Fotógrafa viaja atrás de 365 espécies de beija-flores

Youtuber americana circula pelas Américas registrando passarinhos; pelo Brasil, ela já passou duas vezes

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Los Angeles (EUA)

Depois de dois dias acampando em montanhas frias e remotas do norte da Colômbia, a americana Carole Turek atingiu 3.000 metros de altitude e finalmente avistou o que tanto procurava: um passarinho de apenas 12 centímetros, um dos mais raros do mundo, que bebericava flores laranjas sem ligar para a chegada dos visitantes.

O colibri-de-barba-azul era a 150ª espécie de beija-flor registrada pela fotógrafa de então 70 anos. A viagem fazia parte de sua missão de fotografar todas as 365 espécies de beija-flores do mundo, que habitam apenas as Américas, do Alasca (EUA) a Ushuaia (Argentina). Desde 2018, ela já fez 197 registros em sete países.

Colibri-de-barba-azul fotografado em Sierra Nevada de Santa Marta, na Colômbia - Carole Turek/Hummingbird Spot

"Beija-flores são tão diferentes dos outros pássaros", disse Turek à Folha na enorme varanda de sua casa em Studio City, bairro de Los Angeles, enquanto dezenas de beija-flores se alimentavam em seus 16 bebedouros.

"Eles voam como insetos, são os únicos que podem voar para trás e até de cabeça para baixo. E você pode aprender a alimentá-los na mão. Há algo certamente mágico sobre eles", explicou.

Para ela, "é curiosa a percepção que as pessoas têm dos beija-flores". "Veem neles pequenas fadas graciosas ou mensageiros do céu, quando na verdade eles são agressivos, guerreiros devastadores, criaturas solitárias."

A viagem ao norte da Colômbia aconteceu em fevereiro de 2020. O colibri-de-barba-azul era considerado extinto desde os anos 1940, até uma dupla de pesquisadores colombianos encontrá-lo por acaso na Sierra Nevada de Santa Marta em 2015.

Para conseguir fotografá-lo, Turek subiu 30 quilômetros pelas montanhas com uma equipe de oito pessoas e quatro cavalos, numa expedição montada só para ela e com aval da comunidade indígena local.

O resultado da viagem está em detalhes no seu canal do YouTube, Hummingbird Spot (youtube.com/c/HummingbirdSpot/ - há legendas automáticas em português).

"Sabia que tinha que achá-lo logo porque não estou ficando mais jovem", disse Turek, que é também anestesista em hospitais de Los Angeles. "Tive três meses para me preparar para essa viagem. Comecei a malhar como louca, fazia trilhas todos os dias e arranjei uma personal trainer."

Camiseta e capacho de beija-flor

Turek recebeu a reportagem da Folha de camiseta estampada com seu beija-flor favorito, o colibri sílfide, uma imagem que ela tirou no Peru. O macho tem duas longuíssimas penas que terminam em discos azulados. Na porta do apartamento, o capacho também é temático.

Colibri sílfide, no Peru - Carole Turek/Hummingbird Spot

Seu canal do YouTube tem mais de 72 mil assinantes e 5 milhões de visualizações. Ela publica diários de suas viagens aos domingos, além de ter uma câmera ao vivo exibindo de perto os beija-flores que frequentam sua varanda. Há também um link ao vivo de uma câmera apontada para um ninho.

Para manter seus 16 bebedouros, Turek conta com a ajuda do marido e de uma faxineira. Na época mais movimentada, entre janeiro e fevereiro, chega a usar 40 quilos de açúcar por semana para preparar a água que é o "combustível" dos pássaros.

Ela começou a alimentar beija-flores 25 anos atrás, mas só recentemente tomou gosto pela fotografia. "As pessoas olham minhas fotos e acham que fotografo há 20, 30 anos. A verdade é que faz muito pouco tempo, e a diferença é que tenho muito material para praticar", disse Turek, que comprou a primeira câmera profissional em 2017 e fez cursos online.

"Costumava sentar aqui por horas para fotografá-los e ia testando as configurações da câmera. Você aprende rápido quando realmente se dedica."

Com o tempo, ficou "meio entediada" de fotografar sempre os mesmos visitantes e decidiu viajar ao estado vizinho do Arizona, uma meca de beija-flores nos EUA. De lá, caiu no mundo.

