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Serafina

Barbeiro de Sevilha vira atração turística em sua cidade

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Gente diferente chega com propósitos diferentes à cidade de Sevilha, na Andaluzia, sul da Espanha. Há quem queira conhecer a maior catedral gótica do mundo, onde está enterrado Cristóvão Colombo, e que, um dia, já foi uma mesquita. Outros tantos vão atrás da brilhante Torre del Oro, dos espetáculos de flamenco ou do bairro boêmio de Triana. E há quem só queira fazer a barba.

O estranho desejo se deve à fama da ópera que leva o nome da cidade, "O Barbeiro de Sevilha", talvez o maior cartão-postal sevilhano para o mundo (Pica-Pau, Jerry Seinfeld e até o seu Madruga, do Chaves, já encenaram trechos da ópera).

Composta em 1816 por um italiano (Gioacchino Rossini) e baseada na peça de um francês (Pierre Beaumarchais), é difícil saber por que a trama se passa em Sevilha. Mas é lá que acontece a história de um barbeiro que tenta ajudar um amigo, o conde de Almaviva, a se casar com a jovem donzela Rosina. O barbeiro se chama Fígaro. Aquele mesmo, do "Fígaro, Fígaro, Fííígaro".

Fígaro cá, Fígaro lá, acontece que encontrar um barbeiro em Sevilha não é tarefa fácil. Talvez seja mais fácil achar um corcunda em Notre Dame, um Dom Quixote na Mancha ou uma Tieta no Agreste. Uma busca inicial leva à sensação de que a espécie está em extinção. "Onde encontro um barbeiro tradicional por aqui?", pergunto aos funcionários do hotel Alfonso XIII. "Tinha o Antonio, mas ele morreu", um me diz. "E o Luis?", indaga um colega. "Morreu." "O José?" "Agora, só faz penteado." "E aquele da praça?" "Morreu também."

Consigo a indicação de um salão no número 45 da rua Amor de Dios, onde um senhor me recebe e se apresenta: -Sou o barbeiro de Sevilha.

NAVALHA NA CARA

Manuel Melado, 72, me dá provas de que o título não é puro convencimento. Ele é listado como tal em guias da Alemanha e da Itália. E ganhou concursos internacionais, em categorias como "melhor penteado artístico masculino".

O Melado Peluqueros existe desde 1927 e foi criado por seu pai, o primeiro da linhagem de barbeiros que soma três gerações. Manuel pegou na navalha pela primeira vez aos 11 anos. Hoje, seu filho Antonio, 45, divide o salão com ele. Fala inglês e francês e traduz os pedidos da clientela de fora. Dos cinco filhos do seu Melado, os três homens são barbeiros/cabeleireiros. "As mulheres, não."

Ele conta que houve um tempo em que barbeiros eram uma espécie de faz-tudo: eram conselheiros de reis, faziam extração de sangue e até arrancavam dentes. Agora, é tudo diferente. "Os novos barbeiros só usam máquina. Não pegam nem tesoura. Eu só utilizo pincel e navalha. Não cedi às novas tecnologias."

A crise financeira que deu um olé na economia espanhola também afetou o setor de barba-cabelo-bigode. "Quem fazia a barba a cada 20 dias agora só faz a cada dois meses", diz seu Melado, que cobra 14 euros pelo serviço. "Muitos barbeiros amigos meus tiveram que fechar. Por sorte, temos uma clientela fiel." Tem gente que oferece a face à navalha e ao pincel do Melado há 50 anos.

Mas ele não se contenta com o posto de "o" barbeiro de Sevilha. Talvez com medo da extinção de seu ofício, decidiu se dedicar a outros. Vários. Foi classificado por um jornal, colado como outros tantos nas paredes do salão, como "o barbeiro poliédrico".

Manuel é escritor e possui vasta literatura –à venda lá na barbearia. Destacam-se a prosa erótica (como em "Amor en Casa", sobre um filho que sente atração pela mãe), os ensaios anedóticos sobre personalidades sevilhanas e a poesia. Ópera, nunca escreveu. Mas letras de música foram mais de 300.

E ainda ocupou por 17 anos o cargo de locutor do Betis, um dos grandes do futebol local. Quando o time entrava em campo, era a voz do seu Melado que ecoava pelo estádio Benito Villamarín. "Sou uma espécie de souvenir da cidade", diz.

O turista que vem visitá-lo, além de barba e foto pra posteridade, pode ganhar dicas exclusivas. Além de um programa clássico por Sevilha, que inclui visitas ao Real Alcazar (palácio de influência moura que serviu de cenário para filmes como "Lawrence da Arábia" e "Reds"), à Giralda (campanário da catedral, que, com 97,5 m, já foi um dia a torre mais alta do mundo) e à plaza de la Maestranza (arena de touros mais antiga da Espanha), ele sugere também tomar "unas copas" nos bares da alameda Hércules (novo foco da comilança e da farra noturna na cidade) e comer em restaurantes como o Mesón Don Raimundo e o Cuna 2, especializados em tapas e comidas da região.

Espetáculos de flamenco ele não recomenda: "Os melhores estão em Madri. Os daqui são muito turísticos!.

Seu Melado interrompe o discurso para observar meu bloquinho de anotações. Estou há mais de uma hora distraindo o barbeiro de suas barbas, navalhas e pincéis. E ele decide que é chegada a hora de cortar –barbas e a conversa. "E, então, senhorita? Como é? Vai escrever o Quixote inteiro?"

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