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Serafina

Boxeador Esquiva Falcão desistiu da Olimpíada para tentar carreira profissional em Las Vegas

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"Hoje eu sou um produto. Não sou mais Esquiva Falcão." Aos 25 anos, o boxeador que chegou mais longe numa Olimpíada representando o Brasil se define assim, sem pestanejar.

Esquiva também não tem problemas para decidir se casa ou se compra uma bicicleta: decidiu fazer os dois em 2015. Pela magrela, pagou US$ 100 um mês atrás num mercado de Las Vegas, para onde sua noiva e seu filho de um ano devem migrar nos próximos meses para se juntar a ele, que chegou há 13 meses nos Estados Unidos.

Na Olimpíada de 2012, em Londres, Esquiva e seu irmão e também lutador Yamaguchi, 27, romperam o jejum de pódios que o boxe do país amargava há 44 anos na competição. Yamaguchi ganhou o bronze na categoria médio-pesado. E Esquiva foi medalha de prata na categoria peso-médio, a melhor colocação já conquistada por um brasileiro.

Mas nenhum dos dois deve estar nos jogos do Rio em 2016. Tanto Yamaguchi quanto Esquiva abdicaram de competir na primeira olimpíada brasileira para entrar no circuito de lutas comerciais (quem "se profissionaliza", no jargão da categoria, não pode voltar aos jogos). "Não foi uma decisão difícil", diz Esquiva, depois de treinar por uma hora e meia numa academia em Las Vegas. "A Olimpíada não me deu nada, só a medalha. Não me deu casa, não me deu carro." Já o esporte lutado em cassinos, em frente a câmeras de TV, rendeu muito mais. "Voltei da minha primeira luta profissional com o dinheiro para comprar minha casa." Desde então, foram seis lutas e seis vitórias -quatro delas por nocaute.

Agora, planeja ser o número um no boxe profissional -também chamado de "prizefighting", ou "luta por prêmio", em inglês. Seu próximo combate acontece no dia 28/2, na Flórida, contra o americano Mike Tufariello.

Marcelo Gomes
Esquiva Falcão
Esquiva Falcão

O mentor da ideia de criar a fábrica Esquiva foi Sérgio Batarelli, 54, um ex-lutador, comentarista de luta na TV e inventor do International Vale Tudo Championship, troca de pancadaria que chegou a ser campeã de audiência na TV brasileira na década de 1990. Sérgio encontrou Esquiva no Azerbaijão, no fim de 2013, disputando um mundial, e o convenceu a ir para Las Vegas conversar sobre uma mudança de rumo no esporte.

Ao chegar aos EUA, Falcão conta ter descoberto que poderia "ganhar mais do que esperava" e assinou com a Top Rank, empresa americana que tem no currículo o gerenciamento da carreira de ícones como Muhammad Ali.

Yamaguchi, que já tinha optado pela profissionalização alguns meses antes, assinou com a Golden Boy, equipe do pugilista Oscar de la Hoya, sem precisar se mudar do Brasil. Os irmãos se falam "pelo Facebook, sempre", segundo Esquiva, mas não se veem com frequência. Uma luta entre os dois é "impossível": "É feio irmão lutar por dinheiro".

OURO DE TOLO

A equipe de Esquiva não fala sobre cifras, mas um lutador profissional ganha entre dezenas de milhares e dezenas de milhões de dólares por luta. Enquanto era atleta olímpico, esperava por bem menos, como o dinheiro do Bolsa Pódio, auxílio mensal que o governo prometeu para atletas com maior potencial de render medalhas ao Brasil.

O primeiro nome na lista do Ministério do Esporte anunciando o programa, em 2012, era Esquiva Florentino Falcão. O valor mensal ficaria entre R$ 5.000 e R$ 15 mil, a depender dos gastos declarados. "Mas não veio nada."

O Ministério do Esporte afirma que Esquiva não recebeu o incentivo porque já era contemplado com outro programa, o Bolsa Atleta. "O início do pagamento da Bolsa Pódio só poderia acontecer após o término do Bolsa Atleta, e o último pagamento a Esquiva aconteceu em fevereiro de 2014, R$ 24.800, referentes às últimas oito parcelas a que ele tinha direito, de um total de 12." Boxeadores começaram a receber o Bolsa Pódio em março de 2014, três meses após ele se mudar para os EUA.

A realidade no novo país traz mais dinheiro, mas é uma vida sem ostentação. Apesar de já ter comprado um carro antes mesmo de tirar a carteira de motorista, o meio de transporte favorito do boxeador é outro: "Se quero passear, ir pros cassinos, pro Walmart, pego a bicicletinha e vou. Já rodei a cidade toda". Antes, dependia da carona de Batarelli, que até hoje faz a comida do atleta (e avisa: "Cassinos estão proibidos!").

Essa rotina espartana é parte de um plano que envolve diminuir para depois crescer: o homem de 1,78 m hoje pesa 71,7 kg. O ideal para estar na categoria que a equipe almeja, peso-médio-ligeiro, é 69,8 kg. Para isso, teve de banir a pizza e adotar práticas como correr embalado em sacos de lixo, para suar mais.

