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Serafina

Colunista relata 'guerra étnica' entre vizinhos em prédio londrino

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O prédio onde moro em Londres, assim como quase todo o bairro de Maida Vale, foi construído por volta de 1820. Originalmente, eram casarões de cinco andares habitados, cada um deles, por uma família aristocrática.

A divisão interna era como a retratada no seriado "Downton Abbey": criados, cozinha e serviços no porão, vida social no térreo e quartos nos andares superiores. Mas, ao longo dos anos, com a decadência do Império Britânico e o empobrecimento da chamada "upper class" ("classe alta" em tradução livre), esses casarões foram subdivididos em apartamentos habitados pela burguesia emergente e por imigrantes.

Bruno Oliveira

Será que chegará o dia em que as mansões do Morumbi ou as coberturas de Ipanema serão subdivididas em apartamentos onde vão morar nordestinos e bolivianos?

O meu vizinho do andar de baixo pertence a uma etnia cada vez mais rara nesta cidade multicultural. Ele é inglês da gema. E, mesmo sem a fortuna dos antepassados, continua "upper class", pois aqui a classe social independe da riqueza.

Ele toma chá com leite, usa sandália com meia e assiste a jogos de críquete. Sinto mais afinidade cultural com a moradora do lado, que usa burca. Mas isso não me incomoda.

Afinal, não é só porque é inglês -e Londres é nossa, dos imigrantes- que vou discriminá-lo, mandando-o para o exílio na Líbia ou na Somália na volta de um desses barcos que trazem refugiados.

Bem que merecia. Ele não para de mandar e-mails reclamando do barulho, com um tom falsamente bem-educado, mas no fundo agressivo e arrogante.

Há uns meses, desci para conversar e pacificar. Londres inteira sabe que o isolamento acústico nesses prédios antigos é péssimo, expliquei. Não vou recriminar meu filho de oito anos se ele, de vez em quando, quiser demonstrar sua releitura de "Gangnam Style" ou do último gol do Neymar.

Ele disse que não tinha nada pessoal contra nós, mas que seu advogado tomaria providências. Despedi-me com vontade de ver os argentinos invadirem as Malvinas outra vez. Mas me ocorreu que talvez seus antepassados morassem numa dessas propriedades quando ainda eram inteiras. Provavelmente, ele se ressente por ter que dividir o prédio com judeus, muçulmanos e homossexuais.

Na semana passada, a situação ficou complicada. Uma chinesa comprou um apartamento no andar de cima. Desconfio de que ela viva no fuso horário de Pequim porque passa as noites marchando como uma sargenta do Exército Vermelho, gritando no telefone -acho que em cantonês- bem em cima do meu quarto.

Bati à sua porta educadamente. Disse que morava embaixo e que não conseguia dormir por causa do barulho. Diferentemente do inglês, ela demonstrou não temer confrontos diretos. Bateu a porta na minha cara. Percebi que meu prédio é uma espécie de Oriente Médio. Tenho Hizbullah ao norte e Hamas ao sul. Deu saudades de Higienópolis.

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