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Serafina

'Caribe brasileiro' no coração da Amazônia tem povo amigável e praias de água doce

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Alter do Chão é o portal. O vilarejo pitoresco, suarento, sem pressa, com pouco mais de 5.000 habitantes, a 33 quilômetros de Santarém, no Pará, despeja os visitantes num enrosco de três rios: o Tapajós, o Arapiuns e o Amazonas.

O primeiro é verde-mar. O segundo, cor de Coca-Cola. E o terceiro, café com leite. Todos tão volumosos que dão a impressão de nunca acabar. Até um acabar no outro.

Foram três dias e três noites serpenteando águas num barco-gaiola, embarcação típica da Amazônia: uma casinha de madeira flutuante, com quartos, cozinha, sala e varanda com redes.

Navegar é a única maneira de desfrutar a região. E há duas alternativas: alugar um barco e torná-lo a sua pousada ou fazer de Alter do Chão a base, indo e voltando para lá diariamente.

O vilarejo não tem muitas opções. Dois hotéis confortáveis, mas sem estrelas: Belo Alter e Mirante da Ilha. E um restaurante com pratos elaborados: o Arco-Íris, na praça principal.

A melhor pedida é mesmo arrendar uma embarcação com cozinheira a bordo. E zarpar.

SEM MOSQUITO

Os dias nas redondezas de Alter descortinam uma paisagem tão deslumbrante que dispensa luxos: pontas de areia branca invadindo as águas muito mornas, igarapés de águas geladas, gaivotas pescadoras, botos saltitantes.

Os mergulhos nos rios são redentores, embora tenha que se prestar atenção nas arraias, que apavoram até os nativos. Mais seguros –e refrescantes– são os igarapés.

A grande bênção desse canto da floresta é não ter mosquitos. Segundo os locais, isso acontece por causa do nível de acidez das águas do Tapajós. Mas o motivo pouco importa.

De noite, depois de um jantar a bordo –um tambaqui, um pirarucu ou um tucunaré assado, regado ao molho de tucupi, iguaria feita de mandioca, acompanhado de farinha-d'água–, a imbatível opção é se estender na rede sob o céu inchado de estrelas e ouvir o matraquear da floresta.

Não foi à toa que essa parte da Amazônia ganhou o apelido de "Caribe brasileiro" e foi eleita pelo jornal inglês "The Guardian" a praia de água doce mais bonita do mundo.
Alter do Chão é um paraíso que começa a entrar no radar dos turistas mais aventureiros.

E não é apenas a natureza exuberante que carrega para lá cada vez mais gente. Estima-se que o número de visitantes tenha aumentado cerca de 80% nos últimos três anos. Alter entrou para o rol de um novo tipo de turismo, que surgiu na esteira do ecoturismo.

"A ideia é trazer renda para as comunidades ribeirinhas, para que não precisem mais explorar a floresta de modo predatório, e proporcionar ao turista uma outra experiência", explica Maria Teresa Junqueira, 35, da Turismo Consciente, a primeira agência brasileira especializada no turismo de base comunitária.

E ela, que capitaneou o Projeto Vaga-Lume, responsável pela instalação de mais de cem bibliotecas na região amazônica, garante: "Não existe nada melhor do que o contato real com as pessoas daqui".

Cassiana der Haroutiounian
A ponta do Cururu, em Alter do Chão, no Pará
A ponta do Cururu, em Alter do Chão, no Pará

No meio do caminho, numa beira de rio, no povoado de Jamaraquá, encravado na Floresta Nacional do Tapajós, encontramos duas pessoas de lá: Pedro da Gama Pantoja, 63, o seu Pedrinho, e dona Conceição, 59. Eles nasceram e se criaram por ali, são avós de 11 netos e estão aprendendo um novo ofício: hotelaria rústica.

"Com a criação da reserva, em 1974, nós ficamos sem meio de vida. Só podia agricultura de subsistência", conta seu Pedrinho. "Aí, chegou uma ONG e falou pra gente que a opção era se preparar para o turismo."

Seu Pedrinho e dona Conceição fizeram exatamente isso. Transformaram sua cozinha num restaurante e construíram uma grande cabana de dois andares no quintal, para abrigar os visitantes que topam dormir em redes.

PÓS LUXO

Três casais de alemães, dois casais de suíços, um casal de franceses, um casal do Rio de Janeiro e três garotos de Berlim dividem a maloca do seu Pedrinho, com teto de palha, sem paredes.

"Luxo nós temos em Genebra. Aqui, queremos simplicidade. Talvez um ventilador, mas só isso", diz a suíça Rebecca Dal Riou, 34, usando um vestido Balenciaga para comer peixe com farinha no almoço.

Enquanto limpa o tambaqui do jantar, dona Conceição conta que os turistas começaram a chegar em 2000, depois que os moradores dos vários povoados espalhados pela floresta e pelo baixo Tapajós haviam passado por treinamentos oferecidos pela ONG Saúde e Alegria, uma das primeiras a atuar na região, e pelo Ibama.

"Fizemos cursos de como receber, como transportar, como guiar pela floresta, como mostrar o artesanato, como transformar a nossa cultura em atrativo", ela diz.

Subindo e descendo rios, os rostos e mãos revelam uma riqueza cultural do tamanho da floresta: o preparo da farinha, a extração do óleo da andiroba e da copaíba, a extração do látex, a manipulação do couro vegetal e da borracha, o trabalho de marchetaria, a feitura do artesanato. Cada povoado, uma história.

Numa encosta do rio Arapiuns, no povoado de Urucureá, um grupo de 23 mulheres criou a TucumArt, cooperativa para produzir e vender o artesanato feito da palha de tucumã.

"Já chegamos a vender R$ 5.000 num mês. Toda semana vêm turistas. Melhorou muito. O dinheiro ajuda na alimentação, no remédio. Antes, a gente vendia o produto baratinho nas feiras de Santarém", diz Rosângela Castro, 44.

Sua colega de associação, Eunice de Oliveira, 36, completa: "Aprendi com a minha mãe que aprendeu com a minha avó. Minha filha de dez anos já tece a palha. Nossa realidade é diferente da de vocês. A gente vive com o rio, com a floresta, com os bichos. Vocês têm um saber, nós temos outro. A troca é boa para todo mundo, não?" Ô, se é.

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