Descrição de chapéu mudança climática

Apenas 15% das áreas costeiras do planeta estão intactas, diz estudo

Pressão humana já afeta mais de 60% de todas as regiões litorâneas, com efeitos na pesca e na captura de carbono pelos oceanos

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São Paulo

Em todo o mundo, cerca de 15,5% (aproximadamente 160 mil km) das áreas costeiras estão intactas. O restante apresenta áreas com algum tipo de impacto causado pela atividade humana, como pela pesca, ou pelas mudanças climáticas.

Desses 84,5% restantes, 14% estão com praticamente nenhuma área intacta, distribuídos em regiões costeiras de 26 países onde o impacto humano foi elevado, como em ilhas e arquipélagos (Singapura, Aruba e Dominica são alguns dos exemplos), mas também em regiões continentais de países da África e da Ásia.

Os resultados são de um estudo de pesquisadores da Universidade de Queensland e Melbourne (Austrália), da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (EUA), da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e da Sociedade para Conservação da Vida Selvagem (WCS, na sigla em inglês), publicado em fevereiro na revista Conservation Biology.

Tartarugas da espécie Lepidochelys olivacea encontradas mortas nos Lençóis Maranhenses, no Maranhão - Luis Eduardo S. Ribeiro - fev.2017/Queamar/UFMA

Atualmente, quase três quartos (74%) da população mundial vivem em áreas costeiras ou próximas a regiões costeiras, definidas como até 50 km de distância do oceano.

Entre os países ou regiões com áreas intactas estão o Canadá, que preservou 53,4% de toda a sua costa (60.855 km, ou 7,93% do valor global), a Rússia, com 40,7% de sua região costeira conservada (34.737 km, ou 4,52% do valor mundial) e a Groenlândia, com 44,1% (cerca de 19 mil km, equivalente a 2,5% do total do planeta).

Já entre aqueles que possuem um impacto reduzido, com cerca de 60% a 80% da área intacta, estão Brasil, Chile, Austrália, Estados Unidos, Indonésia, Papua-Nova Guiné, Ilhas Malvinas e Ilhas Salomão.

Além disso, a pesquisa incluiu as áreas consideradas protegidas, que são geralmente parques ou demarcações territoriais com algum tipo de legislação que impedem a sua degradação. Em todo o mundo, 16,4% das regiões costeiras fazem parte dessa categoria, segundo os dados analisados do Banco de Dados Mundial de Áreas Protegidas (WDPA, na sigla em inglês).

Dados brasileiros analisados pelo estudo mostram que 26,82% do litoral brasileiro possuem áreas de proteção, enquanto em 68,5% do país as áreas costeiras apresentam menos de 20% de preservação. Em locais onde há preservação terrestre e costeira, por exemplo no Parque Estadual Lagamar da Cananeia, no litoral sul de São Paulo, a área costeira é quase 100% preservada, com baixo impacto humano.

Os impactos humanos encontrados foram maiores em áreas costeiras próximas às chamadas "florestas aquáticas submersas" formadas por algas, savanas e recifes de corais, com mais de 70% dessas formações apresentando a classificação de pressão humana elevada (quando há de 0% a 20% de áreas intactas).

Já regiões próximas a desertos, florestas ou manguezais foram as áreas mais preservadas (de 80% a 100% intactas), embora respondam por menos de 4% das áreas costeiras globais.

Segundo Brooke Williams, pesquisadora da Universidade de Queensland e primeira autora do estudo, a importância dos oceanos para a atividade humana reforça sua necessidade de preservação.

"Essa conservação é essencial especialmente para aqueles que necessitam dos recursos oceânicos para sobrevivência, como por ser fonte de alimento ou renda [como a pesca] ou por ajudar na prevenção e redução de eventos de tempestade extremos. Esses serviços ou benefícios são perdidos quando os ecossistemas são degradados, com impacto negativo em milhões de pessoas", disse à Folha.

Williams ressalta que embora na análise a maior parte das áreas costeiras intactas estejam em locais com menor densidade populacional, como o Canadá, uma recuperação global em larga escala é necessária para preservar regiões costeiras mesmo em locais densamente povoados, como a região tropical.

Para ela, a criação de parques estratégicos de preservação é necessária para não só manter as áreas consideradas intactas dessa forma, mas também para preservar as comunidades locais.

"A expansão de áreas protegidas estrategicamente localizadas é uma ferramenta importante, mas isso não significa que as pessoas não podem ter acesso às áreas costeiras. As comunidades locais devem ter o direito de gerenciar os próprios recursos de forma sustentável, e a degradação começa a surgir quando a exploração é industrializada", completa.

Um estudo publicado na última quinta (5) na revista científica Science Advances encontrou evidências de como a participação comunitária em áreas costeiras está diretamente relacionada com uma maior conservação de áreas protegidas.

De acordo com o estudo conjunto da Universidade Internacional da Flórida (EUA), do Centro para Pesquisa Marinha Tropical Leibniz (Alemanha), do Fundo Mundial para Conservação da Fauna na Indonésia e demais instituições, em seis anos os indicadores de quatro áreas consideradas de multiúso para proteção ambiental (quando é possível algum tipo de atividade humana) tiveram aumento da biomassa total de peixes de pelo menos sete famílias encontradas ali.

"Que a frequência de multas e a participação no processo de decisão das comunidades locais e pessoas indígenas para conservação das áreas costeiras foram negativamente relacionadas foi o achado mais interessante do nosso estudo", diz Robert Fidler, pesquisador da Universidade da Flórida e primeiro autor do artigo.

"Embora seja difícil afirmar com certeza, nossa hipótese é que quando há mais engajamento das populações locais no processo de preservação, menos multas são aplicadas e consequentemente mais do ambiente é conservado."

Estradivari, da Universidade de Leibniz, destaca que o governo indonésio, por exemplo, reforçou nos últimos anos a importância da comunidade na elaboração de áreas protegidas no arquipélago.

"Na última década foram incorporados aspectos sociais para a delimitação das áreas protegidas multiúso ao designar áreas marinhas tradicionais, determinando representantes comunitários como times de patrulha e incorporando regras locais para a administração e controle das zonas protegidas", explica.

"Precisamos continuar fazendo essas ações e utilizar o que aprendemos em outras regiões do país e do mundo como exemplo", conclui.

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