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04/10/2010 - 10h53

Ana Soares, chef e consultora, é uma "fantástica fábrica de menus"

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ANA PAULA BONI
DE SÃO PAULO

"Olha que belezinha. Sabe o que é isso? Umbigo da Vênus", diz Ana Soares sobre o capelete sendo recheado por um dos 25 funcionários de seu pastifício, a Mesa III. Ao lado, outro rapaz prepara algo para ser embalado, e ela dispara: "Escorre bem essa água."

Enquanto apresenta à reportagem a casa onde fabrica 150 kg de massa por dia, em Pinheiros, a chef não tira o olho do que estão fazendo. Perfeccionista, desfaz a grande pilha de caixas que as meninas da loja montaram, "senão vai amassar tudo". Com 1,59 m ("e meio") de altura e voz suave, a mulher tem apenas a aparência frágil. Comanda naturalmente, mas com delicadeza, como costuma dizer.

Após uma espécie de vistoria, só para quando entra em sua sala, a única que está colada à cozinha, enquanto o resto do escritório fica no piso superior. "Eu tenho a minha cabeça em permanente ebulição, fervendo, pronta para inventar coisas", diz ela, com avental adaptado de um vestido, colares coloridos, unhas pintadas e sapatos amarelos emborrachados nos pés.

Patricia Araujo/Folhapress
Ana Soares, chef e consultora
A chef Ana Soares assina o menu de diversos restaurantes, bares e cafés da cidade; veja a lista com endereços

Requisitada

Nascida em Guararapes, interior de São Paulo, Ana Soares, 57, é uma espécie de John Nash dos sabores. Combina ingredientes na cabeça como o matemático (o do filme "Uma Mente Brilhante") faz com os números.

Essa soma de boas ideias com inquietude a tornou a consultora mais requisitada da cidade, hoje responsável por cerca de 60 cardápios de bares e restaurantes criados nos últimos 15 anos em várias partes do país. No momento, outros dez projetos rondam sua mesa, de casas na Granja Viana e em Belo Horizonte, por exemplo.

Diante desse volume de menus, você pode comer em uma dúzia de lugares diferentes em São Paulo sem saber que ela está por trás daquelas receitas. No rol de clientes, estão restaurantes como Praça São Lourenço, Namesa, Casa Pizza, Galeto's e os mais recentes Villa Cioè, aberto em junho, em Higienópolis, e Mercatto Caffé, inaugurado em maio, em Moema.

Há também uma profusão de cafés e bares, como o famoso trio da Cia. Tradicional de Comércio: Original, Pirajá e Astor. "Fizemos três bares com ela e nenhuma receita se repete. A Ana não tem preguiça mental", conta Sérgio Camargo, sócio da Cia. Tradicional de Comércio, que também teve a ajuda dela para abrir a Lanchonete da Cidade, em 2004. A sanduicheria guarda fama por uma criação da chef, o hambúrguer bombom, que leva carne, pão francês redondo e molho de tomate em pequenos pedaços.

No bar Original, de 1996, exemplos de combinações inusitadas de Ana Soares são o croquete de salame e queijo brie e a coxinha de frango com Catupiry que substitui a tradicional massa por uma de mandioquinha.

Colegas destacam sua inventividade. Mara Salles, do Tordesilhas, fala de sua falta de medo de errar: "A palavra que melhor a define é ousadia". Ana explica que sua ousadia é o resultado de um desejo de não se repetir aliado a uma busca por receitas que serão a marca de cada lugar. Foi assim que ela transgrediu o falafel para o bar Falafa, aberto em junho, nos Jardins. "Ela transformou uma bola milenar numa coisa comprida e ovalada nas pontas. É forma e função. Frita melhor e ficou mais crocante", diz Amnon Armoni, sócio da casa.

Algumas combinações que saíram da cabeça de Ana fizeram tanto sucesso que hoje são copiadas na cidade, como o bolinho carioca -feito com massa de abóbora e recheio de carne-seca, virou a marca registrada do Pirajá, inaugurado em 1998. "Ampliar o repertório culinário dos paulistanos é um serviço que prestamos", diz ela.

Arquiteta formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Ana Soares abusa de referências como paisagismo e moda. "Quando faço uma massa colorida, estampada, também vejo aquilo como um tecido."

Antes de se tornar chef, de forma autodidata, teve uma confecção infantil, quando seus dois filhos, Manoel e Valentina, eram crianças. Ainda "tateou" a arquitetura por meio do paisagismo, por conta própria. Isso era meados dos anos 1980, na volta da França, para onde foi acompanhando o marido, Luiz Henrique, sociólogo.

