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Serafina

Videoartista Miranda July apresenta o futuro

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Miranda July está na moda. Por conta do lançamento de seu segundo longa-metragem, "O Futuro", ela é a artista do momento nos Estados Unidos, objeto de reportagens, análises e capas de revistas.

No filme, ela escreve, dirige, produz e atua como protagonista (mesmo caso de sua estreia, "Eu, Você e Todos Nós", de 2005). Na história, um casal resolve se dar um mês para ser feliz, fazendo o que sempre quis. Ele larga o serviço de suporte técnico por telefone e passa a pedir donativos de porta em porta para ajudar a salvar as árvores do mundo. Ela, professora de dança para crianças, tenta criar uma coreografia capaz de bater recordes na internet. Mas só o que consegue é se envolver com um homem mais velho e sem graça.

A trama, no entanto, não basta para descrever o filme, porque o que Miranda July fez foi criar uma fábula pessimista do horror que seria virar uma reles dona de casa. E como descrever um longa narrado por um gato manco que nunca aparece? Em que a Lua fala? Em que o tempo para? Em que camisetas andam sozinhas na rua?

Ramona Rosales
A videoartista mais amada e odiada da América, Miranda July, em Los Angeles
A videoartista mais amada e odiada da América, Miranda July, em Los Angeles

Todas as facetas artísticas de July, 37 – "videomaker", escultora, escritora, cineasta e atriz – giram em torno de seu sentimento de inadequação ao mundo. "O Futuro" não é diferente, assim como não era "Eu, Você e Todos Nós", que ganhou o prêmio de melhor filme de um diretor estreante no Festival de Cinema de Cannes em 2005.

Mas o primeiro era uma espécie de "Short Cuts" (do diretor americano Robert Altman) de saias, com várias histórias paralelas que se cruzam em algum momento.

Já o novo não tem paralelos de comparação. É um filme bem esquisitão e, talvez por isso mesmo, tem despertado reações de amor e de ódio de igual calibre.

Curiosamente, as críticas parecem se dividir por sexo: mulheres amam a sensibilidade nerd e desesperançada de "O Futuro"; homens não suportam o que consideram uma baboseira superficial e sem sentido. Mulheres (e, vá lá, homens sensíveis) acham Miranda July fofa; homens (e mulheres sem paciência) espumam de raiva. Brasileiras e brasileiros poderão testar essa tese em outubro, quando o longa será exibido pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e, depois, em circuito comercial.

AVOADA

"Sensibilidade agora é coisa de mulherzinha?", gane July no Cafe Stella, seu restaurante preferido em Silver Lake, bairro de Los Angeles que escolhe como cenário para esta entrevista.

Ao vivo, ela parece as personagens que interpreta. Meio maluquete, avoada, capaz de fazer algo totalmente fora do normal de uma hora para outra. Ela conta, por exemplo, que na semana anterior, esperava uma comida de um caminhãozinho de fast food ao lado do marido, o cineasta Mike Mills, numa rua do bairro. De repente, ela se levantou, deu a volta no caminhão e passou andando em sua frente como se jamais o tivesse visto. "Eu parecia uma desconhecida???", perguntou, afoita, correndo de volta. "Simmm", respondeu ele, entre abismado e assustado.

"Tenho que admitir que sou excêntrica", diz. Pode-se dizer também que, como ela, os personagens de seus filmes não são nada cool, sexy ou descolados, mas isso faz parte de sua estratégia. "Não ser cool é que é ser cool para mim, então..."

Para ela, o que está por trás das críticas negativas que recebe é o fato de uma mulher escrever, dirigir e atuar num filme, sendo que a indústria do cinema é basicamente masculina. "Não me lembro de nenhuma cena de sexo, por exemplo, que tenha sido escrita, dirigida e interpretada por uma mulher."

Pois agora tal cena existe. Em "O Futuro" Miranda se esfrega num sofá e oferece seu traseiro ao homem por quem está interessada. Nada muito explícito, mas bastante erótico.

Mas isso não comoveu os seres humanos masculinos. O internauta Peter Danvini se deu ao trabalho de criar um blog chamado Odeio Miranda July (ihatemirandajuly.tumblr.com ) só para xingar a moça e seu trabalho. O escritor e músico Michael Idov compôs uma canção chamada "Miranda July" para chamá-la de "Roberto Benigni mulher" (depois ele se retratou e passou a amá-la).

MULHERES

Por outro lado, a blogueira Alison Feldmann se desespera: "Como alguém pode odiar Miranda July?", citando em seguida uma frase da "New York Times Magazine": "July é incansavelmente sincera e talvez seja isso que a faz tão difícil de suportar. E também pode fazê-la ser culturalmente essencial". O texto foi assinado por Katrina Onstad, mulher.

"Faço arte, não um trabalho para todos amarem", defende-se ela, com os gigantes olhos azuis arregalados, como se não acreditasse que pudesse motivar tanto desconforto. "E quanto mais exposição você recebe, mais pessoas vão ficar descontentes; não há como evitar."

Pergunto, após ler uma crítica positiva, se ela se considera pura e verdadeira conforme o autor do texto escreveu. Ao contrário do que eu esperava, sim, ela se considera. "A maioria dos artistas tenta ser pura e verdadeira. Isso não significa inocência."

Assim, com títulos como "Genial ou insuportável?" (site francês Daily Motion), "Miranda July não está para brincadeira" (revista impressa "The New York Times Magazine"), "Agora nós também odiamos Miranda July" (revista on-line americana Gawker), "Chamando planeta Terra" (blog de notícias cinematográficas IndieWire) e "O que enfurece tanto em Miranda July?" (site da revista "The New Yorker") ela provocou tanta gente, para um lado ou para outro, que acabou se firmando como a artista de 2011, goste-se ou não de seu trabalho.

