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Serafina

Vídeo surgiu no Brasil sonhando com cinema, mas acabou migrando para celulares

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Sabe o que o vídeo que você acabou de ver ou postar na internet tem a ver com um homem vestindo saiote e meia-calça em cores vivas?

Tudo.

Trata-se da performance em que o artista Flávio de Carvalho (1899-1973) apresentou ao vivo, em 1956, num programa de TV, sua "indumentária do futuro" (blusa de mangas largas e saia plissada que ventilavam o corpo masculino) e que pesquisadores consideram como gênese do uso criativo do vídeo no Brasil.

Festival debate a trajetória do vídeo no Brasil
Para videoartistas, arte imita vídeo e vídeo imita arte
Zé Celso Martinez antecipava a Mídia Ninja nos anos 1980
Fernando Meirelles e Tadeu Jungle eram a dupla dinâmica do vídeo no Brasil

Este marco zero não é, no entanto, consensual. Há quem aponte a videoinstalação "Penetrável PN3 - Imagético", feita em 1967 por Hélio Oiticica (1937-1980): um labirinto escuro que culminava num aparelho de TV mal sintonizado. Ou ainda o vídeo "M 3X3", de 1973, que registra uma coreografia mecânica de Analívia Cordeiro, 58.

Vetor de boa parte da história que aí se inicia foi o festival promovido pela Fototica para difundir essa tecnologia eletrônica. Criado em 1983, o Videobrasil completa 30 anos e sua trajetória se confunde com o percurso do audiovisual no país: da sala escura do cinema para o cubo branco da galeria e daí para computadores e gadgets, numa linguagem hoje tão acessível quanto os celulares que se carregam no bolso.

"Em 30 anos, o festival capitalizou uma produção que estava dispersa, e o vídeo passou de meio de expressão marginalizado para mídia preferencial", diz Solange Farkas, 57, idealizadora e diretora do Videobrasil.

MADE IN BRASIL

Se a origem do vídeo por aqui é controversa, o segundo capítulo dessa história tem marcação certa: em 1974, Walter Zanini (1925-2013), diretor do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-USP), reuniu artistas numa representação brasileira para a exposição internacional "Video Art", do Instituto de Arte Contemporânea da Filadélfia, nos Estados Unidos.

A carioca Anna Bella Geiger, 80, teve seus trabalhos expostos na mostra, ao lado de cânones da arte eletrônica como Nam June Paik (1932-2006) e Bill Viola, 62. "A videoarte era tão desconhecida dos próprios norte-americanos que a mostra teve um impacto enorme", diz.

Se nos EUA o vídeo era tamanha novidade, no Brasil essa relação "era de chorar", diz Anna Bella. "Éramos alvo dos críticos de arte", ri a pioneira. "Tentava-se ideologizar o vídeo e quem fazia audiovisual no país."

"Toda novidade sofre rejeição", diz Solange. "No Brasil, a relação com o cinema era complicada. Com as artes, nem existia. E a TV rejeitava o vídeo porque não tinha estratégia política para ele."

A agilidade da nova tecnologia era seu maior trunfo. Ao contrário da película das filmadoras ou das câmeras fotográficas, o vídeo era instantâneo e suas fitas, reutilizáveis.

Em tempos de regime militar, no entanto, a venda de câmeras de vídeo era restrita às emissoras de TV e às empresas que produziam filmes institucionais para o treinamento de funcionários.

"Era uma medida típica de um regime que queria controlar a informação", lembra o cineasta Fernando Meirelles, 57, que viu uma câmera de vídeo pela primeira vez numa festa na casa do artista plástico Ivald Granato, 63.

"Fiquei fascinado. Ele filmava e já mostrava as imagens na TV", lembra. "O jeito que eu e meus colegas encontramos foi contrabandear um equipamento profissional."

Fernando viajou ao Japão e trouxe duas câmeras: uma para criar a produtora Olhar Eletrônico, outra encomendada pelo diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, 76.

