'Não há segurança climática sem Amazônia protegida'; o discurso de Lula na COP27 comentado

Em primeiro pronunciamento internacional, presidente eleito cobrou recursos e disse que combate à crise ambiental será prioridade

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São Paulo

O mundo precisa de uma governança global do clima com poder de decisão definitiva, disse o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP27, conferência do clima da ONU, na tarde desta quarta-feira (16). A fala em Sharm el-Sheikh, no Egito, foi o primeiro pronunciamento internacional dele após vencer as eleições.

O petista enfatizou que o combate à crise climática terá papel de destaque no próximo governo, pediu ações concretas dos países contra as mudanças no clima e citou promessas não cumpridas por nações ricas. Lula também criticou o desmonte na área ambiental durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

luiz inácio lula da silva discursa, está falando e gesticulando, usa terno
Lula discursa na COP27, no Egito, na tarde desta quarta (16) - Ahmad Gharabli - 16.nov.22/AFP

A floresta amazônica também foi destaque no discurso, como o presidente eleito havia anunciado na manhã desta quarta (16), ao dizer que pediria à ONU para Brasil sediar a conferência em 2025. "Não há segurança climática para o mundo sem a Amazônia protegida".

Para especialistas ouvidos pela Folha, o discurso foi contundente na mensagem de cooperação e de enfrentamento de mudanças climáticas.

"É um discurso ciente de que o Brasil tem condições que poucos países têm para participar desse jogo geopolítico que valoriza ao mesmo tempo capital natural e segurança alimentar", diz Roberto Waack, integrante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Já para Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, a cobrança de Lula por acordos prometidos, como a ajuda de US$ 100 bilhões anuais, exige que o Brasil trabalhe a agenda doméstica para manter o protagonismo.

"A solução climática precisa de pressão com os outros, mas [o Brasil] tem que fazer sua parte, ou fica sem moral. Mas nunca vi um presidente brasileiro fazer essa quantidade de promessas em público", diz ele.

Veja abaixo como foi o discurso e leia a íntegra com comentários.

Em primeiro lugar, quero agradecer a oportunidade de estar aqui no Egito, berço da civilização, que desempenhou um papel extraordinário na história da humanidade.

Quero também agradecer o convite para participar da vigésima sétima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Sinto-me especialmente honrado, porque sei que este convite não foi dirigido a mim, mas ao meu país.

Este convite, feito a um presidente recém-eleito antes mesmo de sua posse, é o reconhecimento de que o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta e de todos os seres que nele habitam.

O planeta que a todo momento nos alerta de que precisamos uns dos outros para sobreviver. Que sozinhos estamos vulneráveis à tragédia climática.

Logo no início do discurso, o presidente eleito adotou um tom de multilateralismo, marca da política externa em seus dois mandatos e das relações que cultivou ao longo dos anos. Antes mesmo da vitória, Lula já planejava um giro internacional para antes da posse, caso fosse eleito. O futuro presidente e seu governo devem enfrentar um mundo marcado por tensões entre grandes potências, que vão pressionar o Brasil para escolher lados em questões comerciais e diplomáticas.

No entanto, ignoramos esses alertas. Gastamos trilhões de dólares em guerras que só trazem destruição e mortes, enquanto 900 milhões de pessoas em todo o mundo não têm o que comer.

Relatório mais recente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), publicado em 2021, indica que entre 702 milhões e 828 milhões de indivíduos não têm acesso às calorias mínimas necessárias para uma vida ativa e saudável, o que está de acordo com a estimativa citada por Lula.

Vivemos um momento de crises múltiplas –crescentes tensões geopolíticas, a volta do risco da guerra nuclear, crise de abastecimento de alimentos e energia, erosão da biodiversidade, aumento intolerável das desigualdades.

São tempos difíceis. Mas foi nos tempos difíceis e de crise que a humanidade sempre encontrou forças para enfrentar e superar desafios. Precisamos de mais confiança e determinação. Precisamos de mais liderança para reverter a escalada do aquecimento.

Os acordos já finalizados têm que sair do papel. Para isso, é preciso tornar disponíveis recursos para que os países em desenvolvimento, em especial os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande medida pelos países mais ricos, mas que atinge de maneira desproporcional os mais vulneráveis.

Senhoras e senhores, estou hoje aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável. De um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes –e não apenas uma minoria privilegiada.

O Brasil acaba de passar por uma das eleições mais decisivas da sua história. Uma eleição observada com atenção inédita pelos demais países. Primeiro, porque ela poderia ajudar a conter o avanço da extrema-direita autoritária e antidemocrática e do negacionismo climático no mundo.

Líderes mundiais e representantes diplomáticos se manifestaram minutos depois da eleição de Lula no Brasil, em 30 de outubro. O cenário internacional monitorava de perto a escalada de tensão golpista contra o processo eleitoral. O governo dos EUA chegou a planejar a visita de um funcionário do alto escalão da Casa Branca para garantir com o governo do presidente Jair Bolsonaro uma transição dentro da normalidade no caso da vitória de Lula.

