Governo espera R$ 3,2 bi por ano de iniciativa privada para adoção de parques na Amazônia

Usado para alfinetar o ator Leonardo DiCaprio, programa Adote1Parque foi anunciado e prometido para 2020, mas seguia sem oficialização

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Brasília e São Paulo

Alegando falta de recursos financeiros, o governo federal assinou nesta terça-feira (9) um programa pelo qual espera arrecadar R$ 3,2 bilhões por ano da iniciativa privada nacional para a preservação de parques em reservas ambientais na Amazônia. O projeto, contudo, sem oficialização, vem sendo anunciado —e até servindo para provocações— desde julho de 2020.

O decreto que cria o programa foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em cerimônia no Palácio do Planalto, sem a presença do vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), presidente do Conselho da Amazônia, o qual foi segundo evento do dia do qual Mourão não participou.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, todos os integrantes do governo federal foram convidados. Questionado, Mourão disse que "estava trabalhando" na Vice-Presidência.

"Tinha outras coisas para fazer", respondeu quando questionado sobre sua ausência no evento. A agenda oficial dele, no entanto, não registra nenhum compromisso oficial entre 8h e 18h.

Em setembro de 2020, Salles usou o programa, que, formalmente ainda não existia, para tentar alfinetar o ator Leonardo DiCaprio, que criticava a política ambiental de Bolsonaro e postava "#AmazonOrBolsonaro" (#AmazôniaOuBolsonaro).

“O Brasil está lançando o projeto de preservação “Adote1parque”, o que possibilita você ou qualquer empresa ou indivíduo a escolher um dos 132 parques na Amazônia e diretamente patrociná-lo com 10 euros por hectare por ano. Você vai mostrar que não está falando só da boca para fora?”, disse, em inglês, o ministro em resposta a uma postagem do ator.

À época, o DiCaprio pedia para “desfinanciar Bolsonaro” em meio ao cenário crítico de desmatamento e queimadas.

Mesmo que ator quisesse “adotar um parque” àquela altura, nada de concreto existia sobre o programa. As promessas do projeto começaram em julho do ano passado, em meio ao crescimento da pressão internacional sobre a política ambiental de Bolsonaro e Salles por causa do aumento de desmatamento e queimadas, tanto na Amazônia quanto no Pantanal.

O “Adote1Parque”, mesmo sem oficialização, já teve vídeo divulgado e uma breve página destinada no site do ministério. Ao jornal britânico Financial Times, Salles prometeu, no começo de agosto de 2020, que o programa seria lançado na semana seguinte daquele mês. Não foi.

Sem formalizações sobre o projeto do qual falava, Salles foi questionado, na última segunda (8), pela jornalista Ana Carolina Amaral, do blog da Folha Ambiência, no programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan, sobre as negociações para parcerias sem publicações em Diário Oficial. "Não tem negociação", afirmou o ministro. "Estou procurando interessados."
Em janeiro, ao participar da versão virtual do Fórum Econômico Mundial de Davos, Mourão disse que a iniciativa privada tem que liderar investimentos na Amazônia porque o governo não terá recursos para isso no cenário de pós-pandemia.

Na primeira fase do programa Adote um Parque, o foco estará em 132 unidades de conservação federais na Amazônia. Os parques ocupam 15% do bioma, totalizando 63,6 milhões de hectares. O governo diz que é possível que o programa seja estendido para outros biomas, mas não deu um prazo.

Segundo o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), empresas e pessoas físicas nacionais podem adotar um parque pelo valor anual de R$ 50 por hectare. Empresas e pessoas físicas estrangeiras podem fazer o mesmo pagando anualmente € 10 (R$ 65,22) por hectare. Não é possível adotar apenas um hectare, apenas todo o parque.​ O apadrinhamento é anual e pode ser renovado por até cinco anos.

Antes mesmo de Bolsonaro assinar o decreto, Nöel Prioux, presidente do Carrefour América Latina, firmou um protocolo de intenções para adotar a Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, em Rondônia. São 75 mil hectares, totalizando R$ 3,8 milhões quando o acordo for celebrado de fato.

O Carrefour tenta recuperar sua imagem no Brasil, abalada desde que um homem negro foi morto após ser espancado por dois seguranças brancos em uma de suas unidades em novembro do ano passado.

Já o Brasil tenta melhorar sua relação com a França, um dos principais críticos da condução do governo Bolsonaro no enfrentamento às queimadas e na preservação ambiental.

"Para minha grata surpresa e alegria, o primeiro CEO que incorporou é uma rede de supermercados francesa", disse Bolsonaro em seu discurso.

"Podemos falar para aqueles que nos criticam é o seguinte: olha, nós não temos condições, por questões econômicas de atender nesta área, venha nos ajudar. E uma empresa francesa foi a primeira que apareceu e isso, obviamente, é um marco para nós", afirmou o presidente.

Após a cerimônia, em entrevista, Salles disse que o fato de o primeiro parceiro ser francês é "uma feliz coincidência".

Em seu discurso, Bolsonaro voltou a insistir que a bacia amazônica não pega fogo e afirmou que a região foi muito ampliada no passado "por questões de interesses de estados, de regiões, para conseguir benefícios".

Ele admitiu que "alguns problemas temos nessas áreas" e reclamou das críticas que recebe por isso.

"Quando acontece algum problema conosco, a grande maioria dos países entende isso, mas uma minoria usa politicamente. A gente sente. A nossa região amazônica é maior que a Europa Ocidental, cabe dentro dela mais de uma dezena de países da Europa. Como é difícil, Ricardo Salles, tomar conta disso tudo. E vem aquela bronca, aquela .50 em cima do meu peito em especial", afirmou Bolsonaro.

No fim do dia, ao conversar com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro, ao mencionar a França, falou em "reconciliação".

"É uma reconciliação, né? Qual o país tem a maior divisa com a França? É o Brasil, 730 km", disse Bolsonaro, numa referência à Guiana Francesa, que faz fronteira com o Brasil.

O presidente disse que o Brasil não tem problema com "quase que país nenhum no mundo" e que, no que depender dele "as coisas sempre podem melhorar". O mandatário afirmou que, neste sentido, o discurso que havia feito pouco antes "ajudou um pouco nisso".

"Agora, tem país que olha o Brasil e vê como um rival nos (sic) commodities, aí, vem os ataques. Mas tudo bem. Tudo em paz aí, um abraço a todo o povo francês", disse Bolsonaro.

As declarações aos apoiadores foram gravadas e transmitidas por um canal de internet simpático ao presidente.

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