Naquela época, a gastronomia se limitava a um hobby. Gostava de dar jantares para amigos. "Minha casa sempre foi muito festiva." Fez alguns cursos rápidos, para amadores, na Escola Wilma Kövesi, onde dá aulas.

Verdadeira vocação

Em pouco tempo descobriu que a confecção e o paisagismo não eram sua vocação. Famosa que era sua comida entre os conhecidos, ela recebeu o convite de uma amiga que precisava de ajuda com o cardápio de um hotel. "Quando entrei, me apaixonei mais ainda pela cozinha. E, quando você se apaixona, você enlouquece."

Ana ajudou a elaborar o menu e logo seu nome chegou aos ouvidos dos sócios que abririam o bar-restaurante Nabuco, em Higienópolis, em 1993. Foi seu primeiro grande projeto, para onde criou receitas e de onde foi chef por dois anos. Na esteira, ainda tocando o Nabuco, veio o restaurante Badaró.

Contratada como chef nos dois lugares e lidando com a falta de espaço para produzir massas, vislumbrou um nicho inexplorado em São Paulo: a terceirização de massas artesanais.

Assim nascia a Mesa III, em 1995, com foco nos restaurantes. Apaixonada pela cozinha italiana, resgatou uma memória de infância: seu pai havia tido um pastifício quando ela era criança. "Lembro-me de correr entre as massas enquanto secavam penduradas."

Um dos primeiros clientes da empresa de Ana Soares foi o francês Emmanuel Bassoleil, então chef do Roanne (1995-2002) e hoje no comando da cozinha do Skye. "Eu não tinha condições nem sabedoria para fazer massas com a qualidade que ela faz.." Bassoleil conta que ela não só fazia o que ele pedia como o ajudava a criar.

Pouco depois, no início de 1996, Ana se desligou do Nabuco e de outros projetos para tocar exclusivamente o pastifício. Mas continuou sendo procurada por amigos atrás de seus conselhos para a abertura de novos negócios. A essa demanda, ela juntou a falta que sentia de cozinha de restaurante, como era nos tempos do Nabuco e do Badaró, e resolveu tocar alguns projetos de consultoria. O primeiro -sem que ela tivesse que seguir como chef do local- foi o bar Original, aberto em 1996, em Moema.

"A consultoria passou a ser uma brincadeira em que eu continuo a ser chef, nem que seja por um tempo determinado." Ao Original seguiram-se Paulistano, Pirajá, Espírito Santo, Adega Santiago, entre outros. Sua consultoria pode começar do zero ou ser a repaginação de uma casa, durando de dois meses até mais de um ano.

Cozinha japonesa

Mesmo com pés e mãos dentro da gastronomia italiana, ela envereda pelos mais diversos territórios, sempre levando consigo a promessa de nunca se repetir. Se a culinária proposta for algo intimidador, ela não hesita: "A cozinha japonesa, por exemplo, é complexa. Mas, se eu tiver uma proposta, eu chamo a minha amiga Mari Hirata para me ajudar e vai ser uma festa."

Outra característica que faz a diferença, dizem os clientes ouvidos, é o pacote completo que Ana Soares entrega. Além do cardápio e de uma lista de fornecedores, antes da inauguração da casa a maior parte dos funcionários está escolhida e treinada por ela, cada um na área de melhor aptidão.

"Ela é uma descobridora de talentos. Tenho um cozinheiro escolhido por ela que está no Dinho's há mais de dez anos", conta Paulo Zegaib (da Casa Pizza), filho de Fuad Zegaib, do Dinho's. Essa é uma característica também destacada pelo colega francês Laurent Suaudeau, com quem Ana estagiou. "Há muitos grandes chefs que não têm capacidade de transmitir conhecimento. E isso é essencial para formar uma boa equipe."

A consultora tenta traduzir seu trabalho. "Fazer consultoria é pensar com a cabeça do outro, entender o que o cliente quer e do que ele precisa." E faz um mea-culpa. "Se tem algo em que errei foi quando entrou o meu desejo mais que o desejo do outro."

Ao longo dos últimos 15 anos, Ana Soares olha para trás com orgulho de "suas" casas. Trata-as como filhos. "Quando o projeto chega ao fim, é uma dor violenta. Há um sentimento de posse. Mas tenho de deixar eles voarem sozinhos. Como os filhos."

