Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Incêndios na Amazônia enchem de fumaça céu de Manaus e Porto Velho

Queimada na região do rio Manicoré, no sul do Amazonas, equivale a 11 parques Ibirapuera

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Manaus

"O fogo não vai parar agora. É uma extensão grande e ninguém está agindo para apagar." Essa é a avaliação da presidente da Caarim (Central de Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré), Maria Cléia Delgado, 53.

Ela diz nunca ter visto incêndio nessa proporção em Manicoré, no sul do Amazonas. A localidade está no ranking dos dez municípios brasileiros com o maior número de focos de incêndio acumulados neste mês, entre 1º e 23 de agosto.

De acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a última segunda (22) registrou o maior número de queimadas na Amazônia para o mês de agosto desde 2017.

Fumaça cinza cobre região de Manaus
Fumaça de queimadas da Amazônia encobre Manaus (AM), no sábado (20) - 20.ago.2022 - Edmar Barros/Futura Press/Folhapress

Em Manicoré, há quase dez dias um incêndio avança pela floresta. Na última semana, a fumaça deixou, inclusive, o céu de Manaus (a cerca de 332 quilômetros) cinza em pleno dia de verão amazônico, piorando a sensação de calor.

Na capital, a imagem do céu fechado, mas sem chuva começou em junho deste ano. Porém, desde o último final de semana, piorou.

O mesmo aspecto cinza tomou conta de Porto Velho, em Rondônia, nos últimos dias.

O incêndio de grandes proporções em Manicoré foi detectado por uma equipe do Greenpeace que sobrevoou o local em 18 de agosto e identificou uma área de 1.800 hectares (o equivalente a 11 parques Ibirapuera) sendo destruída pelo fogo na região demarcada pela CDRU (Concessão de Direito Real de Uso), do Governo do Amazonas a moradores das comunidades do rio Manicoré.

A devastação ocorre dois meses após o governador do Amazonas e candidato à reeleição, Wilson Lima (União Brasil), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), declarar que iria "até as últimas consequências" e que ia "lutar contra" para impedir a criação de RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) na região do rio Manicoré ao visitar a cidade em campanha. A RDS é pleito das comunidades tradicionais da região há 16 anos.

"A cidade (Manicoré) ficou toda cheia de fumaça. Muito abafado. As pessoas ficam com mais tosse, falta de ar, dor no olho, tudo proveniente da fumaça", disse Maria Cléia.

A presidente da Caarim afirma que, neste período, pessoas de fora do Amazonas chegaram a Manicoré e moradores suspeitam que elas participem dos incêndios criminosos. "Dizem por aí que querem construir uma pista de avião e abrir uma fazenda. Estão tomando as terras do rio Manicoré. Ficam aí, bebendo pela cidade. A gente nem sai de casa", afirmou Maria Cléia.

De acordo com o procurador e coordenador de Meio Ambiente do MPC-AM (Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas), Ruy Marcelo Alencar, a fumaça que se tornou mais densa nos últimos dias e encobre Manaus é proveniente do sul do Amazonas e de queimadas não só em Manicoré, como também em Lábrea e Apuí.

Entre 19 e 23 de agosto, os focos de incêndio registrados em outros dez municípios da Amazônia superaram Manicoré, entre os quais Humaitá, Boca do Acre, Lábrea e Boca do Acre, também no sul do Amazonas. Constam nesta lista, ainda, Novo Progresso, São Félix do Xingu e Altamira, no Pará; Feijó e Tarauacá, no Acre; Porto Velho e Candeias do Jamari, em Rondônia.

Ruy Marcelo afirma que todos esses municípios estão no contexto do avanço da devastação na Amazônia e do arco do desmatamento que avança para áreas mais preservadas e, por isso, requisitam ação urgente do Estado.

Segundo o procurador, o problema em Manicoré foi detectado por denúncias que chegaram ao MPC, satélites dos sistemas do Inpe e também em tecnologias que monitoram o sentido dos ventos.

"Essa tecnologia de monitoramento nos mostra que toda essa fumaça e ventos que chegam à região metropolitana de Manaus vêm das queimadas ilegais provocadas no sul do Amazonas. Esse processo reflete um processo de desmatamento ilegal, que ocorre antes com extração de madeira, predominantemente ilegal", declarou.

O procurador requisitou a cinco secretarias do Governo do Amazonas medidas urgentes para o controle dos focos de incêndio na área de Concessão de Direito Real de Uso em Manicoré para preservar a integridade das famílias e do meio ambiente, bem como evitar o posterior adoecimento das pessoas atingidas pelo efeito da fumaça em Manaus.

Segundo o procurador, é preciso um estudo mais aprofundado para avaliar os efeitos da fumaça na saúde da população em Manaus, mas a fumaça aumenta os riscos de doenças respiratórias.

Ruy Marcelo afirma que o fato de o incêndio ocorrer em local que não é uma unidade de conservação não exclui a necessidade de atuação de comando e controle do governo para garantir a segurança da população e reprimir as ilegalidades que degradam a floresta.

"Trata-se de imóvel pertencente ao Estado ocupado por comunidades tradicionais que precisam ter seus direitos garantidos pelo Estado em função desse conflito de uso da floresta. Entretanto, esses terceiros invadem e querem impor um regime de extração de madeira incompatível e irregular. Então, o Estado tem que fazer valer seu comando e controle, fazer a garantia da lei e da ordem naquela região e principalmente zelar pela incolumidade daquelas populações", declarou o procurador de contas.

O Governo do Amazonas disse que reforçou o contingente de técnicos ambientais e de segurança pública na região de Apuí, Humaitá, Lábrea e Manicoré para combater os focos de queimadas. Segundo a gestão, também houve reforço na estruturação de brigadas locais.

A reportagem solicitou informações sobre monitoramento de queimadas, mas os questionamentos não foram respondidos. O governo também não quis comentar as declarações do governador Wilson Lima contra unidade de conservação na área que virou foco de queimadas.

Ainda segundo o Governo do Amazonas, não houve aumento de registros de atendimentos por doenças respiratórias nas unidades de saúde do estado nos últimos dias. Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus não se manifestou acerca dos registros de atendimento.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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