E também porque do resultado da eleição no Brasil dependia não apenas a paz e o bem-estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta.

A Amazônia virou um dos principais motivos de críticas ao governo Bolsonaro já em seu primeiro ano do mandato, em 2019, quando houve uma alta das queimadas e o presidente insinuou armação elaborada por ONGs estrangeiras.

A floresta tornou-se o centro do debate sobre o papel do Brasil na agenda de enfrentamento às mudanças climáticas.

"[Lula] falou muito isso durante a campanha eleitoral, então isso é importante porque não era algo para a campanha, para as eleições. Ele inclusive se aprofundou no tema, está mais contundente", diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

Ao final de uma disputa acirrada, o povo brasileiro fez a sua escolha, e a democracia venceu. Com isso, voltam a vigorar os valores civilizatórios, o respeito aos direitos humanos e o compromisso de enfrentar com determinação a mudança climática.

O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004 e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB agropecuário cresceu 75%.

O principal mecanismo atribuído à redução do desmatamento no período citado foi o PPCDam (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal). Foram envolvidos 13 ministérios, sob coordenação política da própria Presidência, na figura da Casa Civil. A coordenação-executiva ficou com a pasta do Meio Ambiente.

Já o PIB agropecuário, citado pelo presidente, cresceu 70,3%, e não 75%, como citado no discurso. Na série histórica PIB do Agronegócio Brasileiro, do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da USP, foi de R$ 538,9 bilhões em 2004, e R$ 918,2 em 2012.

Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos –no combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação do meio ambiente.

A gestão da pandemia de Covid-19 adotada pelo governo Bolsonaro na pandemia tem sido criticada e foi alvo de denúncias que relacionam o presidente ao aumento de mortes, charlatanismo, uso irregular de verbas e infração de medidas sanitárias.

Desde o início, Bolsonaro se posicionou contra a vacinação e fez da cloroquina uma bandeira do chamado "tratamento precoce", caracterizado pelo uso de medicamentos sem eficácia para combater a Covid.

O país também regrediu 30 anos na segurança alimentar e atingiu a marca de 33 milhões passando fome.

Já o isolamento citado por Lula no discurso refere-se às medidas adotadas pelo governo Bolsonaro na frente diplomática, marcadas por posições consideradas pouco pragmáticas, às dificuldades nas relações com os vizinhos e aos ataques ao sistema eleitoral brasileiro.

Não por acaso, a frase que mais tenho ouvido dos líderes de diferentes países é a seguinte:

"O mundo sente saudade do Brasil."

Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia.

Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos. Para lutar por um comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos.

Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade.

Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz.

"Ele traz a chamada à responsabilidade para todos, Brasil e demais países", diz Roberto Waack, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. "A cooperação multilateral precisa ser reformada, esse é o tema da reforma da ONU. É um discurso que de longe ultrapassa a agenda brasileira", afirma.

O presidente também deve retomar esforços para a chamada cooperação Sul-Sul, a revitalização de blocos como Mercosul, Unasul e Celac e a revisão do acordo Mercosul-União Europeia.

No pronunciamento que fiz ao fim da eleição no Brasil, em 30 de outubro, ressaltei a importância de unir o país, que foi dividido ao meio pela propagação em massa de fake news e discursos de ódio.

Naquela ocasião, eu disse que não existem dois Brasis. Quero dizer agora que não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada Humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres.

Precisamos de mais empatia uns com os outros. Precisamos construir confiança entre nossos povos. Precisamos nos superar e ir além dos nossos interesses nacionais imediatos, para que sejamos capazes de tecer coletivamente uma nova ordem internacional, que reflita as necessidades do presente e nossas aspirações de futuro.

Estou aqui hoje para reafirmar o inabalável compromisso do Brasil com a construção de um mundo mais justo e solidário.

Senhoras e senhores, a Organização Mundial da Saúde alerta que a crise climática compromete vidas e gera impactos negativos na economia dos países.

Segundo projeções da Organização, entre 2030 e 2050 o aquecimento global poderá causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais ao ano – por desnutrição, malária, diarreia e estresse provocado pelo calor excessivo.

O impacto econômico de todo esse processo, apenas no que se refere aos custos de danos diretos à saúde, é estimado pela OMS entre 2 a 4 bilhões de dólares por ano até 2030. Ninguém está a salvo.

Os Estados Unidos convivem com tornados e tempestades tropicais cada vez mais frequentes e com potencial destrutivo sem precedentes.

Países insulares estão simplesmente ameaçados de desaparecer.

No Brasil, que é uma potência florestal e hídrica, vivemos em 2021 a maior seca em 90 anos, e fomos assolados por enchentes de grandes proporções que impactaram milhões de pessoas.

No Brasil, pelo menos 116 milhões de pessoas já foram afetados por desastres naturais nos últimos 120 anos. Com a crise climática, a vulnerabilidade aos fenômenos naturais tende a piorar ainda mais.

