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Serafina

Aos 87, ex-socialite veste gente como Beyoncé na loja mais chique de NY

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Quinta Avenida. Uma sala de cor creme no terceiro andar da loja que Anna Wintour apontou como a mais chique de Nova York. Entra uma mulher de cabelos brancos curtos, olhos azuis e um blazer cinza minimalista, com um broche de bronze em formato de folha.

Ela derruba um dos quatro vestidos que trazia no braço e, abaixando o tronco sem dobrar os joelhos, recolhe a peça e se levanta de mão estendida, oferecendo também um pedido de desculpas: "Sinto muito. Deixei você esperando, que desagradável". Betty Halbreich, 87, estava três minutos atrasada.

Marcelo Gomes
Betty Hallbreich, 87, vendedora da loja de luxo Bergdorf Goodman
Betty Hallbreich, 87, vendedora da loja de luxo Bergdorf Goodman

É difícil atribuir uma profissão a ela, que já foi muitas coisas. Filha de uma família que enriqueceu em Chicago vendendo roupas populares, foi miss na Flórida assim que a Segunda Guerra Mundial acabou. Casou-se com um playboy nova-iorquino e virou dona de casa e mãe.

Até que, 38 anos atrás, o casamento desandou e ela, "para não depender de mesada de homem", passou de cliente a vendedora na Bergdorf Goodman. Vestiu, à época, mulheres como Grace Kelly e Elizabeth Taylor -hoje, sua lista tem Sarah Jessica Parker e Beyoncé.

"Quando cheguei, todas éramos vendedoras. Agora, algumas se chamam de 'personal shopper'. Eu continuo sendo só uma vendedora", diz ela, que há 30 anos trocou o esquema de comissão por um salário fixo na casa das dezenas de milhares de dólares, para não ter de se preocupar com metas a bater. "E poder ser honesta com os clientes."

Halbreich Solutions é o nome do departamento de Betty, composto por duas salas de espelhos, uma lista de espera de meses e letras metálicas garrafais na parede. "Não amo o nome. Solução seria a cura para o câncer", diz, com um senso crítico que não sai da sala em duas horas de conversa. "São só roupas, por Deus."

A frase é uma das mais usadas no seu segundo livro autobiográfico, "Um Brinde a Isso", lançado neste ano. "Escrevi em papel e alguém digitou. Não vou ler para não ter que me olhar." Ela também protagoniza o documentário "Scatter My Ashes at Bergdorf's" (espalhe minhas cinzas na Bergdorf's), que em 2013 mostrou as entranhas da loja.

Enquanto sua assistente pessoal se queixa com a companhia telefônica porque a internet do escritório caiu há duas horas, um celular de flip é o único artefato tecnológico na mesa da chefe. "É o quinto aparelho de telefone que a loja me dá. O anterior, um iPhone, eu usei só uma vez para pedir que amigos fossem me buscar nos Hamptons. Nunca mais."

Ela prefere se comunicar pela linha fixa ou por cartas. Como uma de agradecimento, recebida por ela e assinada pela candidata à presidência Hillary Clinton, pendurada em um mural. Mas não é de bom tom tocar no assunto. "Não posso falar dos meus clientes. Seria muita indiscrição. Mas, pelados, somos todos iguais."

NO GRITO

Por mais que sua atual melhor amiga seja Lena Dunham, a criadora de "Girls", que transforma a vida de Betty numa futura série, o grosso da sua agenda não é composto por famosos ou bilionários. "Nunca recusei um cliente e sou muito honesta com todos." Sua sinceridade é lendária e nunca comedida. Ela confirma o mito: "Quando uma roupa que escolhi não cai bem, grito porque fico frustrada comigo mesma, nunca com o cliente".

Foi no seu carpete que várias mulheres aprenderam a andar sobre saltos. E onde nasceram figurinos de filmes e séries como "Poderosa Afrodite" e "Sex and the City", a partir de peças que ela oferecia a figurinistas. Mulheres comuns também aprendem a se vestir com ela, nem sempre com grifes famosas. Etiquetas, ensina, são "cantos da sereia, só iludem e fazem se afogar num mar de ilusão".

