Descrição de chapéu The New York Times

Aquecimento global faz ilhas Galápagos enfrentarem desafio evolutivo

No local por onde passou Darwin, há risco de extinção de animais, encolhimento de outros e espécies invasoras

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Nicholas Casey Josh Haner
Galápagos | The New York Times

Quando as nuvens se dispersam, o sol equatorial brilha sobre a cratera de um vulcão escaldante, revelando a paisagem aquática na qual a teoria da evolução começou a ser concebida.

Do outro lado de um estreito braço de mar fica a ilha de Santiago, onde Charles Darwin um dia avistou iguanas marinhas, o único lagarto que busca comida no oceano. Tentilhões, aves que surgiram de um lento processo evolutivo, voam pelos céus. Agora, na era da mudança do clima, esses animais podem se provar incapazes de sobreviver aos caprichos da seleção natural.

Na luta contra a extinção nas Galápagos, Darwin viu um plano mestre sobre a origem de todas as espécies, entre as quais a humana.

Mas nem mesmo Darwin teria imaginado o que aguardava as Galápagos, onde o terreno está sendo preparado para talvez o maior dos testes evolutivos.

A mudança do clima está aquecendo os oceanos do planeta, e essas ilhas servirão de cadinho para o processo. As Galápagos não só se localizam na interseção de três correntes oceânicas como estão na mira de um dos padrões climáticos mais destrutivos, o El Niño, que causa aquecimento rápido e extremo do oceano nas regiões tropicais do leste do Pacífico.

Pesquisas publicadas em 2014 por mais de uma dúzia de cientistas do clima alertaram que a alta na temperatura do oceano tornaria o El Niño mais frequente e mais intenso. A Unesco, a agência de educação e cultura das Nações Unidas, agora alerta que as ilhas Galápagos são um dos lugares mais vulneráveis ao impacto da mudança no clima.

Para antever o futuro das Galápagos, é preciso contemplar seu passado recente, quando um desses eventos atingiu as ilhas. As águas aquecidas pelo El Niño impediram a subida de nutrientes para a superfície do oceano, o que causou uma onda de fome generalizada.

As grandes iguanas marinhas morreram, e outras reduziram seus esqueletos para sobreviver. As aves marinhas pararam de pôr ovos. Florestas de escalésias, árvores gigantescas nas quais crescem margaridas, foram derrubadas por tempestades e arbustos espinhosos invasivos que ocuparam seu território. Oito em cada 10 pinguins morreram, e quase todos os filhotes de leão-marinho. Um peixe do tamanho de um lápis, a donzela das Galápagos, parece ter desaparecido em definitivo.

Isso aconteceu em 1982. Os oceanos do planeta se aqueceram em pelo menos 0,5ºC desde então.

David Anderson, biólogo na Universidade Wake Forest e estudioso do patola de pés azuis, uma ave marinha, disse que os estragos causados pelo El Niño foram surpresa quando ele começou a trabalhar nas ilhas, na década de 1980.

"Agora estamos imaginando com que frequência acontecem essas coisas. O El Niño tem um efeito de rolo compressor", ele disse. "E vem acontecendo com frequência cada vez maior".

Ainda que as Galápagos estejam no coração dos trópicos geográficos, é difícil imaginar o fato, se você visitar uma das ilhas, por conta de uma vasta corrente que flui do sul do Chile rumo ao norte. A corrente de Humboldt mantém as ilhas frias e livres de chuva pela maior parte do ano, o que é incomum porque a linha do Equador cruza o arquipélago. Isso significa que as ilhas têm clima subtropical, e são um dos raros lugares em que pinguins e corais coexistem.

Mas às vezes a fria corrente de Humboldt se desacelera subitamente.

