Brasil precisa olhar para favelas ao falar de clima, defendem ativistas sobre a COP27

Amanda Costa e Marcelo Rocha, representantes das periferias, acompanharam a conferência da ONU no Egito

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Cleberson Santos Gabriela Carvalho
São Paulo | Agência Mural

"O Brasil voltou" foi um dos gritos dados pela plateia durante o discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP27, conferência da ONU sobre clima realizada nas últimas duas semanas em Sharm el-Sheikh, no Egito.

A perspectiva de ter uma maior atuação do governo brasileiro nas questões climáticas vem de um contraste com a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que tomou medidas antiambientais nos últimos quatro anos e até cancelou a realização de uma COP no Brasil, em 2019. No período, pelo vácuo deixado pelas autoridades federais, cresceu nas conferências a presença de ativistas, inclusive das periferias.

Foi o caso de Amanda Costa, 25, moradora da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, e fundadora do Instituto Perifa Sustentável, e de Marcelo Rocha, 25, que vive em Mauá e é fundador do Instituto Ayíka, organização que discute mudanças climáticas com a ótica de raça, gênero e território.

Jovem negra posa para retrato com os braços cruzados em um jardim
A ativista Amanda Costa, 25, moradora da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, fundadora do Instituto Perifa Sustentável; ela participou da COP27, no Egito, nas últimas semanas - Patrícia Vilas Boas/Agência Mural

Os dois foram alguns dos ativistas brasileiros que estiveram no encontro recente no Egito. De volta a São Paulo, eles dizem esperar que este novo momento traga discussões sobre clima que envolvam as populações periféricas.

Em Sharm el-Sheikh, ambos destacaram a importância de debater os impactos das mudanças climáticas nas cidades e como elas afetam os bairros com menos infraestrutura.

Para Costa, em sua quarta COP, foi a primeira edição em que viu o racismo ambiental realmente ser discutido. "Ver uma causa que me atravessa, que dita se eu vou continuar viva ou não, sendo cada vez mais reproduzida e democratizada entre as lideranças do nosso país foi uma surpresa positiva", afirma.

O racismo ambiental trata justamente de como as consequências da crise do clima afetam mais os grupos étnicos minoritários —como a população negra que vive nas periferias.

Retrato de homem negro à frente de um painel azul com logotipos da ONU
Ativista Marcelo Rocha, 25, que vive em Mauá e é fundador do Instituto Ayíka - Arquivo pessoal

Rocha, em sua terceira COP, também observa que foi possível discutir soluções, ainda que os resultados estejam distantes, como no caso da criação de um fundo com recursos para reparação de perdas e danos a países mais vulneráveis a eventos extremos.

"O Brasil tem que olhar para isso com carinho. Pensando nas favelas, falar sobre perdas e danos é falar sobre os eventos extremos a que a gente já até se acostumou, como as enchentes, os desabamentos", destaca ele, que faz parte do conselho diretor do Greenpeace Brasil e da ONU Brasil.

"A gente chegou em um ponto que não dá para adaptar e mitigar apenas. A gente tem que pensar no agora", diz.

Amanda Costa é também embaixadora e jovem conselheira da ONU, além de fazer parte do Perifa Sustentável, organização que reúne jovens em prol do desenvolvimento ambiental a partir da justiça racial.

Na COP27, entre seus compromissos esteve uma mesa promovida pela Prefeitura de São Paulo, da qual participou ao lado da secretária de relações internacionais da cidade, Marta Suplicy.

"Ali era uma agenda com governadores, prefeitos. Só homem branco, sabe? Tinha algumas mulheres, todas brancas. Percebo que os espaços vão se formando, há alguns avanços, mas o lugar de tomada de decisão ainda não tem diversidade", comenta.

Amanda aponta para um mapa em um estande, enquanto Marta vira a cabeça para olhá-lo
A ativista Amanda Costa, fundadora do Instituto Perifa Sustentável, e Marta Suplicy, secretária de relações internacionais da Prefeitura de São Paulo, em evento na COP27 - Arquivo pessoal

Rocha se reuniu ainda com Marina Silva (Rede-SP), deputada federal eleita e ex-ministra do Meio Ambiente, principal nome cotado para o cargo no novo governo.

"[Foi uma reunião] para falar da importância da titularização de territórios quilombolas e a importância de a gente olhar para as demandas do povo preto periférico, sobre a geração de empregos verdes na periferia", conta.

Rocha avalia que a presença do governo de transição foi "um grande acerto" para melhorar a imagem do Brasil após as edições de 2019 e 2021 da COP, realizadas em meio a perdas de alianças com outros países e ao congelamento do Fundo Amazônia.

"Toda essa volta do Brasil para dentro do jogo efetiva a nossa participação [como ativistas]", resume ele, que, no entanto, vê que desafios permanecerão, como um maior debate sobre a redução dos combustíveis fósseis no Brasil.

"O petróleo e o pré-sal foram coisas importantes dentro do governo Lula. Há uma grande expectativa sobre como [o governo vai] gerir esse processo de transição energética e voltar a ser um líder climático."

Esta foi a primeira edição da COP de que Costa e Rocha participaram fora do continente europeu. Como contraste, Amanda aponta que o machismo foi perceptível nesta viagem ao Egito.

"Foi bem complexo. Há um olhar que os homens colocam sobre a mulher que é muito pesado, e incomoda bastante. Depois [quando precisa conversar] vira um olhar de desprezo muito rápido. A gente não vê mulheres trabalhando, só homens", recorda.

Essa conjuntura, diz, acabou sendo o principal aprendizado que ela traz ao Brasil após a COP. "Estou levando a importância de a gente acelerar a agenda de gênero e de a gente saber qual é o contexto que ocupamos, encontrar estratégias para se cuidar, para ser protegidas dentro desse ambiente opressor."

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