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Serafina

Super-heróis fantasiados vivem de gorjetas nas calçadas de Los Angeles

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No quarto andar de um prédio em Hollywood, dentro de um apartamento pequeno, quatro personagens dos quadrinhos e do cinema descansam depois do almoço.

Super-Homem, o locatário, devorou um sanduíche e sente falta de doce. Com os demais convidados –dois do bem e um do mal–, ele traga um cigarro e toma vodca com suco de laranja.

Mulher-Maravilha e Supergirl dividem um copo e a sala com Hannibal Lecter, o canibal incorporado por Anthony Hopkins em "O Silêncio dos Inocentes" (1991).

Todos a caráter e a duas quadras da Calçada da Fama, em Los Angeles, eles esperam o sol de 35°C baixar para voltar à labuta. "Só bebendo e fumando para sorrir o dia inteiro", brinca Jennifer Wenger, a morena de olhos azuis vestida de Mulher-Maravilha.

O anfitrião, muito elegante, pronuncia as palavras, sílaba por sílaba, com uma clareza que chega a ser performática. Dando um desconto, é sósia quase perfeito de Christopher Reeve (1952-2004), que viveu o herói no cinema quatro vezes, entre 1978 e 1987.

O genérico –mais magro e com músculos de enchimento– tem o mesmo primeiro nome do ator-galã: Christopher Lloyd Dennis.

BUGIGANGAS

Desde 1991, Christopher se veste como Super-Homem na Calçada da Fama e tira fotos com turistas em troca de trocados. Algumas crianças pedem autógrafos. Em geral, ele e os colegas ganham entre US$ 30 e US$ 50 (R$ 63 e R$ 101) em um dia ruim, mas uma tarde ensolarada pode render até US$ 300 (R$ 606).

Aos 45 anos, ele é movido por uma admiração compulsiva. Fez do apartamento em que vive com a mulher, Bonnie, um museu privado. As bugigangas temáticas tomam o teto, as paredes e até os armários da cozinha.

Colecionador doentio, tem preciosidades como a capa original usada pelo ator na primeira versão do filme, em 1978. Mas prefere vestir uma réplica, com a qual aparece num documentário de 2007.

O filme "Confissões de um Super-Herói", de Matthew Ogens, mostrou pela primeira vez a rotina das pessoas por trás das fantasias na calçada mais famosa do mundo, a Hollywood Boulevard, em Los Angeles.

Na época das filmagens, a Mulher-Maravilha Jennifer Wenger, 28, também usava capa como parte da fantasia. Mas o acessório escondia detalhes importantes do seu corpo e atrapalhava seu negócio. "Eles querem isso", afirma, batendo com a palma da mão na bunda musculosa.

Alguns marmanjos, porém, perdem a noção do perigo e abusam da heroína. Certo dia, conta ela, um skatista passou a mão nas partes que, antes, a capa escondia. Irritada, Jennifer acionou a "Liga da Justiça", que, de pronto, partiu em perseguição do sujeito. Até Shrek e Hannibal Lecter correram. Mas o skate foi mais rápido do que os artistas.

Flavio Scorsato
Jeniffer Wenger (foto), a Mulher-Maravilha, diz que só bebendo para sorrir o dia inteiro
Jeniffer Wenger (foto), a Mulher-Maravilha, diz que só bebendo e fumando para sorrir o dia inteiro

ILUSÕES PERDIDAS

Nenhum dos que ganham o pão na Hollywood Boulevard, naturalmente, sonhava em viver de trocados, abraçados a turistas nem sempre agradáveis e pouco respeitosos. Tanto Jennifer como Joseph Mc Queen, o Hulk, e Maxwell Allen, o Batman, mudaram-se para Los Angeles na esperança de entrar para a indústria milionária do cinema.

Conseguiram papéis secundários de figuração e em eventuais propagandas para a TV. Dos três, Jennifer é a que se saiu melhor. A modelo acabou de gravar um comercial para um fabricante de veículos japoneses e, no papel de Mulher-Maravilha, fatura US$ 200 (R$ 404) por duas horinhas de fotografias.

Também participou do longa "Attack of the 50 Foot Cheerleader" ("ataque da animadora de torcida de 15 metros", em tradução livre), com Sean Young e Treat Williams (lançado direto na TV ). "Isso vende", diz, apontando de novo para o bumbum.

