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Serafina

Ruy Castro relembra histórias do clássico Hotel Glória

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A fachada está lá, restaurada à glória -sem trocadilho- de suas curvas originais. A tela transparente indica que o prédio se encontra em obras. Mas, por trás da tela e da fachada, há cinco anos não existe mais nada -apenas o vazio de uma obra que começou, completou o trabalho de demolição e foi interrompida. O Hotel Glória é, neste momento, uma casca, circundando um grande vão livre. Por este, circulam os fantasmas de todos que o conheceram, frequentaram ou nele se hospedaram, desde a sua inauguração, em 1922, e nunca deixaram de se emocionar com seu conforto, elegância e luxo.

Eu me lembro bem. Primeiro, como seu vizinho na rua do Russel -ele, no número 632; meus pais, num apartamento do modesto 450, a apenas quatro prédios de distância. Garoto, nos anos 60, passei milhares de vezes por sua porta e, em muitas delas, espiei para dentro tentando vislumbrar um pouco do que imaginava ser um cenário de filme. Mas os porteiros fardados diante da fachada me obstruíam a visão.

À noite, dava para perceber as luzes da recepção. No Carnaval de 1966, acompanhei da calçada o entra e sai do Baile dos Artistas, um acontecimento oficial da cidade -na verdade, só queria ver Odette Lara, mas ela não foi.

Em todos os anos 80, no entanto, morando em São Paulo, vim muitas vezes ao Rio a trabalho e, sempre que pude, me hospedei no Glória. E é dessas ocasiões que me lembro bem -porque, para onde você se virasse, o hotel imprimia sua sofisticação.

Essas lembranças passam pelos arcos de pedra que levavam de um aposento a outro -o Salão Rugendas, o Restaurante Colonial, o Bar Chalaça-, os portões de ferro e corrimões de latão, o azul royal e o vermelho dos estofamentos de veludo, os azulejos lusitanos, cerâmicas chinesas e cristais tchecos. A luminosidade dos quartos, pela alvura dos móveis e paredes, e pela baía de Guanabara, que só faltava entrar pelas janelas. E a madeira que parecia viva, pelo odor que desprendia. Eram ecos do Brasil Império, reforçado pelas gravuras de Debret, Rugendas e Chamberlain por toda parte, num hotel tão habituado a receber presidentes da República.

É desnecessário citar as estrelas da política, do cinema, do piano, da dança e da sociedade que, em mais de 80 anos -de Einstein a Zico-, dormiram em seus 589 quartos e 21 suítes. Basta dizer que, nesse quesito, o Glória só perdia para o Copacabana Palace, inaugurado um ano depois (1923). Os dois, aliás, tiveram o mesmo arquiteto: o francês Joseph Gire. E o mesmo destino: um dia, em 1965, o Glória foi separado do mar, que quase lhe batia às portas, pelo aterro do Flamengo. Sete anos depois, outro aterro fez o mesmo com o Copa. Pior para o mar.

Um negócio de milhões obrigou o Glória a mudar de mãos em 2009, e tornar-se o eixo de um megaprojeto que envolveria a Marina da Glória, o parque do Flamengo e a parte mais charmosa do centro do Rio. O dinheiro que tornaria possível esse sonho não existia, mas, quando se descobriu isto, o Glória já tinha sido estripado. Que fim levaram suas paredes, seu recheio, suas lendas?

Tudo indicava que ele iria de vez ao chão. Mas, na 25ª hora, acaba de ser vendido para um grupo suíço -que promete devolvê-lo ao Rio em dois anos. Os cariocas, que sempre amaram o Glória, torcem por isto.

Do velho Glória sairá um novo Glória.

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