As dicas não mudaram com o tempo, já são quase quadragenárias. Já a loja mudou muito em quatro décadas. "Não gosto de mudanças, mas com isso eu consigo lidar. Sinto raiva, expresso minha raiva e me ouvem." As queixas são muitas: "Só tenho dez dedos nas mãos, eles não dão conta!"

Tabela de tamanhos: "Isso ainda existe? Temos aqui muitos Ps, alguns Ms e pouquíssimos Gs. De onde tiramos que todos são tamanho P? Foram os designers que decidiram? Não. As lojas é que dão as cartas". Pena para achar vestidos de mangas compridas, "um anacronismo para estilistas, para quem mostrar pele é ser jovem", diz, folheando vestidos pendurados pela sala.

Quando sobra energia depois da jornada, ela se dedica ao passatempo preferido: "Ficar de joelhos, com as mãos cobertas por luvas de pano vagabundo e encerar o chão" do apartamento de 300 e poucos dos metros quadrados mais caros do mundo, na vizinha Park Avenue.

ASSISTA AO TRAILER DE SCATTER MY ASHES AT BERGDORF´S

Documentário Scatter my ashes at Bergdorf´s

"É um prazer. Lavo o chão, um pouco de roupa e corrijo os erros da faxineira. Sou muito meticulosa." Os 12 guarda-roupas dela são lavados e arejados ao menos uma vez por ano.

"Eu amava roupas. Ainda amo, só que sou sovina demais para comprá-las", diz às gargalhadas. Em seguida, faz uma proposta irrecusável: "Vamos dar uma volta pela loja?"

VAMPIRO DE SI MESMO

Todos saem da frente quando Betty passa pelos corredores da Bergdorf. Uns poucos a cumprimentam. "Por que são todos clones uns dos outros?", pergunta-se andando pelo terceiro andar, onde convivem em harmonia marcas como Thierry Mugler, Dior e Saint Laurent. Passa por uma saia envelope de couro do americano Rick Owens, queridinho da modernidade, e franze o cenho.

"Nem na noite de Halloween você me veria usando isso. Está em liquidação e com razão." Vestidos terrosos de seda da Prada também viram alvos de críticas. "Essa grife é um vampiro que chupa o próprio sangue e não se renova. Ela [Miuccia Prada] já se esforçou mais."

Em meio a "um deserto de criatividade", ela para ao lado de uma arara de roupas e sorri. São criações de Johnson Hartig, o nome por trás da grife Libertine. Ele usa criações antigas ("vintage" é palavra proibida nos domínios de Betty), de casas como Balenciaga e Chanel, e borda lantejoulas, rendas e pompons em cima das peças -que recoloca à venda por milhares de dólares e com sua etiqueta costurada ao lado da original.

"Olha a festa que se pode fazer nesse acabamento", diz ela enquanto passa as mãos num gabardine verde que recebeu manchas espaçadas de paetês roxos. O movimento faz um barulho parecido com o voo de um besouro. "É um trabalho muito bem feito, ainda que todas essas peças sejam da coleção antiga. Sinal de que vendemos quase tudo. Que bom", diz ela. "É esse o intuito, não?"

Enquanto Betty atende o telefonema de uma cliente em pânico ("Sem roupas para uma festa com um xeque em Dubai"), é possível ver da janela a Tiffany & Co. em frente à qual Audrey Hepburn tomou café da manhã, em "Bonequinha de Luxo" (1961). Mas, nos quase 40 anos de labuta, Betty foi além do desjejum na Bergdorf: até hoje almoça e janta os canapés de pepino que serve a todo e qualquer cliente, para "evitar o mau humor da fome". "Eu me sinto em casa aqui", diz, estendendo a mão para um aperto de despedida.

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