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Serafina

Povoado uruguaio abriga a produção de caviar mais antiga da América do Sul

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A 13 mil quilômetros de Moscou, berço histórico de um alimento tão caro quanto antigo –as primeiras menções ao caviar datam do século 12–, fica a maior produção sul-americana da iguaria da gastronomia mundial.

Em Baygorria, a 266 km de Montevidéu, no interior do Uruguai, um vilarejo de ruas estreitas e população de 160 habitantes, vivem aproximadamente 300 esturjões adultos, cujos ancestrais foram trazidos da Rússia em um projeto iniciado há duas décadas. É de lá que sai a maior produção de caviar da América Latina.

A história teve início apenas um ano depois da dissolução da União Soviética (1922-1991). "Quando meu pai começou esse projeto, as pessoas diziam que ele era louco", lembra Román Alcalde, 42, presidente da companhia Black River.

Hoje, esses peixes de mais de 200 milhões de anos estão aclimatados a águas que chegam a 27ºC no verão, bem diferente de seu gélido habitat natural. E fornecem sete toneladas anuais das bolotinhas brilhantes que frequentam a mesa de consumidores exigentes pelo mundo. O caviar uruguaio chega a restaurantes e a lojas especializadas do Brasil, da França, da China, dos EUA, do Japão –e da Rússia.

Mas nem sempre foi assim. Nos anos 1980, o pai de Román, Walter Alcalde (que morreu em 2003), um empresário do ramo de transportes marítimos, descobriu um estudo feito na então União Soviética que dizia que o Uruguai era o melhor lugar do mundo, abaixo da linha do Equador, para a criação dos esturjões, por questões climáticas e geográficas.

E ele resolveu trazer os peixes russos para criar e para se reproduzirem em seu país. A saga que se seguiu consumiu dez anos e o esforço coletivo da família inteira. Foram sete anos de pesquisa, em busca do melhor lugar para a criação dos peixes, e mais três de muitas prospecções. Em 1992, com a ajuda de técnicos russos da cidade de Astrakhan, nasceu a empresa Black River, ou ERN, sigla para Esturiones del Rio Negro, nome "local" da companhia.

Hoje, a empresa é administrada pelos quatro filhos do criador: Pablo, 43, Román, 42, e os gêmeos Javier e Hugo, 40. E ainda mantém funcionários russos, que participam de etapas decisivas do processo, como a avaliação das ovas de cada esturjão antes do seu abate para a extração do caviar. A avaliação é feita com as fêmeas vivas, sedadas. Uma agulha fina é inserida na barriga delas para extração de algumas ovas.

O caviar são as ovas não fertilizadas das fêmeas do esturjão, um dos peixes mais antigos do planeta. No século 14 (antes mesmo da formação do Império Russo), um decreto de Eduardo 2º (rei da Inglaterra entre 1307 e 1327) transformava a espécie em "peixe real", o que significava que todo exemplar pescado devia ser primeiramente oferecido ao monarca vigente.

O esturjão pode chegar a cinco metros de comprimento e concentra, no ventre de suas fêmeas virgens, um dos produtos mais valorizados do mundo. Uma lata de 50 g do caviar uruguaio, por exemplo, é vendida por cerca de R$ 450 no Brasil.

OVOS DE OURO

Na fazenda, são cultivados esturjões que produzem os caviares dos tipos ossetra, siberiano e, mais recentemente, os mais valorizados sevruga e beluga, o mais caro de todos. O preço do caviar sempre será alto. É a lei do mercado: tem mais demanda que oferta. E seguirá assim, já que na natureza os esturjões estão em extinção e que a produção manual do caviar é pequena e complexa, pois mistura técnicas artesanais com alta tecnologia.

"É o processo produtivo mais longo da aquicultura", diz Daniel Conijeski, gerente de produção da fazenda. Cada peixe tem um chip instalado em sua pele, para informar aos produtores seu peso e idade. Na época do abate, nos meses de junho, julho e agosto, a rotina de pesagem, transferência de peixes para os diversos tanques, colheita de amostras das ovas e separação final acontece duas vezes por semana. "Esse é um negócio de risco permanente. Seria muito fácil se fosse possível controlar o tempo de excelência de um peixe apenas por conta da sua idade", diz Román.

Assim como a identidade de boa parte dos seus compradores fiéis é mantida em segredo –"É comum nossos consumidores pedirem para gravar seus nomes nas latas de caviar que compram", conta Román–, o local exato da criação dos esturjões não tem sinalização fácil.

A "fazenda de piscicultura" é marcada apenas por uma pequena placa branca, afixada em uma porteira de madeira, em uma estrada estreita de cascalho. Lá, os peixes ficam espalhados em 81 tanques, dentro da empresa e perto das margens da represa de Baygorria, de propriedade da companhia de energia elétrica do Uruguai.

A estatal arrendou parte de seu território e de suas águas à Black River, que emprega cerca de 50 funcionários, a maioria deles moradores da pequena vila.

É mais fácil achar o caminho observando as dezenas de gaivotas que sobrevoam os tanques dos peixes. Especialmente às nove e meia da manhã e ao fim da tarde, quando eles são alimentados com farinha de peixe produzida no local. As águas possuem vigilância 24 horas por dia, não tanto pela farinha consumida pelas aves, mas por causa do risco de roubo dos peixes.

"Aqui, o peixe é um investimento de longo prazo, resultado de uma equação que envolve técnicas de reprodução artificial com ovas fertilizadas locais e também provenientes da Rússia e da Alemanha", explica o presidente da companhia.

Além de ser consumido pelos próprios russos, o caviar da Black River também tem certificações de qualidade ambiental, por conta do método indolor de abate –os esturjões são sedados antes– e por apresentarem uma produção considerada sustentável.

Decoradas com as cores do Uruguai, azul, branco e amarelo, as latas carregam um bem produzido de acordo com as diretrizes da WWF (World Wide Fund for Nature) e as normas da Cites - Convenção Internacional do Comércio da Fauna e da Flora em Perigo de Extinção.

Depois da "cirurgia" para extração do ovário, que será lavado para que o caviar seja isolado, os esturjões são vendidos para peixarias. De um peixe de cerca de 20 kg, é extraído, em média, 1,7 kg de caviar. Sem dor, sem ostentação. E sem perder o glamour.

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