Visitas ao Brasil

Nos EUA, há apenas 15 espécies de beija-flores, de acordo com a American Bird Conservancy, contra mais de 40 em Honduras, a primeira parada internacional da missão fotográfica de Turek, em 2018.

Já o Brasil abriga 84 espécies, das quais 16 são endêmicas (que só ocorrem no país), segundo o Instituto Nacional da Mata Atlântica.

"Meu marido ficou super preocupado quando avisei que ia sozinha para Honduras, mas ia com um guia local e ele parecia muito bacana e eu ficaria o tempo todo com ele", contou Turek sobre o hondurenho William Orellana, da agência Beaks and Peaks, que acabou virando seu parceiro na missão.

Orellana organiza as excursões de Turek e é também cinegrafista e operador do drone nos vídeos do Hummingbird Spot. A dupla trabalha com guias locais para conseguir avistar os beija-flores e, ainda assim, não é sempre tarefa fácil.

"Muito do nosso trabalho é esperar. Sentar e esperar muito", disse, lembrando-se de uma vez na Costa Rica, na reserva El Tapir, quando passou seis horas em frente de umas plantas para conseguir bons registros do beija-flor-de-cabeça-branca, um pássaro vermelho com topete branco.

No Brasil, já passou duas vezes. A última foi em setembro, quando produziu nove vídeos pela Amazônia e registrou 11 espécies de beija-flores.

Entre elas, estavam o colorido topázio-de-fogo, que Turek classificou como o mais lindo que já viu no Brasil, e o raríssimo rabo-branco-do-tapajós, do qual até então não havia nenhum vídeo na internet. Para achá-lo, ela contou com a ajuda do especialista brasileiro Jarbas Mattos.

Topázio-de-fogo, em Manacapuru, no Amazonas - Carole Turek/Hummingbird Spot

"Carole é muito focada e uma simpatia, topa tudo, não tem medo. É muito prazeroso conseguir mostrar o que ela procura. Ela é apaixonada, fica emocionada, só falta chorar", contou Mattos, biólogo e fotógrafo que é guia de observação de aves desde 2012.

"A gente só preserva aquilo que a gente conhece, e ela faz justamente isso nos vídeos", continuou o brasileiro. "Ela mostra a região, o entorno, o povo. Ajuda a preservar o animal criando uma ferramenta de conhecimento fantástica."

Com mais de 150 espécies ainda para fotografar, a americana sabe que tem muitas aventuras pela frente, e algumas talvez mais radicais que escalar montanhas remotas na Colômbia.

"Tem um passarinho bem complicado que só existe na Colômbia, numa região de fazendas de coca", disse Turek. "Acho que os cartéis de drogas não ficariam nada felizes de encontrar uma senhora tirando fotos por lá. Mas darei um jeito."

Como ter um beija-flor feliz

Dicas de Carole Turek

1 - Alimentação
"Beija-flores bebem muito néctar e dependem dele para obter energia, mas eles também comem insetos. A água com açúcar é apenas sua gasolina para ir atrás da proteína."

2 - Só açúcar branco
"Sempre faça o néctar com uma parte de açúcar para quatro partes de água. E use apenas açúcar branco puro granulado. Colocar açúcar mascavo ou mel pode prejudicá-los. Tinta vermelha também não serve para nada."

3 - Cuidar do néctar
"Como qualquer comida, néctar estraga se deixado em temperaturas quentes dias a fio. Bactérias e fungos crescem rapidamente na solução, e você não quer alimentar os beija-flores com isso. Eles vão se lembrar disso e não vão voltar."

4 - Limpar sempre
"Toda vez que encher o bebedouro, dê uma boa limpada, ou pelo menos a cada dois ou três dias. Eu coloco vinagre ou água oxigenada num spray e molho todas as superfícies, esfrego, enxáguo bem e encho de volta", ensina.

"Se um beija-flor pegar candidíase na língua, a língua vai inchar, ele não será capaz de beber e terá uma morte horrível."

5 - Briguentos
"Uma vez que um beija-flor achar seu bebedouro, ele vai proteger de forma bem agressiva porque sua vida vai depender dele. Se quiser mais passarinhos, a solução é geralmente pendurar mais bebedouros, com uma certa distância. E ter paciência."

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