Descrição de chapéu Planeta em Transe

Cientistas buscam sinais de derretimento e colapso na Antártida

Pesquisadores apostam em novas técnicas para prever comportamento das geleiras

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Marcelo Lima Loreto
Nova York

Com o derretimento de geleiras instáveis nas bordas da Antártida ocidental, projetos internacionais têm recorrido a novos métodos para investigar a região mais instável do continente. A ideia é buscar respostas para as incertezas acerca do ritmo e causas desse processo e estimar quando podem colapsar.

Essas geleiras seguram a massa de gelo no interior do continente, impedindo seu deslizamento para o mar. Se derreterem e colapsarem, a elevação do nível do mar deverá ser a principal consequência, o que impactaria cerca de 800 milhões de pessoas nas regiões costeiras.

A professora Ilana Wainer, do Instituto Oceanográfico da USP, disse à Folha que inexistem hoje modelos gerais que façam projeções de derretimento ou colapso. São modelos experimentais, específicos para cada tipo de ambiente da Antártida.

O britânico Alex Brisbourne, do British Antarctic Survey, por sua vez, afirmou que o último relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) reconheceu a instabilidade das geleiras e a possibilidade do colapso, mas na categoria de "baixa probabilidade" e capacidade de "alto impacto".

Borda da geleira Thwaites
Borda da geleira Thwaites - Nasa

A Antártida acumula 90% do gelo terrestre. Satélites detectaram redução expressiva deste gelo nos últimos 20 anos, especialmente nas geleiras Pine Island e Thwaites, na Antártica Ocidental. Uma média anual de 150 gigatoneladas de gelo foi drenada ao mar, elevando seu nível em 0,4 milímetros por ano.

Um estudo recém-publicado mostrou que as geleiras Pine e Thwaites encolhem mais rápido do que nos últimos 5000 anos. Cientistas usaram datação por carbono-14 para estimar a idade de conchas e ossos de pinguim antigos encontrados em praias próximas às geleiras, a fim de estimar variações no mar do passado.

Theodore Scambos lidera a Colaboração Internacional da Geleira Thwaites, projeto mais avançado e caro (R$ 200 milhões) que monitora Thwaites, apelidada de "geleira do fim mundo" (doomsday glacier).

Thwaites tem tamanho equivalente à Grã-Bretanha e potencial de elevar —sozinha— até 65 cm o nível do mar caso entre em colapso. Desde a revolução industrial, o mar elevou-se cerca de 18 cm.

Scambos considera que "já podemos estar no início de um eventual colapso do manto de gelo". O colapso de Thwaites levaria algumas centenas de anos, avalia. O problema é que, à medida que isso se desenvolve, o aumento no nível do mar poderia mais que dobrar, forçando cidades costeiras a construírem defesas contra a água.

Jefferson Simões, glaciologista líder do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, contou à Folha que pretende ir à geleira Pine Island em dezembro para estudar sua variabilidade climática. A equipe ficará isolada por dois meses no local. Para qualquer emergência, a próxima estação está a centenas de quilômetros.

No cenário de maior risco do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), sem levar em conta o colapso, o aumento do nível do mar previsto para 2100 para a costa brasileira é de 90 cm a 1 metro.

Brenda Hall, paleoclimatologista da Universidade de Maine (EUA), disse à reportagem que a principal dificuldade para prever derretimento das geleiras é o curto período de observação (70 anos) em relação às grandes escalas temporais de mudanças no manto de gelo, que são da ordem de milhares ou milhões de anos.

"Precisamos olhar para o passado, descobrir como o gelo se comportou e tentar prever seu comportamento no futuro", disse Hall.

Pine Island, em registro feito em janeiro de 2010 - AFP/University of Washington/Joughin

Suspeita-se que o último colapso da Antártida ocidental foi há 120 mil anos, segundo Heitor Evangelista, paleoclimatologista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Houve outro colapso no Plioceno, há cerca de 4 milhões de anos, quando a concentração de CO atmosférico atingiu 400 partes por milhão (ppm). Na última década, essa marca foi ultrapassada, e atualmente a média global está em 418 ppm, de acordo com dados divulgados pelo Laboratório de Monitoramento Global, EUA.

Evangelista alerta que "nessas condições, o colapso é um cenário possível, como já ocorreu historicamente, quando o nível do mar era entre seis e nove metros maior que hoje".

Para inferir a composição atmosférica do passado, cientistas perfuraram o gelo e alcançaram amostras profundas do solo até 20 milhões de anos atrás. O projeto internacional Andrill (Antarctic Drilling Project) conduziu as investigações.

Scambos disse que os derretimentos mais relevantes ocorrem nas bases das geleiras, onde elas são banhadas pelas águas oceânicas aquecidas, e vão erodindo lentamente e se desestabilizando.

Cientistas usam robôs submarinos autônomos, como Icefin, desenvolvido no Georgia Institute of Technology (EUA) para explorar as bases das geleiras. O veículo mergulha até 1 km de profundidade e é equipado com câmeras HD, sonar, altímetro e outros poderosos sensores.

O calor geotérmico, produzido no interior da Terra, também aquece as geleiras da Antártida ocidental. A região possui intensa atividade sísmica, dezenas de vulcões sob o gelo, alguns ativos inclusive.

Um fenômeno recente é a formação de lagos de água derretida nas superfícies das geleiras durante os "melting days" (dias de derretimento). Essa água infiltra-se nas geleiras, alimentando as águas subglaciais, e "funciona" como um sabão, aumentando o deslizamento das geleiras em direção ao mar", segundo Heitor Evangelista.

O cientista vai ao interior da Antártida em dezembro tentar identificar o fenômeno utilizando equipamentos do módulo de pesquisa brasileiro Criosfera 1.

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