"Logo que voltei do exílio, encomendei a câmera ao Meirelles e passei a registrar todas as nossas investidas políticas. A gente invadia lugares, entrevistava autoridades, filmava tudo", conta Zé Celso.

Igualmente anárquicas eram as intervenções do cineasta Glauber Rocha (1939-1981), no programa "Abertura", da TV Tupi, em 1978.

O pai do cinema novo transitou sem medo do cinema para o vídeo e rompeu com o padrão contido da época. Gritava para as câmeras e falava de política, numa nova linguagem que encantou aquela geração.

"Eu tinha clareza de que era a televisão que dava unidade ao Brasil, que conectava as pessoas, e tinha fissura por essa comunicação de massa", conta Tadeu Jungle, 57, que fundou a produtora TVDO em 1979.

VARELA E A POLÍTICA

Outro grupo que ambicionava se infiltrar no circuito de TV fundou a Olhar Eletrônico e estreou na Rede Gazeta, na esteira da primeira edição do Videobrasil, de 1983, quando faturou boa parte dos prêmios. Ali, mais tarde, surgiria o repórter Ernesto Varela, personagem de Marcelo Tas, 53, que fazia perguntas cortantes e diretas a seus entrevistados. Fernando operava a câmera do repórter.

"Havia uma preocupação com o Brasil, que saía da ditadura, e uma reflexão sobre a sociedade e o modo como ela estava dividida", avalia Arlindo Machado, 74, professor da PUC-SP e da USP, especialista em linguagem das novas mídias.

A essa altura, havia uma febre do vídeo no país. Calcula-se que, no início da década de 1980, cerca de mil câmeras amadoras foram escamoteadas para dentro das fronteiras do Brasil.

"Essa democratização da produção audiovisual fez com que discursos impossíveis se tornassem verdade", diz o cineasta cearense Karim Aïnouz, 47. "Como era uma mídia barata, eu fazia experimentos que o cinema não permitia porque era caro demais."

A proliferação das câmeras encontrou uma demanda embalada pelo novo rock brasileiro dos anos 1980. Surgiu uma geração de produtores de videoclipes que não tinham espaço para exibi-los.

A chegada da MTV no Brasil, em 1990, deu vazão a essa produção. Ironicamente, o clipe que abriu a programação do canal tinha direção gringa: a versão de Marina Lima para "Garota de Ipanema", dirigida pelo britânico Jon Klein.

PÓS-TUDO

Obras de videoartistas brasileiros, como Sandra Kogut e Eder Santos, foram descobertas nos circuitos internacionais justamente quando o Videobrasil se abriu para a produção do exterior.

"O grande desafio do vídeo brasileiro era a relação com a arte contemporânea. Já havia indícios no exterior de que essa era sua maior potencialidade", afirma a diretora do festival.

Curadores e galeristas daqui olharam para o vídeo seriamente porque o mercado internacional apontava para isso.

O artista Cao Guimarães, 48, abraçou o vídeo quando se mudou para Londres, no final dos anos 1990. "Sonhava em fazer cinema, mas lá vi que o vídeo era um suporte comum." Desde então, navegou entre cinema e artes plásticas. "O vídeo não se sustenta como uma arte à parte. Ele é ferramenta, pincel, e permite ao artista esculpir o tempo e trabalhar o audiovisual no espaço."

Hoje, seja em projeções, telinhas ou telonas, a imagem digital predomina em megaexposições como a Documenta de Kassel ou a Bienal de Veneza.

A internet e as câmeras de celulares deram origem ao fenômeno dos vlogs (os blogs em vídeo), às enciclopédias audiovisuais que se tornaram YouTube ou Vimeo e a modos de transmissão ao vivo como o usado pela Mídia Ninja.

"Todo mundo agora é uma televisão", brinca Fernando Meirelles.

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