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Serafina

Retratada no filme "Xingu" conta o que aprendeu com os índios

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Dona Marina é uma mulher tranquila, doce e gentil. Não importa quantas vezes você já ouviu esses adjetivos antes e se eles estão gastos para você. Leia de novo e acredite: Dona Marina é uma mulher tranquila, doce e gentil. Perto dela, um metropolitano comum –isto é, um sujeito irritado diariamente pelo trânsito infernal, humilhado pelas contas a pagar e em constante crise de identidade- se sente um neurótico reclamão dos filmes de Woody Allen.

Quase cinquenta anos mantendo laços estreitos com os índios do Xingu, para onde foi pela primeira vez em 1963, como enfermeira, a convite de seu futuro marido Orlando Villas-Bôas (1914-2002), a transformaram. E ela parece estar sempre "se movendo na superfície clara da vida" –para usar a expressão com que o inglês Adrian Cowell definiu a maneira de viver dos indígenas em "O Reinado da Floresta" (1972), documentário sobre os irmãos Cláudio (1916-1998) e Orlando Villas-Bôas.

Ioram Finguerman/Folhapress
"Maria Flor [que a interpreta no filme] parece comigo quando eu era jovem. Muito bonitinha", afirma Marina
"Maria Flor [que a interpreta no filme] parece comigo quando eu era jovem. Muito bonitinha", afirma Marina

SAGA ÉPICA

Agora, a dupla de sertanistas é tema de outro filme, este de ficção. "Xingu", de Cao Hamburguer, selecionado para o 11º Festival de Tribeca, que acontece de 18 a 29 de abril, em Nova York, narra a saga épica dos irmãos Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat). São quase quatro décadas de aventuras: do instante em que se alistam na expedição Roncador-Xingu, em 1943, até bem depois da fundação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, parque e reserva indígena criado pelos Villas-Bôas para proteger as tribos que contataram ao longo dos anos.

Não há como não se comover quando metade da primeira aldeia com que travam amizade morre de gripe. Nem como não invejar a imensa coragem e o rigoroso senso ético desses paulistas educados em colégios de elite que, no entanto, optaram por viver no meio do mato, defendendo populações que, sem eles, provavelmente teriam sido dizimadas.

O diretor Cao Hamburguer confessa que não foi fácil condensar em menos de duas horas tantas histórias impressionantes. "A pesquisa para elaborarmos o roteiro foi intensa. Conversamos com muita gente. Recolhemos uma grande coleção de relatos. Alguns com duas ou três versões diferentes", diz. Mas acredita que conseguiu atingir seu objetivo: "A alma do filme é Villas-Bôas e dos povos do Xingu".

MAIS DURÕES

Em sessão privada, Dona Marina assistiu ao filme, cuja estreia está prevista para 6 de abril. "É bom", diz, sentada na sala abarrotada de pinturas e fotos do marido da sua casa no Alto da Lapa. Ela entende que um diretor tem que tomar liberdades para transformar a história em cinema, visando a efeitos dramáticos. Como, por exemplo, retratar os Villas-Bôas como homens modernos, que exteriorizam todas as suas emoções e incertezas. Na verdade, eram homens de outro tempo, um pouco mais durões.

Noel, 36, o mais novo dos dois filhos do casal, aparece nesse momento e lembra que só viu o pai chorar quando Cláudio morreu. E eles nunca brigavam, explica, ao contrário do que o filme mostra. Mesmo a saída de Leonardo da expedição, por ter tido uma filha com uma índia, foi pacífica, sem tapas, sem gritos. "O tio Leonardo tinha consciência de que o incidente poderia prejudicar a imagem dos irmãos."

Em relação à sua personagem no filme, interpretada por Maria Flor, Dona Marina acha que está "muito bonitinha". Ela revela que, no dia em que conheceu Maria Flor, pensou: "Essa menina parece comigo quando eu era jovem". (Dona Marina está com 74 anos.) A atriz, por sua vez, conta que, depois de uma tarde inteira conversando com a verdadeira Dona Marina, entendeu que o prazer dela é cuidar dos outros. Por isso quis ser enfermeira e aceitou ir ao Xingu para ajudar os índios. Dona Marina concorda. "É a minha vocação", diz.

DUAS CASAS

Com os índios, aprendeu a respeitar a natureza, as crianças (Dona Marina tem dois netos) e os velhos. Também perdeu o hábito de usar relógio e de prestar atenção no calendário. "Na cidade, estranho essa coisa de hora marcada." Para ela, o Xingu não é uma segunda casa, mas uma espécie de primeira casa número dois. "Ou é o contrário", se pergunta, "e São Paulo é que é minha primeira casa número dois?"

Afirma que os índios são sua verdadeira família e que só não vai mais ao parque porque a viagem é difícil- a última vez que esteve lá foi em 2003, para o Quarup (cerimônia fúnebre) de Orlando, morto no ano anterior.

Começa a escurecer e a essa altura já desisti das perguntas que preparei em casa para fazer a Dona Marina. São todas fúteis ou mundanas demais. Ouço-a falar por mais alguns minutos sobre sonhos realizados, vidas desperdiçadas e um pica-pau que há dias vem frequentando seu jardim. Talvez esteja em busca de larvas de insetos. Talvez ele queira apenas exibir seu cocar.

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