cia. das Letras, 182 págs., R$ 34)
Dois ex-amantes se reencontram após décadas de separação e passam a trocar e-mails (numa versão moderna do romance epistolar). O entrecho sentimental serve para o escritor norueguês, autor de "O Mundo de Sofia", dar corpo e dramaticidade a questões contemporâneas.
avaliação: bom
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