Além de correr, ele faz "sparring", simulação de luta com outros atletas, quase diariamente. Quem o guia durante os ensaios é Miguel Díaz, um argentino de 82 anos e cara bonachona que lembra a do ator Sérgio Mamberti, e que fala um portunhol em que os dois se entendem. O inglês do lutador começa a engatinhar após 390 dias de EUA.

Já a dicção com que Esquiva mastiga as palavras ("a primeira luta dele" vira "apimeludele") não pode ser confundida com falta de articulação. O medalhista conta, com fluência e sem sinal de constrangimento, uma versão não editada de sua história, ao contrário do discurso ensaiado de outros atletas.

Um dos nove filhos do terceiro casamento do lutador Touro Moreno (mais sobre ele na pág. 34), Esquiva cresceu no Espírito Santo, em um ambiente em que o boxe tinha papel central. Mas mudou-se para o Rio ainda menor de idade atrás de outra paixão: "Eu era viciado em funk e era de lá que vinha o som".

DONA ARANHA E DON JUAN

A agilidade com as palavras também gerou adversários fora do ringue. Sobre Acelino "Popó" Freitas, quatro vezes campeão mundial de boxe e ex-deputado federal, que disse querer voltar à luta, aos 39 anos, Esquiva disse: "Não está mais no momento dele". Popó respondeu em dezembro: "Meu momento é eterno", e não comenta mais o assunto.

Conhecido como Aranha, Anderson Silva ganhou de Esquiva o apelido de Dona Aranha. "É de brincadeira", diz ele. Mas é séria a análise que faz sobre a volta do lutador, depois de ter uma fratura exposta para o mundo ver. "Eu esperava mais dele. Deve ter ficado ansioso." Anderson, que foi suspenso preventivamente por doping, não respondeu ao pedido de entrevista.

"Quem usa isso aí [anabolizantes] entra armado para uma luta", diz Esquiva. Ele afirma que nunca usou nada. "Sempre desconfiei desses caras do MMA. São muito monstros, não podem estar puros. Vejo o Vitor Belfort que ganha 20 quilos e perde tudo em duas semanas. É estranho."

Ele estima ter de suar muito mais para perder peso para enfrentar o americano Mike Tufariello no final de fevereiro. No combate, Esquiva planejava ser chamado ao ringue pelo nome de Esquiva Falcão "Maguila", para homenagear um de seus ídolos, o ex-boxeador Maguila, que sofre do mal de Alzheimer. Mas não conseguiu autorização da mulher do ex-lutador.

"O Maguila ficou só conhecido como um nome, mas é um dos maiores boxeadores do mundo. O boxe brasileiro deve demais para ele e está na hora de pagar de volta", diz Falcão. "Não me preocupo em ter doença na cabeça [como Éder Jofre e Maguila]. É só não tomar muito soco lá."

Enquanto não chega a hora do combate, um dos exercícios de Esquiva é contar nos dedos os dias que faltam para o filho, Don Juan, chegar aos EUA.

O nome foi decisão só do pai e da mãe. Amigos sugeriram Nocaute, Direto e Jab, tirados do universo do boxe e que honrariam a tradição familiar de batismos ligados ao esporte, iniciada por seu pai.

Ele refutou as sugestões de imediato por razões biográficas: "Na escola, me zoavam muito". Optou então por Don Juan, o personagem galanteador da literatura espanhola, ainda que amigos, como a ex-jogadora Hortência e Galvão Bueno, tenham tentado dissuadi-lo.

"O nome do registro dele acabou ficando só Juan, porque no cartório disseram que Don era sinônimo de 'seu', 'senhor' e não podia ser usado como nome. Mas ele vai ser para sempre o nosso Don Juan. E vai morar aqui, comigo."

A mudança da noiva, uma prima de quarto grau com quem manteve um namorico a distância antes do relacionamento real, é mais um passo no processo de exportação do ídolo, que já custou US$ 200 mil (cerca de R$ 560 mil), segundo Sandi Adamiu, 33, diretor da Paris Filmes, patrocinadora da nova carreira. A empresa, uma das maiores distribuidoras de cinema do Brasil, especializada em blockbusters como a saga "Crepúsculo" e a comédia nacional "Meu Passado Me Condena", espera reaver o investimento em quatro anos.

"A nossa ideia é fazer com que o boxe volte a ser famoso no Brasil, que o Esquiva seja o próximo Mayweather", diz Sandi. O empresário e faixa preta em "full contact" (outra modalidade de luta) se refere a Floyd Mayweather Jr., tido como o melhor pugilista vivo.

O americano mistura esporte e show. Entra no ringue acompanhado por rappers e pelo ídolo púbere Justin Bieber ""o planejamento de marketing de Esquiva prevê que ele entre no ringue com Neymar e o rapper Emicida. Patrocínios internacionais estão previstos para quando ele estiver chegando perto da final do mundial. "A gente quer que a Nike seja a dona da vida dele", brinca Batarelli.

Enquanto ainda é dono da sua vida, Esquiva mentaliza um mantra antigo. Quando ainda não tinha conseguido a vaga para a primeira Olimpíada de que participou, em 2012, Esquiva pendurou na parede do quarto um cartaz com a frase "Eu vou ser campeão mundial". Anos depois, ele diz: "Eu vou ser campeão mundial em 2016".

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