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Serafina

Ídolos no Norte, conheça os cantores que animam o Festival de Parintins

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Quando David Assayag canta, milhares se agitam a sua esquerda e uma multidão se cala a sua direita. Ali, a esquerda veste azul, enquanto a direita traja vermelho.

Enquanto azuis dançam, pulam e fazem coreografias perfeitamente sincronizadas, vermelhos resistem até a bater o pé no chão para acompanhar o ritmo da música.

lustração República Books

Quando David canta, ele coloca em movimento uma complexa engrenagem performática. Quatrocentos músicos batem tambores, surdos e caixilhas. Enormes estruturas cenográficas entram em cena e uma lenda amazônica ganha vida, dramatizada por personagens em fantasias extravagantes e atuações exageradas.

Mas o cantor não vê o espetáculo que o cerca. Vítima de uma doença degenerativa, ficou cego depois de adulto. David, 46, é o intérprete, ou levantador, de toadas do Boi Caprichoso, uma das duas agremiações de boi-bumbá que se enfrentam todos os anos durante o Festival Folclórico de Parintins, realizado sempre no último final de semana de junho, na cidade de mesmo nome, no Amazonas, a 400 km de Manaus.

Em uma analogia com o carnaval de sambódromo, o boi é uma espécie de escola de samba, a toada é o samba-enredo, e o levantador um puxador. Ao contrário da festa popular mais famosa do Brasil, contudo, em Parintins apenas duas agremiações disputam o título.

O Boi Caprichoso e o Boi Garantido se enfrentam durante três dias seguidos em um bumbódromo, uma arena de formato circular que recebe os competidores por duas horas e meia. Neste período, os bois encenam uma espécie de ópera que exalta diversos elementos folclóricos da Amazônia.

Durante cada noite de competição, David, o cantor corpulento e cego, chega a cantar até 20 toadas diferentes. As músicas variam a cada ano. "O levantador é um dos caras que mais trabalha ali e também um dos que têm a maior responsabilidade", diz.

Levantador do Caprichoso há cinco anos, a história de David em Parintins é antiga. Começou a cantar aos 14 anos, se arriscando por áreas menos exóticas que as toadas. Fã de Emilio Santiago e Tom Jobim, fazia shows de MPB em barzinhos. Nos anos 1980, tentou a vida em São Paulo, "cantando na noite".

Foi só quando voltou para Parintins, alguns anos mais tarde, que começou a se aproximar do gênero que o consagrou. "Eu tinha resistência para entrar na toada", conta. "Depois assumi como meu ritmo oficial. É uma música com conteúdo e dá a oportunidade de cantar as suas próprias composições."

ROBERTO CARLOS DO AMAZONAS

Enquanto conversa com Serafina, no Bar Brahma, onde os levantadores dos dois bois se apresentaram para divulgar o festival, David traja azul dos pés ao pescoço. Em seu rosto, os óculos escuros são de um preto mais convencional. Mas nem sempre foi assim. Durante 13 anos, de 1995 a 2008, David vestiu vermelho. Era o levantador oficial do Boi Garantido. Cantando por lá, ganhou sete títulos do festival e tornou-se um ídolo regional. Um amigo paulista brinca que, em Parintins, jantar com o cantor é como jantar com Roberto Carlos.

O prestígio do cantor e a grande rivalidade entre os bois explicam a comoção que tomou a região quando David anunciou que trocaria o vermelho pelo azul. É como se Zico trocasse o Flamengo pelo Vasco, Lula se debandasse para o PSDB ou, para colocar nos termos do amigo paulista, Roberto Carlos apresentasse seu show de fim de ano no SBT.

"O torcedor não vai entender nunca", esquiva-se. À época, David alegou problemas com a diretoria do Garantido. Garante que não trocou de bois por puro capricho.

NOVILHO DE OURO

Sebastião Júnior, 28, é o anti-David. Jovem e esguio, pula, dança, toca violão e só anda por aí usando vermelho. Coube a ele a responsabilidade de substituir o ídolo. Com apenas 23 anos, foi jogado aos bois na arena.

"Fui escolhido faltando pouco tempo para o festival", diz. "Estreei cantando junto com a Daniela Mercury. Eu estava muito nervoso. Mas ela também."

Sebastião podia ser novo, mas experiência no meio musical não lhe faltava. Gravou seu primeiro disco como violonista com apenas 13 anos. Como David, peregrinou no esquema um banquinho, um violão, cantando músicas de gente como Djavan, Caetano Veloso e Jorge Vercillo. Já trabalhou como produtor musical e foi funcionário da prefeitura de sua cidade natal, Juruti, no Pará, onde montava a agenda cultural de shows.

"Cheguei a levar o David para cantar em Juruti", lembra o cantor garantido. "Sempre fui fã dele, porque a toada é um dos ritmos mais difíceis de ser cantado."

O período de trabalho dos levantadores com seus bois costuma durar de janeiro a junho, quando ocorre o festival. Entre as temporadas, Sebastião faz shows de MPB pelo Norte do país. E conta que o público aumentou depois que entrou para o Garantido. Ainda novo no universo toadeiro, ele não tem uma relação tão exclusiva com o ritmo como David. "Queria aproveitar o embalo do boi-bumbá para lançar um disco do
Sebastião Júnior como artista", diz.

"Tenho muitas composições minhas guardadas", diz. "Mas nos meus shows não tem jeito, o público sempre pede para ouvir uma toada."

ENTENDA COMO O DUELO ENTRE OS BOIS É JULGADO

Editoria de Arte/Editoria de Arte
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