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Serafina

Homem brasileiro busca novo papel social depois de conquistas femininas

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Há pelo menos 20 anos que se fala do macho em crise. Ele se viu obrigado a buscar novos papéis sociais e familiares depois que as mulheres retiraram o próprio corpo e os espaços público e de trabalho de seu domínio exclusivo.

Desembarcar da armadura fantasiosa da masculinidade tradicional, no entanto, tem se mostrado tarefa complexa. Dentro dela, o homem é poderoso, provedor e comedor. Não chora, não tem medo, não leva desaforo pra casa e não broxa. Ou seja, só existe no mundo das idéias e das aparências.

Fora dela, tudo é possível, mas também suscetível à assombração machista, que emana tanto de homens como de mulheres. Quem se livra desse maniqueísmo corre o risco de cair na armadilha do "novo homem", reinventado a cada temporada para acender o sentimento de inadequação nos demais.

O fetiche da vez é o modelo e apresentador Rodrigo Hilbert. Casado com a apresentadora Fernanda Lima, o catarinense comanda um programa de culinária, é paizão de gêmeos, já se montou de
drag queen, faz ioga e tricô.

"Um homem precisa saber se virar e entender que a relação que construímos hoje em dia é de parceria, com objetivos comuns. Isso não é sacrifício, é autonomia", diz.

Mas, no mês passado, quando ele exibiu nas redes a casa de árvore feita para os filhos, a grita foi geral. "Pare de sacanear os homens", "isso é humilhante", "alguém precisa parar Hilbert!".

MÚLTIPLO

Para Guilherme Valadares, 33, criador do site Papo de Homem, a escassez de referenciais de masculinidade dá aos homens a ideia de que é difícil mudar. "É como se a gente pegasse uma caixinha obsoleta e trocasse por uma nova, que gera ansiedade e senso de inadequação."

Uma pesquisa realizada no ano passado com 20 mil homens, em parceria com a ONU Mulheres - braço das Nações Unidas para as questões de gênero - sintetiza as dificuldades do processo.

O estudo mostrou que 66,5% dos brasileiros não conseguem se abrir com os amigos sobre medos e sentimentos, 45% não gostam de se sentir responsáveis pelo sustento da casa, 45,5% não sabem se expressar de modo menos agressivo. E ainda: 43,5% gostariam de cuidar mais da aparência e 45% queriam explorar mais sua sexualidade, mas não o fazem por medo de serem julgados.

PATERNIDADE

O desafio é entender a multiplicidade que vem sendo adquirida por uma categoria antes tida como uniforme. Nela hoje há homens que cuidam dos filhos e afazeres domésticos com prazer enquanto as mulheres trabalham fora, há heterossexuais que se depilam sem medo de serem rotulados, ou meninos que curtem usar vestido sem se travestir de mulher ou abrir mão da barba no rosto.

"A questão não é mais quão diferentes os homens podem ser, mas como isso impacta no comportamento e no mercado", avalia o designer de moda Mario Queiroz, 55, idealizador do Homem Brasileiro, evento que discute o masculino e sua imagem. As fotos que ilustram a matéria foram feitas exclusivamente para a mostra, que neste ano chega a sua terceira edição.

Para ele, sempre foi cômodo para o mercado trabalhar como o homem como um bloco só.

"A publicidade tem uma responsabilidade social, mas insiste nos estereótipos do homem provedor, cervejeiro e torcedor quando há hoje várias masculinidades em jogo."

Queiroz é autor de "O Herói Desmascarado: a Imagem do Homem na Moda" e aponta para o embaralhamento entre as representações do masculino e do feminino. Um índice de fluidez seria o surgimento de grifes de roupas sem gênero, para serem usadas tanto por homens como por mulheres.

"Algumas fronteiras entre o que caracteriza o masculino e o feminino ficaram mais fluídas", aponta Alexandre Saadeh, do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP. A visibilidade dos transsexuais não deixa dúvidas disso: tornar-se homem ou deixar de sê-lo é hoje possível não apenas no campo simbólico, mas também na própria anatomia.

Segundo Saadeh, a grande pressão para romper essas barreiras veio das mulheres, que passaram a questionar a arbitrariedade do que significa ser uma mulher. "O que é masculino vai sempre depender do que é feminino."
Para o sociólogo Fábio Mariano, especialista em comportamento do consumidor, desta maneira, os gays masculinos abriram novos caminhos.

"Eles trouxeram para o universo masculino um jeito mais livre e interessante de se vestir, de ser vaidoso e de cuidar da saúde". O cuidado é um dos grandes desafios do homem em mutação, e tornar-se pai é um vetor importante desse processo.

"A paternidade é uma porta de entrada para mudanças no padrão de masculinidade", avalia o psicólogo Marco Nascimento, pesquisador da Fiocruz e especialista em masculinidades. "Há pressão para que o homem participe do pré-natal, do parto e do cuidado com os filhos, uma prerrogativa que antes sempre foi feminina." Ainda assim, muitas vezes as mulheres se opõem a o pai cuidar mais dos filhos. Ao avaliar que ele "faz errado" ou "não sabe fazer", afastam o parceiro da paternidade integral.

"A experiência do cuidado não existe na educação do menino. Tiram a boneca da sua mão e dizem que aquilo não é brinquedo de homem", aponta Benedito Medrado, do Núcleo de Pesquisa sobre Gênero e Masculinidades (GEMA) da Universidade Federal de Pernambuco e um dos fundadores do Instituto Papai, que estuda a paternidade há 20 anos.

Para ele, o debate tem de ir além das práticas individuais para mexer nas estruturas que reforçam esse modelo. Um dos exemplos é o da licença paternidade, antes de apenas cinco dias, que hoje pode ser ampliada para até 20 dias, o que foi feito até agora apenas por 12% das grandes empresas do país. A média de licença paternidade dos países desenvolvidos é de oito semanas.

"Assim, quem consegue viver a paternidade plenamente nesse primeiro momento é o homem de classe alta ou o empresário, que pode programar uma ausência mais longa do trabalho."

O principal motor das mudanças é a movimentação das mulheres, que intensificaram sua presença nas ruas e nas redes no Brasil.

"As mudanças no padrão de masculinidade são progressivas, e não revolucionárias. Desde que a mulher passou a ser dona do seu corpo e da sua sexualidade que ela promove uma crise em que o homem passou a repensar seu papel", explica Saadeh.

LIBERTAÇÃO

A dinâmica remonta à Revolução Sexual dos anos 1960. A pílula, que liberou a mulher para transar por prazer e sem medo de um desfecho indesejado, semeou no homem a preocupação com a satisfação da parceira. O divórcio inaugurou os finais de semana em que pais se viram sozinhos com os filhos. E a conquista pelas mulheres do mercado de trabalho, ainda que em termos e salários desiguais, aumentou a pressão familiar para uma divisão mais igualitária dos afazeres da casa - mesmo assim, eles ainda hoje realizam seis vezes menos tarefas domésticas que elas.

"A liberdade do homem viver outras masculinidades em geral não vêm por uma consciência de que ele é livre para ser o que quiser, mas por um conjunto de fatores sociais que obrigaram esse homem a desempenhar outros papéis e a descobrir prazer e potencialidades neles", afirma o sociólogo Fabio Mariano. Neste sentido, o feminismo é tão libertador das mulheres quanto dos homens.

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