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Serafina

Atleta sonha ser o primeiro índio a representar o Brasil nas Olimpíadas

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Da janela da pequena casa de madeira que dividia com os pais e os três irmãos, Iagoara avistava seu quintal. As árvores da floresta amazônica e as águas do rio funcionavam como cenário das brincadeiras do indiozinho da etnia kambeba. Correr, subir em árvores, caçar, nadar e pescar eram as brincadeiras que faziam o tempo passar para os curumins em sua tribo, a cerca de quatro horas de barco de Manaus, em uma área de proteção ambiental do rio Negro.

A pescaria era feita com arco e flecha. O primeiro arco ele ganhou do pai. Aos nove anos, fez outro com as próprias mãos. Era reconhecido por sua habilidade e pontaria. "Fui aprendendo sozinho. Na aldeia, a gente escolhia alvos e competia para ver quem acertava mais. Uma vez pescando com a minha avó, acertei dois peixes com uma flecha só", lembra.

Veja vídeo

A brincadeira virou coisa séria. Iagoara, nome indígena de Dream Braga Silva, 18, poderá ser o primeiro índio a defender o Brasil nos Jogos Olímpicos, em 2016, no Rio. Ele integra, desde janeiro, a seleção permanente de tiro com arco.

Em 2013, jovens de sua tribo participaram de uma seletiva feita pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), entidade não governamental que atua em projetos de assistência social e educação no Amazonas. A ideia era encontrar talentos e levá-los para treinar na Vila Olímpica de Manaus.

"Queria achar uma forma de ligar a Amazônia às Olimpíadas. Tive, então, a ideia do arco e flecha, valorizando a tradição e, ao mesmo tempo, dando uma chance para os jovens indígenas", diz o engenheiro florestal Virgílio Viana, superintendente da FAS.

Segundo Virgílio, "a desesperança dos índios mais novos chama a atenção". Entre 2002 e 2012, 20,9% dos suicídios no Amazonas foram cometidos por índios, que representam apenas 4,9% da população do Estado. Eles sofrem com a dificuldade de adaptação nas cidades e com a falta de oportunidades. Alguns dos problemas mais comuns são alcoolismo, depressão e prostituição.

Traduzindo as Olimpíadas

Para encontrar atletas entre os índios, a professora de educação física Márcia Lot testou 328 adolescentes,entre 14 e 19 anos, de 29 etnias. Ela também acompanhou os Jogos dos Povos Indígenas, competição anual organizada com apoio do Ministério do Esporte.

"Levei filmes sobre as Olimpíadas para que entendessem do que se tratava. Tinha de explicar para o cacique e para o pajé o que a gente queria fazer. Às vezes, não havia tradutor. E algumas mães não deixaram os filhos irem conoscopara Manaus", diz Márcia.

O primeiro a vencer uma das seletivas foi Dream. Seus irmãos, Deivid, Deusineide e Riquelme, não foram escolhidos. "Eu não sabia que tiro com arco era um esporte nem o que eram as Olimpíadas", conta o garoto.
Incentivado pelos pais, ele se mudou para Manaus logo no começo de 2014. Nunca havia visto um arco olímpico.

O brinquedo que usava para pescar no rio Negro pesava apenas 500 gramas. O arco olímpico, três quilos. O novo instrumento ainda tinha estrutura de mira e proteção para dedos e braços. Dream adaptou-se rapidamente às novidades. Em seu primeiro campeonato brasileiro, ficou em terceiro lugar e chamou a atenção do técnico italiano Renzo Ruele. Foi convidado para um estágio na seleção, em Maricá (RJ). Menos
de um mês depois, estava convocado.

"Em Manaus, eu visitava a família quando sentia saudades. Quando cheguei a Maricá, não queria ficar, tinha saudades. Agora acostumei", diz Dream.

Ele vive na Confederação Brasileira de Tiro com Arco, em um centro de treinamento que parece um sítio, onde só se ouve o barulho dos passarinhos e das flechas rasgando o vento. Treina cerca de cinco horas por dia.
"Na tribo, a gente corria, jogava bola, fazia zoeira com os amigos. Aqui não. Para ser um atleta de alto nível, tem que se dedicar muito."

Dream já participou da seletiva para um torneio em Santo Domingo, na República Dominicana. Havia duas vagas e ele ficou em terceiro. Em abril, tentará um lugar no Mundial juvenil, até 18 anos.

Chegar às Olimpíadas ainda é um sonho. E o caminho, árduo. O Brasil terá uma equipe com três arqueiros. Dream precisa figurar entre os três melhores do país até a definição das vagas, em 2016.

O garoto sério e comprometido dá lugar ao curumim quando fala da alegria de ter conhecido o Rio de Janeiro e de pisar na Marquês de Sapucaí. "Todos os anos, eu via o desfile de Carnaval na TV. Sempre quis conhecer o Sambódromo." É naquele cenário que em 2016 ele poderá empunhar seu arco e se tornar o primeiro índio a representar o Brasil numa Olimpíada.

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