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Serafina

Rapper e escritor muçulmano, francês Malik lança disco inspirado em Camus

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Não é muito comum um rapper escrever um disco inspirado em Albert Camus. Tampouco ser presença constante ao lado de ministros em debates televisivos que discutem os rumos do país. Menos ainda ganhar prêmios literários por romances e condecorações das mais altas esferas da República.

Usual a um rapper é ter uma adolescência marcada por pequenas contravenções, sobreviver ao tráfico e transformar sua história de sucesso em filme.

Fabien Coste
ABD AL MALIK - Rap Vulcânico - O Françês ABD Al Malik lança disco inspirado em Albert Camus. dirige filme sobre sua conversão ao islamisnoe discute rumos do país com ministros#serafina92
Abd Al Malik lança disco inspirado em Albert Camus e dirige filme sobre sua conversão ao islamismo

O francês Abd Al Malik desconstrói todos esses estereótipos ao mesmo tempo em que sintetiza todas essas facetas.

Aos 40 anos, Malik é um dos artistas mais influentes do hip-hop da França —segundo maior mercado produtor de rap no mundo, atrás dos EUA.

É também poeta e escritor consagrado com prêmios literários. Por suas obras, foi nomeado Cavalheiro das Artes e das Letras pelo Ministério da Cultura.

Agora, Malik também é cineasta. Seu primeiro longa-metragem, "Qu'Allah Bénisse la France!" ("Que Alá Abençoe a França!"), de 2014, concorreu ao César, o Oscar francês, nas categorias ator estreante e primeiro filme.

Hiperprodutivo, ele voltou aos holofotes com o lançamento de seu quinto álbum, "Scarifications", cuja divulgação foi imediatamente cancelada após os ataques a Paris de 13 de novembro.

O álbum é uma inventiva guinada em sua carreira. Nas letras, ele dispensa a poesia de trabalhos anteriores e dispara rimas cruas. Na sonoridade, a renovação vem da parceria com Laurent Garnier, produtor-ícone do estilo french touch. "Existe uma expressão francesa que diz que nós dançamos sobre um vulcão", conta Malik. "Laurent criou beats dançantes a partir das cicatrizes da minha alma. Não é possível ignorar o fato de que o mundo é difícil, mas sempre abro uma ponta de esperança porque, se quisermos melhorar a realidade, não podemos nos deixar contaminar pelo exterior. Ao contrário, devemos ser luminosos."

Essa lição, Malik aprendeu com o argelino Albert Camus (1913-1960), um de seus escritores preferidos e uma das principais referências para "Scarifications". "Há uma frase de Camus na qual ele fala que 'não existe amor pela vida sem a desesperança de viver'. Amamos viver, amamos o outro, mas, ao mesmo tempo, há sempre um pouco de desilusão."

Assista ao trailer de "Qu'Allah bénisse la France" (em francês)

Assista ao trailer de "Qu'Allah bénisse la France" (em francês)

Autores como Aimé Césaire e Simone de Beauvoir também são citados lado a lado a ídolos americanos, como os cineastas Joel e Ethan Coen. "Para mim, não existe isso de alta cultura ou cultura menor. As artes fazem eco umas nas outras. Estou convencido de que a arte vai salvar o mundo, porque ela promove a harmonia entre as pessoas."

EM BUSCA DA REDENÇÃO

No seu caso, a arte e a religião traçaram o caminho da redenção, como ele mostra em "Qu'Allah Bénisse la France!", ao exibir a transformação de Régis Fayette-Mikano, seu nome de batismo, em Abd Al Malik —alcunha adotada quando ele se tornou muçulmano, na adolescência.

Filho de imigrantes congoleses, Malik nasceu em Paris e viveu parte da infância em Brazzaville, capital do Congo, onde seu pai trabalhava como jornalista. De volta à França, em 1981, instalou-se com a mãe e os dois irmãos num conjunto habitacional da cidade de Estrasburgo e desenvolveu uma dupla personalidade.

De dia, era o aluno exemplar de um colégio religioso, no qual era o único negro. À noite, cometia pequenos furtos e vendia haxixe. Com o dinheiro, comprava equipamentos para montar um grupo de rap. Abandonou a delinquência quando um amigo morreu numa emboscada.

Encontrou conforto espiritual no sufismo, corrente do islã que ele descobriu durante uma viagem mística ao Marrocos.

Veja o clipe de "Allogène", do disco Scarifications(2015

Allogène

O filme do rapper recebeu boas avaliações. Chegou a ser comparado a "O Ódio" (1995), de Mathieu Kassovitz, clássico do novo cinema francês. "Decidi fazer um filme sobre mim não por me achar fabuloso, mas porque minha história toca em muitos temas, como o cotidiano na periferia e a busca espiritual", explica.

Em cena, há um elenco diverso de atores de diferentes ascendências. "O fato de eu, Abd Al Malik, existir enquanto artista é, por si só, um tipo de militância", acredita ele. "Se quisermos transformar a realidade, temos de começar pelo imaginário das pessoas. Se você vai ao cinema e vê um negro como advogado ou médico, conclui que também pode ter uma dessas profissões. Mas, aos negros, são reservados apenas os papéis de ladrão. Nos sentimos condenados a exercer um único personagem. Para mim, é importante mostrar a diversidade, mas essa não é a finalidade da minha obra."

Esse mesmo discurso incisivo ganhou repercussão no início do ano, quando Malik publicou um texto no qual acusa o Estado francês de não tratar todas as crianças com igualdade. "As pessoas que moram no subúrbio não têm as mesmas oportunidades. Não diz respeito à cor da pele, mas ao status social. É triste que um país como a França desconsidere parte de sua população."

O texto foi motivado pelos atentados terroristas cometidos contra o jornal "Charlie Hebdo". Na época, Malik afirmou em uma entrevista que o semanário satírico tinha sido irresponsável ao publicar repetidamente caricaturas ridicularizando Maomé. Como esperado, foi altamente criticado.

"Nos concentramos mais na polêmica do que no tema em si, que é, diante da mundialização, o encontro de pessoas de diferentes culturas que jamais se encontraram. Como podemos viver em harmonia? Esse é o coração do problema."

Entrevistado por Serafina pouco antes dos atentados de 13/11, desta vez, Abd Al Malik preferiu não se manifestar. No Facebook, escreveu: "Nunca vamos reparar uma injustiça com uma outra injustiça".

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