Quase 20 anos após vazamento de óleo no Rio, pescadores ainda brigam por indenização

Rompimento de duto da Petrobras despejou 1,3 milhão de litros de petróleo na Baía de Guanabara

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Rio de Janeiro

Quase 20 anos após o vazamento de 1,3 milhão de litros de petróleo na Baía de Guanabara, pescadores afetados ainda brigam por indenização da Petrobras. Uma das maiores tragédias ambientais brasileiras, o derrame foi provocado pelo rompimento de um duto da Refinaria Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

No início do mês, depois de quase duas décadas de disputa judicial, Petrobras e a Feperj (Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro) chegaram a um acordo para o pagamento de cerca de R$ 7,7 mil para cada pessoa de um grupo de 12.180. A decisão, porém, é questionada pelo coletivo Pescadores com Dignidade, que tenta suspender o acordo.

Eles alegam que a Feperj não ouviu a categoria durante as negociações com a estatal e que a lista de indenizados está incorreta ao excluir pescadores de diversas colônias e incluir pessoas que não eram nascidas à época do desastre.

O vazamento ocorreu na madrugada do dia 18 de janeiro de 2000. O óleo se espalhou por 23 praias e atingiu a área de preservação ambiental de Guapimirim, a maior área de mangue preservado no estado do Rio, com grandes impactos ambientais e econômicos.

A ele se seguiram dois outros acidentes da estatal: em julho daquele mesmo ano, cerca de 4 milhões de litros de petróleo vazaram de um duto no Paraná para os rios Barigui e Iguaçu, e em 2001 uma explosão afundou a plataforma P-36, na Bacia de Campos, deixando 11 mortos e jogando 1,2 milhão de litros de petróleo no mar.

Os pescadores da Baía de Guanabara aguardavam julgamento do caso no STJ (Superior Tribunal de Justiça), marcado para 2020, quando a Feperj anunciou acordo com a estatal. No dia 11, a Justiça emitiu três mandados de pagamento pela Petrobras: de R$ 66,4 milhões para a federação e R$ 3,7 milhões para o escritório de advocacia que a representou.

O coletivo Pescadores por Dignidade, porém, foi ao Ministério Público Federal pedir a revisão do acordo. “99% dos pescadores não o aceitam”, defende a advogada do coletivo, Elza Maimone.

A primeira queixa é que a ação pede indenização por dez anos, mas o acordo só trata do pagamento por 45 dias de suspensão das atividades. A Petrobras já havia vencido esse ponto na Justiça, mas os pescadores recorreram.

“A federação renunciou aos dez anos e restringiu a uma lista de 12 mil pescadores, alguns que na data do derramamento tinham quatro anos de idade, gente que não pescava mais, uma série de irregularidades”, diz Maimone. “E excluiu dessa relação pescadores que eram registrados”, diz. 

A Folha conversou com diversos pescadores que alegam estar fora da lista, apesar de terem exercido a atividade na época do vazamento. 

É o caso de Hélio Pereira Filho, 51, registrado em 1999 como caranguejeiro na colônia Z-9, de Magé, uma das áreas mais atingidas pelo óleo. 

Como prova adicional, ele mostra um recorte de jornal da época do vazamento em que aparece na primeira página segurando um caranguejo coberto por óleo. “Olha a foto aqui. E eu não estou na lista.” 

Procurada, a Feperj disse que não comentaria o assunto. No dia 16 de dezembro, uma reunião com os pescadores que se dizem prejudicados terminou em acusações de intimidação por parte de seguranças da federação. Na quinta (19), os pescadores fizeram um protesto na Câmara Municipal de Niterói, onde está a sede da entidade.

A Petrobras diz que indenizou cerca de 4.000 pescadores com barcos e materiais de pesca, além de cestas básicas. A estatal pagou ainda R$ 754 (cerca de R$ 2.500 hoje) pelos 45 dias em que a atividade foi proibida na região.