A construção desse nome e de tantos sentimentos começou nos anos 1990, com performances poéticas que ela fazia com o cabelo descolorido. A versão cineasta de July está prevalecendo agora, mas ela própria não se considera uma diretora de cinema. "Estou mais para videoartista", responde.

Nos anos 2000, ela se embrenhou em uma série de projetos. Um deles, "Learning to Love You More" (aprendendo a te amar mais), que consistia em pessoas produzindo material a seu pedido, como "mande uma foto de seus pais se beijando", foi recentemente comprado para o acervo do Museu de Arte Moderna de São Francisco.

Em outro, ela saiu entrevistando pessoas que colocavam pequenos objetos (como um secador de cabelo) à venda pelos classificados de jornal. Um fotógrafo clicou os encontros, que vão se transformar num livro, a ser lançado nos EUA no fim deste ano.

Suas esculturas, exibidas na Bienal de Veneza há dois anos, fazem brincadeiras interativas com relacionamentos e sexo. Uma delas é um convite para um casal se sentar para uma foto, só que traz a inscrição: "Na verdade, nós não conhecemos". Em um totem com um buraquinho no meio, pode-se ler: "Este não será o último furo no qual vou meter o dedo".

E seus livros de contos -em geral reuniões de histórias curtas que escreve sob encomenda para revistas como "The New Yorker" ou "The Paris Review"- também encontraram seus fãs. O único publicado no Brasil, "É Claro que Você Sabe do que Estou Falando" (Editora Agir, 2008) traz uma pequena obra-prima: "A Equipe de Natação".

Na história, a narradora muda de cidade depois do fim de um namoro e decide ensinar um grupo de velhinhos a nadar. Mas não tem acesso a uma piscina e dá suas aulas em casa, com os alunos deitados no chão.

"Achei que o chão da cozinha fosse ceder e virar líquido, e que eles sairiam nadando, com Jack Jack como líder. Ele era talentoso, para dizer o mínimo. Movia-se de fato pelo chão, com tigela de água salgada e tudo. Dava a volta no quarto e vinha se arrastando pela cozinha, coberto de suor e poeira."

ARROMBANDO

No último emprego normal que teve na vida, Miranda July se especializou em arrombar portas de carro durante a madrugada. Isso foi há 18 anos na cidade de Portland, onde ela morou alguns anos, após sair da casa dos pais em Berkeley, uma cidade cheia de universidades vizinha a San Francisco, na Califórnia.

Quando ela chegava com suas ferramentas de arrombamento, os motoristas que haviam perdido suas chaves tomavam um susto. Afinal, aquela exímia profissional que destravava portas em cinco ou sete segundos, dependendo do modelo do carro, não passava de uma menina magricela e desengonçada de 19 anos e, ainda por cima, com cabelo branco descolorido e espetado à moda punk.

"Quando você sabe que quer algo mais para sua vida, escolhe naturalmente coisas estranhas para fazer. Por exemplo, empregos esquisitos que te façam ser demitido logo e te deixar mais perto do que você realmente quer fazer", diz ela agora, já com um cabelo crescido e ruivo, com olhos azuis bem claros. "Desde então, nunca mais trabalhei um único dia. Trabalho normal, quero dizer."

Isso sim pode despertar muita raiva.

*

Pomo da discórdia

O casal de jornalistas Fernanda Ezabella e Dean Goodman, ela brasileira e ele neozelandês, diverge sobre a artista

Amo!
por Fernanda Ezabella, de Los Angeles

Um homem que para o tempo, uma camiseta que anda sozinha e um gato fantasma que filosofa. Em "O Futuro", Miranda July costura uma fantasia urbana cheia de frustações e sem final feliz. Ainda assim, ela consegue transformar a rotina pavorosa de uma professora de balé num viajandíssimo número de dança -e isso, para muita gente, pode ser ainda mais assustador.

Gostar de July é gostar de entrar numa exposição de arte contemporânea e estar aberto às aventuras propostas, às vezes desconfortáveis e quase sempre estranhas.

July escreve, dirige e atua em "O Futuro". Ou seja, é a dona da história, cria suas próprias regras e não se enquadra em gêneros.

Se no primeiro ela fazia poesia com as intrincadas relações sociais, acreditava no amor e parecia otimista, agora July está mais cínica. A professora e seu parceiro largam seus empregos e se dão um mês "para ser feliz", fazer o que quiser. A casa cai, e o resultado é melancólico. Continua um realismo fantástico, porém cruel e, ainda bem, sem vampiros.

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Odeio!
por Dean Goodman, de Los Angeles

Miranda July deveria mudar seu nome para Miranda August. Ela esteve onipresente na América neste mês de agosto, em capas de revistas de prestígio, em matérias de primeira página de jornais. Quero contratar seu agente publicitário.

Ela é uma dessas artistas irritantes que decidiu tornar-se atriz/roteirista/diretora porque acha que é engraçada e sábia. Os críticos a amam; as plateias, nem tanto.

Seu novo filme é um olhar em câmera lenta sobre a desintegração de um casal chatíssimo, sob o disfarce de ser "excêntrico". É narrado por um gato que transmite mais sabedoria do que qualquer um dos humanos. "O negócio continua, continua, continua", diz o gato em dado momento, resumindo o próprio filme à perfeição.

O tempo para de fato durante o suposto clímax, se bem que você se sentirá envelhecendo. July tem um olhar constipado e está apaixonada por suas pernas, pois virtualmente cada tomada é feita para destacar seus membros desajeitados. O namorado é um exemplo de masculinidade americana tão fraco que não convence.

A verdadeira tragédia, entretanto, é que eu poderia ter estado no cinema ao lado, vendo "O Planeta dos Macacos - A Origem".

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