Na COP27, Lula diz que pedirá à ONU para Brasil sediar a conferência em 2025

Presidente eleito, recebido com corredores lotados, afirma que país 'está de volta ao mundo'; ONGs veem com ceticismo aliança com governos estaduais

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Sharm el-Sheikh (Egito)

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), recebido com corredores lotados na COP27, conferência do clima da ONU, no Egito, na manhã desta quarta-feira (16), anunciou que pedirá às Nações Unidas que o Brasil seja o anfitrião do evento em 2025.

"Vamos falar com o secretário-geral da ONU e pedir para que a COP de 2025 seja feita no Brasil e na Amazônia", disse Lula.

"Eu estou aqui para dizer para vocês que o Brasil está de volta ao mundo. O Brasil está saindo do casulo a que ele foi submetido ao longo dos últimos quatro anos. O Brasil não nasceu para ser um país isolado", afirmou também.

Lula, que faz sua primeira viagem internacional desde a eleição, criticou que o "Brasil não viajava para nenhum país e ninguém viajava para o Brasil" no governo Bolsonaro. "Parecia um bloqueio, mas não era um bloqueio econômico —era um bloqueio contra um governo que não fazia nenhuma ação, nenhum esforço para conversar com o mundo", discursou.

Quanto ao local em que a conferência poderia ocorrer, Lula citou Amazonas e Pará como estados aptos para sediar o encontro.

Lula sorri entre público com painel escrito 'amazônia legal' ao fundo
Lula no estande de governos da Amazônia Legal nesta quarta (16) pela manhã na COP27, no Egito - Joseph Eid/AFP

A Folha apurou que Lula deve se reunir com António Guterres, secretário-geral da ONU, nesta quinta (17). O português, que está em Bali participando do G20, voltará ao Egito nas próximas horas.

A presidência da COP do Clima tem rotatividade regional e volta a ser de um país latino-americano em 2025. A conferência teria acontecido no Brasil em 2019, mas foi cancelada por Bolsonaro ainda em 2018, logo após se eleger.

"Se a Amazônia tem o significado que tem para o planeta Terra, se tem a importância que todos vocês dizem que tem, que os cientistas dizem que tem, nós não temos que medir nenhum esforço para convencer as pessoas de que uma árvore em pé, uma árvore viva, vale mais do que uma árvore derrubada", afirmou também Lula, em evento no estande de governadores da Amazônia Legal na COP27.

A fala sobre o pedido do Brasil para sediar a COP30, em 2025, veio após sugestão de Helder Barbalho (MDB), governador do Pará, responsável pelo convite para Lula participar da conferência no Egito.

"Além de propor que a COP aconteça no Brasil, queria lhe pedir que o senhor possa oferecer a Amazônia para sediar a COP em 2025, a COP30, para que nos possamos levar o planeta para debater a Amazônia conhecendo a Amazônia", afirmou.

Neste primeiro dia de agenda pública no evento, após encontros a portas fechadas na terça, Lula recebeu de governadores da Amazônia Legal nesta manhã uma carta com propostas para a região. A leitura do documento, que foi encarado com ceticismo por ONGs (leia ao final), foi feita por Helder Barbalho.

"Expressamos a disposição em construir uma relação profícua e eficaz com o governo federal, baseada no respeito democrático, na observância da Constituição e do diálogo com os poderes constituídos nas esferas estadual e federal", diz o texto.

Os políticos reforçam, porém, que querem preservar a autonomia construída ao longo dos últimos quatro anos —quando se mobilizaram em ações conjuntas voltadas para a região, se posicionando quase como um ente paralelo ao governo de Jair Bolsonaro.

Lula e Janja acenam
Lula e a mulher, Janja, na chegada à COP27 na manhã desta quarta (16), em Sharm el-Sheikh, no Egito - Mohammed Abed/AFP

"Os estados da Amazônia alcançaram um nível de capacidade de relacionamento com organismos internacionais, com a sociedade civil, com instituições financeiras e até mesmo entre si que deve ser incentivado não pode mais retroceder", salientam.

O tema do desenvolvimento sustentável da região também é destacado. A carta lembra que a Amazônia foi explorada ao longo dos anos, mas isso não se reverteu em progresso para a população local. "O modelo de desenvolvimento vigente, para ser economicamente pujante, trouxe o custo de ser ambientalmente devastador e socialmente excludente."

Os governadores afirmam que seria necessário "aperfeiçoar as capacidades humanas e institucionais e mobilizar a ação empresarial" para que esse desenvolvimento seja alavancado por meio da bioeconomia, transformando a floresta em pé em "commodity".

"É necessário conjugar os saberes técnico e ancestral para que o potencial produtivo da Amazônia se expresse por meio do aproveitamento racional das vocações da região e com retorno justo e equânime para as populações locais", escrevem.

