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Serafina

Paulistano que vive como lama budista na Itália dá conselhos pelo Twitter

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Aos cinco anos, você descobre que é uma versão brasileira do Dalai Lama. Sete anos depois, decide abrir mão de Nintendo e beijo na boca. Deixa o aconchego da casa no Alto de Pinheiros, região nobre paulistana, para viver entre 4.000 monges no "interior do interior" da Índia. Como lidar?

Michel encheu a cara. Foi seu primeiro e último porre, aos 12 anos. Juntou os amigos da escola e, com a mãe fora do país, deu uma festa de despedida tão memorável que no dia seguinte ninguém lembrava direito o que aconteceu.  

Gabriel Cabral
Michel Lenz Cesar Calmanowitz, o buda paulistano
Michel Lenz Cesar Calmanowitz, o buda paulistano

"Fiquei bêbado. Pinga, cerveja, vinho do porto... Fui parar no hospital, quase em coma alcoólico."

A ideia fluía pela mente como glicose na veia: viraria budista. E não qualquer um.

Michel Lenz Cesar Calmanowitz, filho de um engenheiro judeu e uma psicóloga presbiteriana, foi reconhecido como um lama, a reencarnação de um guru indiano. O menino jantava num restaurante japonês no aniversário da mãe quando a verdade nua e crua lhe foi servida por um dos convidados da festa. Era um visitante do Tibete, trazido por um casal de amigos.

- Ei, garoto, você foi grande mestre budista em vidas passadas, sabia?

De certa forma, sabia, sim.

"Quando eu tinha três anos, meu dentista morreu num acidente. Comecei a chorar. Estava preocupado porque queria saber onde ele estava, não porque não iria mais vê-lo. Desde pequeno, acreditava na reencarnação. Esse conceito sempre foi natural para mim."

Como também foi natural ouvir a revelação do visitante, o lama Gangchen Rinpoche, que atrairia toda a família do menino para o budismo e, mais tarde, se tornaria seu tutor.

Já rapazinho, Michel fez a cabeça, raspou a cabeleira e foi morar num monastério indiano, "onde tudo em volta era plantação de milho", comendo dia sim, outro também, arroz com ervilha. Virou Michel Rinpoche, safra 1981 de um guru nascido no seculo 15.

Corta para hoje: Michel tem 32 anos e está de passagem pelo Brasil -mora na Itália e divide teto com seu mestre, numa vida dedicada a estudar e aconselhar seguidores. Senta de pernas cruzadas na cama de um quarto do Centro de Dharma da Paz. No rosto, o mesmo sorriso plácido daquelas estátuas do Buda gordinho.

O templo fica em Perdizes, zona oeste de São Paulo, e oferece aulas como "autocura tântrica" (não é nada disso que você está pensando: ensina-se meditação individual que envolve "ohm" e outros mantras, para desenvolver "nossa mente de paz").

Seu pai coordena o espaço. Daniel, que se converteu monge há três anos, usa as mesmas roupas do filho: uma túnica vinho enrolada sobre o corpo, com uma faixa amarela transpassada no peito. É a vestimenta por excelência da linhagem tibetana que eles seguem.

Pergunto a Michel se hoje a religião pode ter virado uma espécie de sushi com cream cheese, receita tão distante da original que testa a paciência de qualquer budista "old school". Ele ri.

Digamos assim: tudo bem se a pessoa trabalha no mercado financeiro, fica duas horas parada no trânsito com sua Land Rover e encontra um tempinho na agenda para frequentar o templo.

"Budismo é para qualquer pessoa, sem distinção. Faz parte, desde a época de Buda, adaptar-se a tempos e locais sem perder sua essência. Aí você tem as pessoas que são mais quadradas e aquelas que são mais redondas."

Ele próprio se define como um "um retângulo com ângulos arredondados".

Segue princípios monásticos milenares, como "não matar, roubar ou mentir, não tomar substâncias que tirem a clareza da mente, como álcool e drogas, e nem ter relações sexuais".

@lamamichel

Ao mesmo tempo, finca os pés no século 21: sabe quem é Lady Gaga, diz-se "extremamente tecnológico" e libera no perfil @lamamichel do Twitter pérolas como "não se engane achando que você está se enganando" ou "não adianta aplicar a solução onde não se encontra o problema".

Mas tem lá suas ressalvas às redes sociais. "Não vou falar para as pessoas o que estou comendo, onde fui. Que diferença vai fazer?", diz, rindo, o homem que "nasceu velho", como definem os amigos.

Ele conta uma historinha que tirou do YouTube, de uma palestra ministrada por um guru indiano.

Alexandre, o Grande, estava no norte da Índia e esbarrou com um meditador, o Sábio Homem Nu. Quis saber:

- O que você tá fazendo?

- Estou contemplando o nada.
Alexandre gargalha.

- Que coisa mais inútil, que perda de tempo!

Agora é a vez de o meditador perguntar:

- E você, o que está fazendo?

- Estou conquistando o mundo!

O Sábio Homem Nu ri.

- Que coisa mais inútil, querer conquistar o mundo!

Michel, o lama brasileiro, abre um sorriso. O que é? "Nada, não."

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