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Serafina

Alfaiate vestiu quase todos presidentes americanos dos últimos 50 anos

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Aos 81 anos, Georges de Paris anda ocupado com as duas dezenas de encomendas que tem para finalizar e entregar. Mesmo assim, não é difícil encontrá-lo. No edifício comercial Metropolitan Square, a 200 metros da Casa Branca, qualquer pessoa indica o seu paradeiro. Com uma enorme cabeleira branca, ele caminha apressado entre o ateliê que mantém no prédio, sua loja de acessórios e o restaurante Old Ebbitt Grill, que frequenta.

Lá, os garçons sempre sabem dizer se o alfaiate, um habitué, já esteve na casa naquele dia ou se virá mais tarde para beber uma taça de vinho, enquanto checa se seus clientes estão fazendo boa figura nas páginas do jornal "Washington Post".

Mukul Rajal
O alfaiate francês Georges de Paris posa em seu ateliê
O alfaiate francês Georges de Paris posa em seu ateliê

Olhando a vitrine de seu ateliê, é possível contemplar parte da história política americana dos últimos 50 anos, contada por meio das roupas usadas por presidentes, senadores, deputados e governadores.

Na galeria de fotos, todos posam ao lado do homem que conferiu charme francês ao rígido "dress code" do poder na capital norte-americana: os ex-presidentes Lyndon Johnson (1908-1973), Gerald Ford (1913-2006), Jimmy Carter, Ronald Reagan (1911-2004), Bill Clinton, George Bush (o pai), George W. Bush (o filho) e Barack Obama.

Dentro, amontoados de tecidos sem nenhuma ordem aparente se misturam a moldes, peças semiprontas, gravatas e blocos de papel onde o alfaiate anota nomes, medidas, compromissos. Georges recebeu a reportagem de Serafina vestindo um terno preto risca de giz de três peças, camisa azul com colarinho e mangas brancas fechadas com abotoaduras de ouro, gravata vermelha de bolinhas e sapatos Oxford de camurça marrom.

Apesar do sobrenome De Paris, Georges nasceu em Marselha, em 1934, e se mudou para Washington no final dos anos 1950 por amor. Mas a mulher que o fez trocar de continente para sempre não correspondia o sentimento, e o relacionamento logo terminou. Georges conta que chegou a passar fome e a tomar banho no rio Potomac, que corta a cidade, até conseguir emprego com um alfaiate polonês em Georgetown, o bairro mais chique da cidade.

À QUEIMA-ROUPA

Em pouco tempo, alugou uma máquina de costura e passou a trabalhar por conta própria, fazendo ajustes e reformas em roupas enquanto tentava conseguir a cidadania americana. O primeiro político que conheceu na cidade foi o congressista da Louisiana pelo Partido Democrata Otto Passman (1900-1988), que enviou alguns ternos usados para que o francês fizesse reparos.

Contente com o resultado, Otto encomendou a Georges o primeiro costume que o francês de estatura baixa e aparência de personagem vitoriano fez nos Estados Unidos. Em seguida, o político apresentou seu novo "achado" ao então senador pelo Texas Lyndon Johnson, que ascendeu à Presidência, em 1963, já devidamente convertido ao estilo do alfaiate e a seus ternos de cortes clássicos, feitos sob medida.

Todos os presidentes americanos depois de Lyndon Johnson, com exceção do republicano Richard Nixon (1913-1994), foram seus clientes. E, apesar de muito discreto, o francês lembra passagens curiosas sobre eles.
"Reagan era muito elegante e divertido. Chegou a lamentar numa entrevista na TV o tiro que levou no meu terno novinho", diz Georges, sobre a tentativa de assassinato que o presidente americano sofreu em março de 1981.

Com os dois Bush, diz guardar uma longa amizade e tem criado roupas para Jeb Bush, filho e irmão dos ex-presidentes que batalha pela pré-candidatura à Presidência pelo Partido Republicano. "Falo com os Bush duas ou três vezes por ano e, quando estão em Washington, sempre me ligam para uma visita ou um jantar", diz o alfaiate.

Com Barack Obama, também seu cliente, o relacionamento é cordial, mas a operação é mais complexa. Georges recebe um telefonema marcando horário para ir à Casa Branca e, na hora acertada, vai até lá escoltado pelo serviço secreto. Ele não diz quantos ternos já fez para o atual ocupante do número 1.600 da avenida Pensilvânia.

Questionado sobre o gosto do atual presidente, também não dá detalhes. "Falo para ele: 'Não se preocupe com o espelho, vou fazer você ficar elegante na televisão e nos jornais, pois é lá que as pessoas vão comprar as suas ideias'."

Georges se define como um clássico que se modernizou. Usa dois botões nos paletós, faz cortes mais ajustados, mas é conservador quanto a cores e combinações. "Na Casa Branca, todo mundo sabe como um presidente deve se vestir e se comportar", diz ele. E emenda uma história conhecida sobre o dia em que o democrata Jimmy Carter tirou os sapatos no salão oval e foi repreendido pela faxineira, que teria dito: "Por favor, presidente, guarde seus sapatos no armário".

É conservador também quando o assunto é o uso atual de ternos com calças mais curtas e sapatos sem meias. "Homem sem meia só se estiver de chinelos, indo para a praia, como vocês lá no Brasil", brinca Georges.

TERNO OU TERNINHO

Apesar de nomes como o do ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, o ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair, o ex-vice-presidente Al Gore e o bilionário Bill Gates estarem anotados na sua agenda, o francês faz questão de afirmar que atende igualmente todos os seus clientes.

Conta que um homem que limpava os vidros da sua loja sonhava com um terno igual ao que Reagan vestia no dia do atentado. Juntou dinheiro e pediu que o alfaiate fizesse o traje para ele. Georges tentou dissuadi-lo, alegando que traria mau agouro, mas, depois de muita insistência, aceitou fazer a roupa, porém com outro tecido. "Um terno igual àquele nem eu mesmo usaria."

Seus trajes não custam menos de US$ 5.000, mas ele não gosta de falar sobre valores. Diz que prestígio é o que importa. "Meu trabalho não tem preço, pague o quanto você achar que vale: um dólar está bom pra você?", diverte-se.

Perguntado sobre o que fará se Hillary Clinton vencer as próximas eleições presidenciais norte-americanas, marcadas para novembro de 2016, saca uma foto dela ao seu lado. A pré-candidata pelo Partido Democrata já é sua cliente. Ele costura para a ex-secretária de Estado desde o tempo em que seu marido, Bill Clinton, aprontava coisas menos inocentes na Casa Branca do que largar os sapatos no tapete.

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