Lula, após a leitura, disse concordar com o conteúdo.

"Eu só queria que os governadores levassem em conta que eu assinaria esse documento de vocês sem nenhum problema porque é mais do que justo que nós recuperemos a aliança entre as unidades federativas para que o governo federal governe em comum acordo com os governadores, e mais ainda que o governo federal volte a governar em acordo com os prefeitos", afirmou.

Também no discurso, reforçou a promessa de campanha de criar o Ministério dos Povos Originários, para fortalecer políticas públicas para indígenas.

Ao chegar ao pavilhão da COP27 nesta manhã, por volta das 11h15 no horário local (6h15 pelo horário de Brasília), antes de se posicionar diante do público, Lula se reuniu em uma sala com governadores de Acre, Mato Grosso, Pará e Tocantins, além do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fernando Haddad, que integra a comitiva do governo de transição.

Lula e a comitiva ingressaram no evento usando credenciais de "país anfitrião", como convidados do governo do Egito —segundo a assessoria do PT, a hospedagem em Sharm el-Sheikh também é um convite da presidência do país africano. O hotel resort em que o presidente eleito está tem diárias a partir dos R$ 9.000, segundo sites de reservas.

Quase três horas antes do início previsto do evento, pessoas já se reuniam no pavilhão do consórcio dos governadores da Amazônia na COP27 —o estande de 120m2 ficou completamente lotado em pouco tempo.

Além de membros da imprensa nacional e internacional, que disputavam espaço para conseguir montar suas câmeras e tripés, membros da sociedade civil e parlamentares também tentaram garantir seus assentos desde cedo. Entre eles estavam o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) e Airton Faleiro (PT-PA).

Veja abaixo o momento da chegada de Lula e também o espaço lotado antes do evento:

No entanto, seguranças da ONU esvaziaram totalmente o espaço antes da chegada de Lula sob a justificativa de garantir a segurança do presidente eleito.

Na aglomeração que se formou durante a espera, os apoiadores, em especial os indígenas, puxaram coros de músicas de campanha.

Na entrada de Lula, a Folha perguntou ao petista como recebe as críticas por se deslocar à COP27 usando um jatinho do empresário José Seripieri Filho, conhecido como Júnior, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde. Em resposta, o presidente eleito acenou e disse que falará "depois" sobre a questão.

Ainda nesta quarta, Lula fará um pronunciamento no espaço da ONU. Na quinta (17), ele se encontra às 10h (hora local, 5h do horário de Brasília) com representantes da sociedade civil brasileira e, às 15h (10h no horário de Brasília), participa do Fórum Internacional dos Povos Indígenas/Fórum dos Povos sobre Mudança Climática.

Sociedade civil cobra ações concretas

O documento apresentado na COP27 por governadores da Amazônia, como uma aliança com Lula, foi recebido com ceticismo por ONGs. As entidades, embora vejam o movimento como algo positivo, cobram ações efetivas a partir desse compromisso.

"O contexto brasileiro se deteriorou tanto nos últimos anos que estamos celebrando o básico, que é a afirmação de diálogo e colaboração entre o Executivo federal e os estados da Amazônia", diz Carolina Pasquali, diretora-executiva do Greenpeace Brasil.

"Essa é sem dúvida uma boa notícia, mas agora vem o que realmente importa: como essa carta de intenções chega no chão da floresta, como se traduz em apoio aos povos indígenas, às comunidades tradicionais e aos amazônidas que estão nas cidades? É preciso fazer mais, com metas claras e transparência, ou corremos o risco de não sair do lugar", completa.

Para Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito do ISA (Instituto Socioambiental), a carta é "genérica demais para o momento que a gente está vivendo".

"Não inclui nenhum objetivo específico dos governadores. É uma carta de intenções na qual fazem um posicionamento público confortável e positivo para eles na COP27", diz.

"Acho que, dos governadores da Amazônia, só o Helder [Barbalho] para ler essa carta com menos hipocrisia porque, minimamente, foi o governo que tentou chegar perto de tentar fazer alguma coisa, buscando estruturar fundos e estabelecendo algum diálogo com diferentes setores da sociedade civil. Essa carta lida por qualquer outro governador da Amazônia pareceria muito mais cínica."

Alice Thuault, diretora-executiva do ICV (Instituto Centro de Vida), principal ONG ambientalista de Mato Grosso, ressalta que o estado vive um cenário crítico. "Uma ilegalidade altíssima de desmatamento, mas também de exploração florestal, e com reciclagem de um programa de carbono neutro que foi lançado no ano passado, mas não avançou."

"Mato Grosso, na verdade, chega na COP27 faltando a implementação da lição de casa", conclui.

A repórter Jéssica Maes viajou a Sharm el-Sheikh, no Egito, a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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