Batman, contudo, foi para o lado escuro da força e, assim como outros colegas, está encrencado com a polícia. Maxwell Allen, 47, o ator que se vestia de homem-morcego, há anos vinha mostrando seu lado agressivo.

Durante uma consulta com o psiquiatra, filmada pela equipe do documentário, o ator revelou ter ataques de fúria e disse já ter cometido um assassinato, pelo qual não teria sido julgado. Na calçada, Maxwell abordava os turistas de forma intimidadora e tratava mal quem pagava pouco.

BIRITA

O mascarado de Gotham City saiu de cena após ser preso pelos verdadeiros homens da lei. Com Bob Esponja, Batman protagonizou um quiproquó com os turistas e deixou a Calçada da Fama no banco traseiro de um carro de polícia branco e preto. Herói morto, herói posto. Já há outro Batman em seu lugar.

Hulk, aparentemente o mais dócil do bando, viveu três anos como morador de rua antes de arranjar o bico de herói. Mulato, alto e franzino, Joseph Mc Queen, 36, penava no interior de uma fantasia verde de espuma, sob o calor de 40 graus.

Chegou à beira do desmaio em mais de uma ocasião. Ora de calor, ora de fome, ora de ambos. A exemplo do personagem, Hulk teve um ataque inesperado contra os turistas e fez aumentar a população carcerária hollywoodiana.

Homem-Aranha sempre gostou de birita e vivia caído na sarjeta quando, antes de ser detido, tomou uma dura de Christopher. "Isso não é atitude de profissional", lembrou o Super, uma espécie de chefe do sindicato dos imitadores de Hollywood Boulevard. Todos o conhecem e o respeitam, do manobrista ao maquiador.

Flavio Scorsato
Supergirl (esq.), Christopher Dennis como Super-Homem e Jeniffer Wenger vestida de Mulher-Maravilha (dir.) posam com turistas mexicanos
Supergirl (esq.), Super-Homem e Mulher-Maravilha (dir.) posam com turistas mexicanos em Los Angeles

Em agosto de 2010, a prefeitura e a polícia tentaram banir a "Liga da Justiça" hollywoodiana. Eles chegaram a ser retirados da Calçada da Fama, e alguns deles recorreram à Justiça, alegando que o prefeito atentava contra o princípio da liberdade de expressão.

Os juízes entenderam que, apesar de encrenqueiros, qualquer pessoa tem o direito de se fantasiar no espaço público. Dessa vez, pelo menos, venceram a polícia.

O Super-Homem do cinema e o da calçada têm muitas semelhanças, além da fisionomia, das roupas e poses. Ainda bebês, os dois foram despachados do universo familiar para mundos desconhecidos e cheios de conflito.

O super-herói veio do planeta Krypton, onde deixou pai e mãe. O fantasiado mal conheceu os pais e cresceu em um orfanato, onde acabou provando do pior. Cada qual sobreviveu à sua maneira.

FANTASIA

Christopher Dennis diz que é filho de uma atriz dos anos 1960, Sandy Dennis (1937-1992), que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1967 por "Quem tem Medo de Virgínia Wolf?". A família de Sandy Dennis nega que Christopher, nascido no ano em que ela ganhou o prêmio, seja filho da atriz. Mas ele não se importa em confundir verdade com fantasia.

Embora comprometido com Bonnie, ele ama secretamente a Mulher-Maravilha da Calçada da Fama. "Já me declarei para ela", confessa. "Mas nunca rolou nada entre nós." E, como nenhuma das duas lê em português, ele não se preocupou com as consequências de abrir seu coração.

E mais: pediu uma versão em inglês desta reportagem para mostrar a Jennifer e tentar convencê-la de seu amor verdadeiro.

Na luta pela mulher amada, Super-Homem tem uma arqui-inimiga em Michelle Prenez, a Supergirl. Namoradas, ela e Jennifer foram morar juntas, para a tristeza dele. Até marcaram casamento. Mas, como um verdadeiro super-herói, o homem de aço das calçadas jamais desistirá de alcançar a vitória.

Flavio Scorsato
Super-Homem de Los Angeles (foto), que sobrevive de gorjeta de turistas
Super-Homem de Los Angeles (foto), que sobrevive de gorjeta de turistas
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