Descrição de chapéu desmatamento

Após dez anos de Código Florestal, 0,01% dos imóveis rurais aderem à regularização

Cadastro Ambiental Rural sofre travas de gestão, enquanto Congresso propõe novas flexibilizações para a legislação

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São Paulo

A vitória foi da bancada ruralista do Congresso quando, em 25 de maio de 2012, um novo Código Florestal foi sancionado pela então presidente Dilma Rousseff. ​

Apesar de ter diminuído as exigências de proteção ambiental, a nova legislação previa um instrumento para viabilizar o cumprimento das novas normas pelos proprietários rurais: o CAR (Cadastro Ambiental Rural). A ferramenta, a ser implementada pelos estados em parceria com o governo federal, ditaria os passos até a recomposição das áreas desmatadas ilegalmente em propriedades rurais.

Dez anos depois, apenas 28,6 mil dos 6,5 milhões de imóveis cadastrados foram analisados, segundo dados do SFB (Serviço Florestal Brasileiro), o que representa menos de 0,5% dos imóveis.

Mas o objetivo final do cadastro está ainda mais distante: após a análise e a validação dos cadastros, vem a fase de adesão ao Programa de Regularização Ambiental.

De um lado, área desmatada e de outro área com mata
Desmatamento perto de borda entre Amazônia e Cerrado, em Nova Xavantina, Mato Grosso - 28.jul.2021 - Amanda Perobelli/Reuters

Segundo o SFB, 52% dos 6,5 milhões de cadastrados já pediram para aderir à regularização ambiental. No entanto, apenas 1.169 termos de compromisso foram assinados em todo o país, o que corresponde a 0,01% dos imóveis cadastrados.

Os dados foram extraídos do relatório anual "Onde Estamos na Implementação do Código Florestal?", publicado no final do ano pela Climate Policy Initiative, e são citados também em um relatório interno do SFB ao qual a Folha teve acesso.

Os acordos foram firmados em quatro estados: Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Além desses, apenas mais dois estados têm solução tecnológica implementada para a regularização ambiental: Bahia e Mato Grosso do Sul, que usam compromissos autodeclaratórios e não foram computados pela análise da Climate Policy Initiative.

A Folha apurou que o módulo computacional que permite a gestão da regularização ambiental ainda não foi implantado pelo SFB nos estados que dependem do apoio técnico federal.

O sistema operacional da regularização ambiental permite a elaboração do termo de compromisso para que o proprietário rural se adeque à lei, fazendo, por exemplo, a recomposição ou compensação de áreas desmatadas de Reserva Legal (cota do terreno que deve ser conservada com vegetação nativa, com taxas que variam conforme o bioma) e a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (as APPs, que correspondem a margens de rios, topos de morro e encostas).

A lentidão se agravou com remanejamentos de cargos feitos no último ano através dos decretos 10.662/21 e 10.827/21 pelo Ministério da Agricultura —responsável pelo sistema do CAR desde que o SFB foi transferido da pasta ambiental, no início do governo Bolsonaro.

Com o novo decreto, a diretoria de tecnologia de informação do SFB deixou de atuar com foco na gestão CAR e passou a atender demandas de todo o Ministério da Agricultura, o que levou a sobrecarga e instabilidades no sistema, segundo fontes de governos estaduais.

A chamada ferramenta de análise dinamizada, que permite a automação da avaliação dos cadastros através de georreferenciamento, está paralisada desde março, segundo a Folha apurou. Técnicos que usam o Sicar (Sistema de Cadastro Ambiental Rural) afirmam temer o colapso do sistema de gestão dos cadastros.

Procurado, o Ministério da Agricultura não comentou as mudanças recentes na gestão ​do SFB. "Compete às Unidades Federativas a análise do Cadastro Ambiental Rural. Cabe ao Serviço Florestal Brasileiro, como órgão coordenador da política nacionalmente, dar suporte e buscar meios para dar celeridade a este processo", afirmou a pasta em nota.

Entre os imóveis cadastrados em todo o país, há 4,7 milhões de hectares de APPs que precisam de recomposição da vegetação nativa e 37,9 milhões de hectares no caso das áreas de Reserva Legal, segundo o SFB.

"Nos estados em que a atividade principal é a pecuária, a resistência [à regularização ambiental] parece ser ainda maior, uma vez que a recuperação das áreas depende do cercamento das áreas e o produtor não tem interesse em recuperar a vegetação de forma produtiva, com sistemas agroflorestais", avalia o relatório da Climate Policy Initiative.

O recibo de inscrição no CAR é exigência legal para acesso ao crédito rural e ao seguro agrícola, mas a condição não implica a fase de validação. Como incentivo à implementação do CAR, o Plano Safra 2020/21 prevê aumentar o limite de crédito em 10% para os produtores que tiverem seus cadastros validados (não só inscritos).

Apesar disso, a avaliação interna do governo é que os benefícios não competem com os custos da regularização e com a baixa efetividade das ações de fiscalização, que não fazem valer o que foi fixado pela lei. O diagnóstico foi produzido no início do ano pelo SFB em parceria com a Giz, agência de cooperação técnica alemã.

Falta de engajamento dos proprietários, acordos de regularização exíguos, falta de capacidade institucional, regulamentações estaduais incompletas e insegurança jurídica completam os gargalos no diagnóstico do SFB.

Enquanto a implementação do principal instrumento do Código Florestal sofre travas de gestão no Executivo, o Congresso recebe novas tentativas de flexibilizar a legislação. Na Câmara, há 90 projetos de lei em tramitação relacionados a alterações do Código Florestal. No Senado, dois projetos já contam com relatório favorável para votação pela Comissão de Agricultura.

Um deles, de autoria do senador Irajá (PSD-TO), propõe alterar o dispositivo mais polêmico do Código Florestal, que chegou a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal: o da anistia a desmate ilegal em imóveis rurais. Pela lei, o ano-limite para que o imóvel negocie a regularização ambiental, sem sofrer punições, é 2008. O senador propõe estender esse prazo para o ano de 2012.

Para o advogado e consultor sênior de direito socioambiental do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), André Lima, o Código Florestal precisa avançar na direção oposta: de implementação, em vez de alteração da lei.

"É preciso cancelar imediatamente os cadastros de imóveis sobrepostos com terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas, para retirar qualquer expectativa de direito à regularização fundiária nessas áreas cujas leis impedem regularização", aponta Lima.

Ele também propõe que o CAR seja usado para responsabilizar de forma remota, automática e em escala os infratores ambientais.

"Tal qual opera hoje de forma ágil e eficaz o sistema de responsabilização de infratores de trânsito", compara. As propostas do IDS serão levadas a uma audiência pública convocada pelo Senado para a manhã desta quarta-feira (25), pelos dez anos do CAR.

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