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Serafina

Consciência limpa custa caro, mas dá uma paz; não é mesmo?

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Funciona assim: você fica com saudade dos tempos mais "simples", busca uma saída meditativa para o caos do mundo moderno, viaja para o universo das fábulas e dos mitos e termina explodindo de alegria.

Na semana passada, um grande portal de tendências apresentou em São Paulo os quatro megahits do inverno 2014. Cada um deles inspirado num passo da historinha para boi dormir descrita acima.

Batizadas com nomes como Sentiment e Rapture (mesmo para cá os nomes foram mantidos em inglês), as novas tendências para o ano que vem são tão tolas e absurdas que parecem apontar para um só ponto de fuga: a porta do hospício.

O mundo anda complicado, é verdade. E o desejo de desaparecer -deixando para trás os ovos de serpente, as tragédias, os playboys irresponsáveis, as vítimas eternas, a hipocrisia e a horda de zumbis comedores de cérebro das redes sociais- é mesmo tentador. Quem nunca?

Ilustração Romeu Silveira
Consciência limpa custa caro, mas dá uma paz, não é? Estamos no mundo do capitalismo versão pollyanna e seu "jogo do contente"
Consciência limpa custa caro, mas dá uma paz; estamos no mundo do capitalismo versão pollyanna e seu "jogo do contente"

Porém, vender a ideia de que isso possa ser feito juntando meia dúzia de imagens, estampas e tecidos insulta a inteligência. Mas não a de todos. E por quê?

Talvez porque muita gente prefira vestir a carapuça do faz de conta a arregaçar as mangas. Na verdade, pouca gente de fato pode vesti-la. A maioria se contenta em sonhar com o dia em que isso será possível. E, de novo, por quê?

Vejamos. Se alguém tem dinheiro para viver, neste mundo, uma fantasia completa de realeza (pode ser princesa-deprê, princesa-vampira ou a nova princesa-mística-otimista), afinal, por que não? Imagine "entrar em alfa" com o guru para depois se enrolar numa mantinha orgânica feita a mão enquanto lê sobre os ritos ancestrais dos tchucarramãe.

No domingão, postar uma foto de pés descalços na grama, com colorido vintage do Instagram, com os dizeres: "felicidade não tem preço".

EM DIA

Bem longe das mazelas do mundo, afinal, a contribuição para as ONGs está em dia, a empregada tem contrato, os filhos estudam em escola "libertária" e a petição online para os desvalidos da semana está assinada. Consciência limpa custa caro, mas dá uma paz, não é mesmo? É o capitalismo versão Pollyanna e seu "jogo do contente".

Da porta do carro à porta da loja. Carro ecológico, prédio arborizado, restaurante slow food, hotelzinho boutique (mas assim, "bem roots", despojado), design folk-sustentável. Tudo se materializa, se encaixa, exatamente como mostram os birôs de tendência e as revistas de "lifestyle". E tudo custa. Os "antigos valores", inclusive, estão saindo pela hora da morte.

Quem pode, paga e exibe. Discretamente, é claro, porque ostentar é feio. Quem não pode, mentaliza: a única coisa que me separa desse mundo mágico é...a falta de grana!

Os desejos de imagem mudam. Hoje queremos fugir do mundo digital e virar elfo da floresta; amanhã estaremos numa vibe Robocop. Hoje queremos gritar contra os fashionistas e o trabalho escravo; amanhã queremos uma bolsa artesanal-sustentável feita na África por mão-de-obra barata e vendida por grifes de luxo. Mas o meio é sempre o mesmo. O dinheiro, essa coisa cafona.

Nunca houve um seminário de moda que dissesse: a tendência é o dinheiro. Fotos de inspiração: tio Patinhas, caixa de banco, escolta armada de carro-forte. Dinheiro é sempre antitendência, apenas o meio "neutro" para alcançar a vontadezinha da estação.

Os sonhos de luxo do capital são vistosos na tela da moda e da publicidade. De perto, não são tão incríveis, mas garantem alto grau de status. Sim, porque quem olha de fora acha tudo lindo, de elfo-chic a zumbi VIP. Isso geralmente basta.

Ei, você, que participa dessa farsa feito plateia, babando, tentando "chegar lá" ao palco dos trendsetters.

Evacuar o teatro não é uma opção. Mas é possível dar as costas a essa pecinha viciada e começar a pensar maneiras de mudar os roteiristas em vez de remendar uma trama ruim e furada estação após estação. E chega de sustentar princesinha.

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