As águas do oceano começam a se aquecer rapidamente, com a temperatura subindo em até dois graus Celsius em poucos meses. Tempestades começam a varrer as ilhas, causando chuvas e inundações. E, como que da noite para o dia, as Galápagos se tornam mais quentes. É o começo do El Niño, "o menino", em espanhol, uma referência cunhada por pescadores peruanos porque as mudanças podem ocorrer na época do Natal.

"O sistema marinho das Galápagos é parecido com uma montanha russa", disse John Witman, professor de biologia na Universidade Brown que pesquisa sobre os ecossistemas do coral nas Galápagos, apontando que os picos de temperaturas quentes são seguidos por ondas de frio, conhecidas como La Niña.

O problema do aquecimento global, disse Witman, é que a linha de base sobre a qual são calculadas essas oscilações vêm subindo, em companhia das temperaturas do oceano. E isso em um momento em que a intensidade e frequência do El Niño vêm crescendo.

Antes de publicar "Moby Dick", Herman Melville navegou por perto das Galápagos e viu as grandes iguanas marinhas negras agarradas às rochas. Elas representavam "a mais estranha anomalia de uma natureza peculiar", ele escreveu em um ensaio literário publicado na década de 1850.

Uma anomalia especial das iguanas marinhos oferece uma pista sobre o que o aquecimento do mar pode estar reservando às Galápagos.

Martin Wikelski, biólogo evolutivo do Instituto Max Planck de Ornitologia, da Alemanha, estava passando uma temporada de pesquisa na ilha Genovesa quando percebeu algo de estranho em seus cálculos. Quando o mar esquentava, o tamanho dos iguanas começava a diminuir.

"É evidente que um animal não pode encolher, isso é impossível", ele disse ter pensado inicialmente. "Mas elas pareciam estranhas, como sapos com patas longas demais para o corpo".

A verdade é que os iguanas estavam de fato diminuindo.

A alta da temperatura do oceano significava menos algas, a principal fonte de comida dos iguanas marinhos. Os cientistas dizem acreditar que os répteis são capazes de reabsorver parte de seus esqueletos a fim de diminuir de tamanho e aumentar sua probabilidade de sobrevivência com uma dieta mais frugal. Hormônios associados ao estresse podem deflagrar o processo, mas pouco se compreende sobre sua adaptação. Mesmo assim, as mudanças podem ter posição central em sua sobrevivência, dados os ciclos mais frequentes para El Niño.

A evolução conduziu outros animais em direções diferentes, o que pode se provar fatal agora, com a alta da temperatura oceânica.

Em um dia recente na costa sul de Isabela, a maior ilha do arquipélago das Galápagos, um leão-marinho macho uivava ao lado de um grupo de filhotes, em uma piscina criada pela maré. Os leões-marinhos e as focas das ilhas não têm temporada fixa de acasalamento, e por isso os machos se defendem constantemente contra os competidores —uma vigilância constante que reduz o tempo que podem dedicar à busca de comida.

Quando sobe a temperatura do mar, a população de sardinhas em torno da ilha Isabela cai. No El Niño de 1982, quase todas as focas macho adultas morreram de fome. A maioria dos filhotes de foca nascidos naquele ano também morreram, porque os pais não tinham como alimentá-los, de acordo com um estudo do ecologista comportamental Fritz Trillmich.

"É como se a nossa geração não tivesse filhos", disse Robert Lamb, que está fazendo doutorado em ecologia e biologia evolutiva na Universidade Brown.

As criaturas estão desenvolvendo novas maneiras de caçar.

No mês passado, as rochas abruptas em uma pequena baía na costa norte de Isabela estavam recobertas de ossos de um peixe de grande porte —um atum, que os cientistas nunca tinham visto ser usado como alimento pelos leões-marinhos.

Mas pouco depois do amanhecer, em uma manhã recente, leões-marinhos encurralaram um grande atum na baía, e depois o mataram na água rasa.

Não há estudos que mostrem que isso é simplesmente um novo comportamento surgido quando as populações de peixes menores diminuíram, mas a nova dieta pode ser vantajosa para os leões marinhos se o El Niño se tornar mais frequente.

