SPFW conquista a gordelícia

Acabou a São Paulo Fashion Week? Já posso sair da toca? Minha relação com a SPFW é a mesma do diabético com a tão popular Amor aos Pedaços: por mais que eu queira me aproximar, só me é permitido participar da festa pelo lado de fora da vitrine.

Por conta de uma dificuldade técnica com a moda, que começa no alargamento da cintura e termina no estreitamento do bolso, fujo do assunto. Custou para a SPFW perceber isso.

Por anos, recebi convites nunca agradecidos ou confirmados para sentar na primeira fila dos desfiles. Com o tempo, eles foram virando convites para sentar na segunda e, depois, na terceira fila, até que um belo dia acabou chegando somente um tíquete dando direito à entrada no "lounge" da "Caras" mais um refrigerante Kuat.

Nas últimas edições, o evento acabou se esquecendo da minha existência por completo e fez muito bem. O estilo carcamana grosseira só se torna "fashionable" quando seu irmão se chama Gianni Versace, não é mesmo? Mas, se meu prestígio foi afundando junto com meu mutismo sobre as passarelas, o mesmo não pode ser dito sobre meu entusiasmo pela nossa atuação no mundo.

O Brasil é a bola da vez, e o filho do Reinaldo e da Gloria cresceu e já, já deixa o Tom Ford parecendo uma tia desenxabida. Quer apostar um picolé como Pedro Lourenço teve a ver com o declínio de John Galliano? "Is Pedro in Paris? Give me absynthe to drink!"

Mas, recapitulando, aposto que a Erika concorda comigo que a pessoa que inventou a semana de moda da "gordelícia" deveria ser pendurada num poste na praça da Sé e açoitada das 9h ao meio-dia todos os sábados. Pronto, falei. Não sabia bem onde enxertar esse comentário no texto, mas precisava deixar registrada minha indignação. Trata-se apenas de uma figura de linguagem, é óbvio, não quero ver ninguém machucado, mas gordelícia é termo de uma obscenidade inominável. Quem bolou deveria tentar comer gordura em vez de picanha na próxima visita ao rodízio de carnes. Hein? Gente da moda tem obstrução no esôfago se comer no Fogo de Chão? Como assim? Coisa mais sem graça!

Já estamos encerrando e eu ainda não disse a que vim. Fato está que a moda tapuia caminhou léguas e o bafafá da SPFW, antes desproporcional ao tamanho do "business", agora tornou-se respeitável. Falta melhorar prazo de entrega e preço, mas somos criativos e, por definição, uma gente fútil e consumista, ou seja, faz sentido que amemos nossa Fashion Week.

Meu amigo Martin Gurfein, fotógrafo primoroso e editor da "Caras", apareceu na minha casa na semana passada para me trazer seu livro "Backstage SPFW". Acabamos tomando um café na padoca para ver as fotos e conversar "un poquito". Martin é uma exceção entre heterossexuais argentinos, alguém que se interessa verdadeiramente por moda e suas várias manifestações culturais.

A gente sabe que existe um abismo entre tapuias e "hermanos" também nessa área, não? Enquanto o brasileiro se endivida para comprar um modelito do Alexandre Herchcovitch, o argentino só compra um suéter novo quando o que está em uso esburaca. A SPFW não tinha como dar errado.