A ação judicial, porém, foi iniciada por divergências em relação ao número de atingidos, e os pescadores alegam que o valor não foi suficiente. 

“Nossa rede ficou pretinha de óleo”, conta Luiz Gonzaga Antunes da Silva, 76. Hoje aposentado, ele diz que teve que viver de bicos enquanto não podia voltar ao mar. “Não podia parar, tinha que criar meus seis barrigudinhos”, diz, referindo-se aos filhos. 

Os pescadores dizem que os mangues e a própria baía permanecem com óleo no fundo. Mas, para especialistas, é difícil saber se ainda é resquício do vazamento do ano 2000 ou de outros derrames ocorridos desde então, provocados tanto por navios quanto por operações da Petrobras.

“A Reduc [Refinaria Duque de Caxias] continuava sendo, dez anos depois do acidente, a maior poluidora da baía, jogando inclusive muito óleo”, diz o deputado estadual e ex-secretário de Meio Ambiente do Rio, Carlos Minc (PV). 

Em 2011, durante sua gestão, a Petrobras assinou com o governo do estado um termo de ajustamento de conduta se comprometendo a investir para reduzir a poluição. 

Na quinta (19), porém, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu a suspensão das atividades da refinaria e investimento de R$ 50 milhões para compensar danos causados pelo lançamento de efluentes na baía. Para a procuradoria, a Petrobras não cumpriu o termo de compromisso.

O elevado tráfego de navios e o despejo de esgoto contribuem para continuar poluindo a área. Em dezembro de 2018, um vazamento provocado por tentativa de furto em duto da Petrobras jogou 60 mil litros de petróleo no rio Estrela, na região de Magé. A área, que já havia sido impactada pelo vazamento de 2000, tem hoje trechos de mangue praticamente sem vida.

“Antes da poluição, dava para pegar cinco tabuleiros [caixas] de caranguejos. Hoje só peguei duas”, diz Reginaldo dos Santos, 57, de Magé. “Tinha tainha rebojando [nadando na superfície]. Hoje isso aqui está um cemitério.”

“Eles conseguiram acabar com tudo. E não fazem nada para mudar”, afirma Paulo Batista dos Santos, 47, de Duque de Caxias. “Não dá para sobreviver mais, a gente passa fome porque não acha a quantidade de pescado que achava.”

Para Minc, as medidas compensatórias estipuladas pelos órgãos ambientais após o vazamento de 2000 foram parcialmente cumpridas pela estatal. “Do ponto de vista de medidas ligadas ao acidente, houve pouca repercussão.”

A Petrobras afirma que “estudos com a participação de instituições governamentais,  científicas e acadêmicas nacionais e internacionais indicaram que 30 dias após o acidente já não havia efeitos do vazamento de petróleo”. A companhia diz ter usado cerca de 2.400 pessoas e 96 embarcações na limpeza do óleo.

“Pesquisas atuais apontam que as principais causas da poluição na Baía de Guanabara são esgoto e lixo domésticos”, diz a estatal. Segundo a empresa, o vazamento foi um “divisor de águas”, que levou à reformulação de seu sistema de prevenção e resposta a acidentes, com a revisão do sistema de dutos e a implantação de centros de defesa ambiental.

O biólogo Mario Moscatelli diz que o manguezal da foz do rio Surubi, uma das áreas afetadas mais sensíveis, já mostra “vigor parecido àquele que tinha antes do vazamento”, embora ainda tenha cheiro de óleo. “O mangue tem pouco oxigênio, que é fundamental para atacar o resíduo oleoso. Então, esse resíduo vai ficar lá sabe-se lá por quanto tempo.”

Ele questiona a falta de condenações criminais de responsáveis por acidentes ambientais no país. “Tem multas para a pessoa jurídica, mas não tem nenhuma pessoa física punida. O que fica claro é que o mal ambiental no país compensa.”

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