Lula diz que 'bolsonarismo se mantém aí' e pede participação da sociedade civil

Na COP27, presidente eleito afirma que violência contra indígenas e 'fúria dos madeireiros' não vão passar e exigem 'muito mais competência'

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Sharm el-Sheikh (Egito)

O presidente eleito Lula (PT) disse, em reunião com a sociedade civil na COP27, a conferência da ONU para mudanças climáticas, que, apesar de ter derrotado na eleição o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), o "bolsonarismo se mantém aí".

No encontro com representantes da sociedade civil brasileira, na manhã desta quinta-feira (17), em Sharm el-Sheikh, no Egito, Lula também afirmou que a situação exige a participação popular.

"Não pensem que vocês vão ficar só cobrando, não. Vocês vão ter que ajudar a fazer", afirmou, em tom amistoso.

Outra fala de Lula que se destacou nesta reunião, que lotou uma sala da conferência e foi também transmitida online, foi uma defesa de furar o teto de gastos para manter a "responsabilidade social".

"Se eu falar isso vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência", disse Lula, completando que a flutuação dos índices não acontece "por causa das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que ficam especulando todo santo dia".

Lula fala ao microfone
Lula em encontro com a sociedade civil brasileira na manhã desta quinta (17) na COP27, no Egito - Joseph Eid/AFP

Às ONGs presentes, Lula afirmou que o novo governo terá um trabalho imenso com o rescaldo do bolsonarismo.

"Vocês estão vendo a violência com que eles atacam aldeias indígenas sem nenhum respeito. Vocês sabem o que acontece, a fúria dos madeireiros", disse o presidente eleito. "Vamos ter que ter muito mais competência, habilidade, porque nós também não podemos ficar brigando sem saber o que fazer."

Apesar da vitória de Lula, os pesos políticos de Bolsonaro e de seu atual partido parecem se manter, com os milhões de votos conquistados pelo atual presidente e os cargos eletivos alcançados por seus apoiadores. Uma parte do bolsonarismo também está sendo expressa em atos antidemocráticos que têm ocorrido desde a derrota nas urnas.

Ao se referir mais especificamente à questão ambiental, Lula mencionou o agronegócio brasileiro, um ator essencial ao se falar de desmatamento, especialmente na Amazônia e no cerrado —a atividade agropecuária é o principal agente causador da destruição da floresta.

"Eu não me preocupo quando dizem que o agronegócio não gosta do Lula. Eu não quero que goste, eu só quero que me respeite, como eu respeito eles", afirmou o presidente eleito.

Lula, porém, fez questão de diferenciar o agronegócio responsável do que desmata e queima. "O verdadeiro empresário do agronegócio tem compromisso. Porque ele sabe que na agenda internacional se paga um preço se a gente for irresponsável."

As taxas expressivas de desmatamento, especialmente na Amazônia, têm feito surgir travas e ameaças internacionais em relação ao mercado brasileiro. O acordo entre Mercosul e União Europeia tem sido um dos exemplos mais claros de como o crescimento de crimes ambientais —e a consequente mancha na reputação ambiental brasileira— pode ser um freio para a economia nacional.

O presidente eleito questionou a motivação para se cortar uma "árvore que tem 200 anos de existência, 300 anos de existência; não é necessário", disse, referindo-se à exploração madeireira.

"O que nós precisamos é uma frase que a Marina [Silva] dizia quando ela foi escolhida para ser minha ministra em 2003: ‘O que interessa não é a gente proibir, é a gente dizer como fazer as coisas e como fazer certo’", citou, tendo Marina Silva —uma das cotadas para vaga de ministra do Meio Ambiente do novo governo Lula— a algumas cadeiras de distância.

Assim como em seu discurso para o público da conferência climática na quarta-feira (16), Lula falou sobre as terras degradas que há no país e apontou que não é necessário abrir novas áreas para aumentar a produção de grãos e gados —uma fala constantemente lembrada por pesquisadores da área.

Sociedade civil

Na reunião ocorrida em uma das salas da conferência, Lula e aliados, como Fernando Haddad, também ouviram as entidades da sociedade civil. Elas, de forma geral, por terem sido apartadas do contato com o governo durante a administração Bolsonaro, expressaram otimismo no encontro.

O presidente eleito ouviu falas dos movimentos negro, indígena, da periferia, de jovens, e de organizações climáticas, além de um representante da comunidade científica. Algumas dessas organizações, inclusive, entregaram documentos com demandas para Lula.

Thuane Nascimento, conhecida como Thux, afirmou a Lula, falando em nome do grupo PerifaConnection, que a crise climática já é cotidiana para os mais vulneráveis, sem a possibilidade de direito ao meio ambiente.

"Nossa realidade é das perdas e danos já acontecendo no dia a dia", disse a ativista.

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne dezenas de organizações socioambientais, expressou alívio com a eleição de Lula, para a interrupção do desmonte de políticas ambientais ocorrido sob Bolsonaro. Ele afirmou, no entanto, que as ONGs terão um papel de cobrança também no governo petista.

"Você sabe como funciona a sociedade civil. A gente ajuda e elogia quando tem os acertos. A gente também pressiona e critica, o senhor mesmo falou isso. A gente sabe que na política é assim —o pessoal do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que me ensinou: governo bom funciona que nem feijão, você tem que manter sob pressão se não não acerta o ponto", disse.

Agenda

Nesta quinta-feira à tarde (no horário do Egito), Lula tem ainda um encontro com lideranças indígenas na COP27. Ele fará também reuniões com o secretário-geral da ONU, António Guterres, com o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, e com a ministra das relações exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock.

Ambos os países são doadores do Fundo Amazônia, que deve ser destravado depois da posse de Lula.

O presidente eleito está em Sharm el-Sheikh desde a madrugada da terça-feira. No primeiro dia na cidade, fez reuniões a portas fechadas com os enviados especiais do clima de China e Estados Unidos, a quem disse, citando a Guerra da Ucrânia, que "o Brasil mediador está de volta".

Na quarta-feira (16), em encontro com governadores da Amazônia, anunciou que pedirá à ONU para que o Brasil sedie a COP30, em 2025. Além disso, em seu primeiro discurso internacional desde a eleição, cobrou recursos de países ricos para que as nações pobres e em desenvolvimento enfrentem a crise climática. O tema, segundo afirmou, será uma prioridade de "alto nível" na nova gestão.

A passagem de Lula pela COP27, até o momento, tem sido de grande atenção, tanto nacional quanto internacional. O presidente eleito, na quarta, causou filas e aglomerações de pessoas querendo ouvi-lo.

Nesta sexta (18) sua viagem ao Egito se encerra, e Lula e a comitiva seguem para Portugal.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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