Outros animais têm menos opções para mudar de dieta.

Os patolas de pés azuis, aves conhecidas pelas patas coloridas e pela goela com jeito de colarinho de palhaço, se espalham pela costa das ilhas Galápagos. Quando em voo, esses predadores especializados em se alimentar de peixes sobem graciosamente e mergulham ferozmente rumo à água, disputando presas e dispersando cardumes de peixes para capturá-los um a um.

Os patolas no passado se alimentavam principalmente de sardinhas. Mas, por motivos desconhecidos, a população de sardinhas despencou em 1997, e o peixe continua escasso, forçando as aves a escolher outras presas. Quando a temperatura do mar sobe, no El Niño, os outros peixes também começam a desaparecer.

"Eles basicamente param de tentar procriar", disse Anderson, o biólogo da Universidade Wake Forest. Segundo ele, esse padrão se tornou mais frequente em paralelo com El Niño.

"Dentro de 100 anos, eu não me surpreenderia se os patolas tiverem desaparecido, caso a tendência atual persista", disse Anderson.

Comportamentos semelhantes podem ser vistos em outras aves aquáticas. Os pinguins das Galápagos, encontrados apenas nas ilhas, deixam de procriar quando a temperatura da água chega a 25ºC. Os biguás, uma ave que não voa, morrem de fome em seus ninhos porque não têm como viajar para outras áreas em busca de comida, quando a população de peixes em torno das ilhas diminui.

Embora temperaturas mais quentes muitas vezes representem o fim para espécies nativas que evoluíram no clima subtropical frio das Galápagos, para espécies invasoraelas criam uma oportunidade de florescer.

As florestas de escalésias, uma gigantesca árvore que produz margaridas e é única das Galápagos, já estavam encolhendo por conta do desmatamento de áreas para agricultura, nos altiplanos. As árvores estão acostumadas com climas amenos, e por isso as violentas tempestades tropicais causadas por El Niño podem devastar florestas. Embora destrutivas, as tempestades são há muito parte do ciclo natural das escalésias, e permitem que uma nova geração de árvores substitua a precedente.

Com a mudança do clima, porém, há uma interferência no processo. Por sob as florestas de escalésias, sementes de um arbusto invasivo aguardam a queda das árvores. Os arbustos se espalham rapidamente, bloqueando a nova geração de árvores.

"Temo que, se nada for feito quanto aos arbustos, as florestas de escalésias não se recuperarão, em longo prazo", disse Heinke Jäger, ecologista da Fundação Charles Darwin, nas Galápagos, em referência aos abalos repetidos causados por El Niño.

Jäger reparou que dois anos em que El Niño foi extremo, 1997 e 1998, coincidiram, com a introdução dos primeiros sapos na ilha, um sapo arbóreo (do gênero Scinax) que talvez ajude os arbustos a prosperar. Os sapos ameaçam causar sérios danos aos insetos e outros invertebrados das ilhas.

Outra espécie invasora que preocupa os cientistas é a saúva, que floresce em temperaturas quentes, come os ovos das tartarugas gigantes, e ataca as pernas e olhos dos animais adultos.

"Você as vê colocando um ovo ou dois, e então sendo atacadas pelas formigas", disse Christian Sevilla, conservacionista no parque nacional das Galápagos. "Elas jogam fora os demais ovos enquanto tentam escapar, com as formigas mordendo suas pernas".

Ironicamente, Darwin mesmo foi predador de tartarugas muito antes das formigas: "As tartarugas jovens ficam muito boas na sopa", ele escreveu em 1839.

Sevilla e outros empregados do parque estão estudando promover migrações para proteger as espécies ameaçadas contra a incidência mais frequente do El Niño, causada pela mudança do clima. O parque já tem um programa para criar tartarugas gigantes em cativeiro.

Tradução de Paulo Migliacci

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