*

ONDE PROVAR A COMIDA DE ANA SOARES
Ou o que você já comeu e não sabia que havia sido feito por ela:

1. MERCATTO CAFFE
Inaugurada em maio, a casa tem uma minipadaria e serve pães feitos no forno a lenha, burrata e paninis. As sugestões são a pescada à milanesa com batatas e molho de maionese e manjericão e o galeto ao limão com salada de batatas.
R. Mal. Hastinfilo de Moura, 93, Vila Suzana, região sul, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3746-6634.
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2. PIRAJÁ
Muitos dos petiscos criados para esse bar foram copiados em vários botecos da cidade, como o bolinho carioca (massa de abóbora com recheio de carne-seca). Outra sugestão é o milanesa aperitivo, servido em pedaços com molho de queijo.
Av. Brig. Faria Lima, 64, Pinheiros, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3815-6881.

3. OCTAVIO CAFÉ & BISTRÔ
Recentemente reformulado pela consultora, o menu da cafeteria, de 2007, traz, entre as novas receitas, criações como o salmão grelhado com purê de cenoura ao cardamomo, cogumelos e molho de gengibre e limão.
Av. Brig. Faria Lima, 2.996, Jardim Paulistano, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3074-0110.

4. VILLA CIOÈ
Os pratos mais vendidos nesse restaurante,.aberto em junho, são o robalo grelhado ao molho de mostarda em grãos servido com legumes e o carré de cordeiro com purê de berinjela defumada, tomate confitado e alho assado.
R. Tupi, 564, Santa Cecília, região central, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3662-1121.

5. LANCHONETE DA CIDADE
Faz fama o hambúrguer bombom, item mais vendido na sanduicheria inaugurada em 2004. Leva uma suculenta carne com molho de tomate fresco em pedacinhos dentro de um crocante pão francês redondo feito sob encomenda
Al. Tietê, 110, Cerqueira César, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3086-3399.

6. FALAFA
O novo bar serve sanduíches com falafel (bolinho de grão-de-bico). Opções são o paris, com falafel, queijo de cabra, champignon, tahine e mostarda, e o tokyo, com falafel, shiitake ao shoyu, broto de feijão, tahine e wasabi.
R. Pe. João Manuel, 730, Cerqueira César, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3062-7882.

7. NICECUP
A chef inovou ao criar pratos à base de café para essa cafeteria, aberta em 2006. Um dos mais pedidos no local é o atum grelhado ao molho de expresso e balsâmico, servido com purê de mandioquinha e compota de legumes.
R. Pedro Nicole, 1, Vila Mariana, região sul, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/5083-1012.

Outras casas

RESTAURANTES
Casa Pizza
Dinho's
Galeto's
Namesa
Praça São Lourenço

BARES
Adega Santiago
Astor
Bardot
Escobar
Espírito Santo
Original

CAFETERIAS
Café Aprendiz
Etna Café
Suplicy Café
Tok Stok Café Design

*

CHEF EM CASA
A consultora Ana Soares compartilha algumas de suas dicas:

1. Para cozinhar o macarrão
Não use óleo ou azeite na água. Coloque a massa na água fervendo com sal grosso e cozinhe até ficar al dente. Nunca passe na água fria. Depois de escorrer, coloque numa travessa aquecida, adicione o molho e sirva em seguida.

2. Para fazer um bom grelhado
Retire a carne da geladeira 30 minutos antes e tempere com sal e pimenta moídos na hora. Numa chapa de ferro bem quente, jogue um fio de azeite e ponha a carne. A dica é jogar junto na chapa alho com casca levemente amassado e alecrim fresco.

3. Como deixar o pastel crocante
O ideal é fritar no óleo a uma temperatura de 180ºC. Se não tiver termômetro em casa, ponha uma batatinha antes e observe como ela frita, para ver se
o óleo está quente o suficiente.

4. Como simular um forno a lenha
Uma ideia é aquecer carvão vegetal no bico do gás e jogá-lo em brasa numa assadeira com ervas frescas e cascas de limão e laranja. Depois coloque essa assadeira no fundo do forno enquanto estiver assando um peixe, por exemplo.

5. E como simular um defumado
Dá para colocar chá-mate e preto, cascas de limão e laranja e ervas no fundo de uma panela de cozimento a vapor. Sobre a grelha, acima desse fundo, coloque o que quer dar o perfume do defumado, como um peixe.

6. Cinco ingredientes que não podem faltar na despensa
Sal e pimenta-do-reino (moídos na hora), azeite, tomate fresco e ervas frescas.

 

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