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Serafina

No sul da África, Botsuana tem belas paisagens e mulheres fortes

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Demorou seis anos e quase chegou tarde demais. Mas as irmãs Bakhani, 83, Edith, 80, Jane, 77, e Mercy, 68, finalmente conseguiram comemorar a decisão histórica de um juiz de Gaborone, a capital de Botsuana, no sul da África.

Contrariando a lei tradicional, o magistrado determinou que as quatro poderiam herdar a casa onde passaram a vida, depois da morte do pai. Segundo os costumes tribais de Botsuana, apenas os homens podem receber propriedades por herança, e um primo distante das quatro irmãs queria arrancá-las de lá de qualquer jeito.

No país onde nasceram e passaram a vida, o direito consuetudinário (baseado nas tradições) está previsto na Constituição e convive com a Justiça comum. Na maioria das vezes, o que vale é a força dos costumes ancestrais.

"Botsuana está se transformando. Ainda existem casamentos arranjados, dominação da mulher pelo homem, mas, diferentemente de outros lugares na África, vejo as mulheres de lá conseguindo seu espaço de forma cordial, não combativa, e respeitando a tradição", diz o escritor escocês Alexander McCall Smith, 66.

Nascido no Zimbábue e tendo dado aulas de direito na Universidade de Botsuana, o autor se transformou em ídolo das mulheres locais com sua série de livros policiais "The No. 1 Ladies' Detective Agency" ("A Agência de Detetives Mulheres No 1", em tradução livre, o título não foi lançado no Brasil).

A heroína da série fictícia, Precious Ramotswe, recebe uma herança do pai na primeira aventura, quando ainda tem 22 anos. Em vez de
fazer um investimento em algum negócio mais rentável, como era o desejo dele no leito de morte, resolve abrir uma agência de detetives, na qual atua apenas com a ajuda de uma espirituosa secretária, Grace Makutsi.

Separada do marido e contestadora do papel tradicional da mulher na família, Precious passa a investigar casos corriqueiros de intrigas familiares e crimes misteriosos. Assim, por meio de suas aventuras e questões pessoais, revela-se a microfísica da sociedade de um país em transformação.

"Eu não sei como ele conseguiu, mas sinto que esse autor entrou na nossa cabeça e registrou o que se passa lá dentro. Todas as minhas amigas leem, a maioria concorda com o modo como Precious vê o nosso país e queria ter coragem de buscar seu próprio caminho, como ela", diz Oafe Ramhitshana, 43, que trabalha numa livraria, em Gaborone.

O autor acaba de chegar ao 15º livro da série (o primeiro é de 1998) que também virou seriado da HBO em 2008 (com a cantora norte-americana Jill Scott no papel de Precious e dirigida no primeiro episódio por Anthony Minghella, de "O Paciente Inglês", que morreu logo depois).

"O turismo em Botsuana vem crescendo muito porque as pessoas associam o país a um lugar seguro e com uma linda vida animal. Além disso, está sendo construído pela TV, pelo cinema e pela literatura um imaginário sobre o país que faz com que mais gente queira visitá-lo", afirma Alexander.

Antes da série da detetive, o país foi cenário de um hit dos anos 1980, o filme "Os Deuses Devem Estar Loucos". De lá para cá, a indústria do turismo, apoiada nas visitas aos parques naturais e às excursões com safáris, aumentou de 3% para 12% do PIB.

Localizada no sul da África, tendo fronteiras com a Namíbia, o Zimbábue, a Zâmbia e a África do Sul, Botsuana é o país de economia mais estável da África. As línguas oficiais são o inglês e o setsuana. Com apenas 2 milhões de habitantes, tem um território quase do tamanho da França.

Porém, a maior parte dele é ocupada pelo deserto do Kalahari, cortado pelo Delta do Okavango. Ali vivem girafas, zebras, elefantes, rinocerontes, hipopótamos e outros. Uma de suas principais riquezas são as minas de diamante no norte do país.

Com uma história peculiar de paz numa região de países que enfrentaram muitos conflitos, Botsuana é refúgio de exilados da região.

"Há um respeito muito grande à lei e mesmo às instituições trazidas pelos europeus. Por nunca ter sido uma colônia, Botsuana não alimentou nenhum conflito com a Inglaterra. O sentimento anti-imperialista, tão forte em outros países, não existe lá", diz Alexander.

Botsuana foi um protetorado do Império Britânico, o que significa que não se tratou de uma colônia. Os britânicos cuidaram da proteção das fronteiras, da diplomacia e da defesa, mas os habitantes do país africano governaram com autonomia e mantiveram suas instituições até a independência, nos anos 1960.

AS GAROTAS DO SAFÁRI

O crescimento do turismo e da participação da mulher na sociedade fizeram com que muitos hotéis do país valorizassem suas equipes femininas.

O Chobe Game Lodge, visitado por Serafina, é um deles. Desde 2005, o estabelecimento passou a selecionar mulheres para trabalharem como guias nos safáris e passeios de barco. São as chamadas Chobe Angels, time hoje composto por 14 moças na casa dos 20/30 anos.

É o caso de Chibo Kgoleng, 28, especialista em encontrar trilhas de elefantes no parque. "As pessoas dizem que a memória do elefante é muito boa, faz parte da tradição popular, e é mesmo. Seguindo seus passos todos os dias, nota-se que se lembram muito bem dos caminhos, ainda que a paisagem mude por causa do clima", diz, enquanto dirige o jipe cheio de turistas.

Apesar dos avanços econômicos e da explosão da indústria turística, Botsuana lida com problemas estruturais profundos, relacionados à desigualdade social e à pobreza. Cerca de 23,4% da população está infectada pelo vírus HIV. Por outro lado, é considerado referência nos hospitais públicos africanos para atender a essa grande população.

McCall Smith, acusado por críticos de fazer um retrato demasiado positivo do país africano em seus livros, diz que falar bem ajuda a esclarecer, melhorar a autoestima dos habitantes e enfrentar os problemas locais com mais facilidade.

"Há tanta gente escrevendo coisas negativas sobre a África, que me sinto na obrigação de iluminar as coisas boas, para combater o estigma e mostrar o país de modo mais amplo e complexo", diz o autor. "Minha heroína tem essa função, assim como têm as médicas e enfermeiras dos hospitais ou as professoras que educam as crianças."

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