O fim de 2021 e o começo de 2022 foram marcados por violentas chuvas e enchentes em diferentes regiões do país. No ano passado, as inundações na Bahia levaram à morte mais de duas dezenas de pessoas.

A Europa enfrenta uma série de fenômenos meteorológicos e climáticos extremos em várias partes do continente –de incêndios devastadores a inundações que causam um número inédito de mortes.

Apesar de ser o continente com a menor taxa de emissão de gases do efeito estufa do planeta, a África também vem sofrendo eventos climáticos extremos. Enchentes e secas no Chade, Nigéria, Madagascar e parte da Somália.

Elevação do nível dos mares, que num futuro próximo será catastrófica para as dezenas de milhões de egípcios que vivem no Delta do rio Nilo.

Repito: ninguém está a salvo. A emergência climática afeta a todos, embora seus efeitos recaiam com maior intensidade sobre os mais vulneráveis.

A desigualdade entre ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças climáticas.

Os países pobres, que menos contribuíram para a mudança climática, mas estão entre os mais vulneráveis a seus efeitos hoje, desejam um maior compromisso financeiro por parte dos países ricos, muitos dos quais desenvolveram suas economias queimando combustíveis fósseis.

Uma combinação de chuvas reduzidas e aquecimento climático contribuirá para secas severas, comprometendo a segurança hídrica e alimentar, com muitos países despreparados para o aumento do nível do mar, como é o caso de regiões citadas no discurso.

O 1% por cento mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite das emissões de gás carbônico necessário para evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse a meta de 1,5 grau centígrado até 2030.

Este 1% mais rico está a caminho de emitir 70 toneladas de gás carbônico per capita por ano. Enquanto isso, os 50% mais pobres do mundo emitirão, em média, apenas uma tonelada per capita, segundo estudo produzido pela ONG Oxfam e apresentado na COP26.

Por isso, a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.

Senhores e senhoras, não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas.

O estudo citado por Lula foi publicado pela Oxfam e baseou-se em trabalhos do Instituo de Política Ambiental Europeia (IEEP) e do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI).

Entre as principais conclusões do estudo estão que, em 2030, a metade mais pobre da população mundial vai continuar emitindo bem menos do que o nível proposto para o limite almejado de 1,5ºC, enquanto o 1% mais rico –que representa uma população menor que a da Alemanha– está a caminho de liberar 70 toneladas de CO2 por pessoa por ano, caso o consumo atual continue.

No total, esse 1% mais rico será responsável por 16% das emissões totais até 2030 (em 1990, eram 13%). Em contrapartida, os 50% mais pobres estarão em 2030 liberando uma média de uma tonelada de CO2 por ano.

Por esse motivo, quero aproveitar esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo. Vamos priorizar a luta contra o desmatamento em todos os nossos biomas. Nos três primeiros anos do atual governo, o desmatamento na Amazônia teve aumento de 73%.

Somente em 2021, foram desmatados 13 mil quilômetros quadrados. Essa devastação ficará no passado.

Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua.

Vamos fortalecer os órgão de fiscalização e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro anos. Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.

Esses crimes afetam sobretudo os povos indígenas.

Por isso, vamos criar o Ministério dos Povos Originários, para que os próprios indígenas apresentem ao governo propostas de políticas que garantam a eles sobrevivência digna, segurança, paz e sustentabilidade.

Os povos originários e aqueles que residem na região Amazônica devem ser os protagonistas da sua preservação. Os 28 milhões de brasileiros que moram na Amazônia têm que ser os primeiros parceiros, agentes e beneficiários de um modelo de desenvolvimento local sustentável, não de um modelo que ao destruir a floresta gera pouca e efêmera riqueza para poucos, e prejuízo ambiental para muitos.

O presidente eleito sinalizou com a criação de um ministério para os povos originários durante a campanha. Na equipe de transição para o tema estão a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) e a deputada federal eleita Sônia Guajajara (PSOL-SP).

Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem provocar mais mudança climática. Faremos isso explorando com responsabilidade a extraordinária biodiversidade da Amazônia, para a produção de medicamentos e cosméticos, entre outros.

Vamos provar que é possível promover crescimento econômico e inclusão social tendo a natureza como aliada estratégica, e não mais como inimiga a ser abatida a golpes de tratores e motosserras.

Tenho o prazer de informar que logo após nossa vitória na eleição de 30 de outubro, Alemanha e Noruega anunciaram a intenção de reativar o Fundo Amazônia, para financiar medidas de proteção ambiental na maior floresta tropical do mundo.

O Fundo dispõe hoje de mais de 500 milhões de dólares, que estão congelados desde 2019, devido à falta de compromisso do governo atual com a proteção da Amazônia.

Após a vitória de Lula nas eleições, Alemanha e Noruega sinalizaram com mudanças. A Noruega, maior financiadora do fundo, fez o anúncio de reativação do fundo no dia seguinte ao segundo turno brasileiro. Já os alemães disseram que pretendem desbloquear verbas destinadas ao Fundo Amazônia.

Os países suspenderam repasses após o governo Bolsonaro extinguir unilateralmente dois comitês que eram responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto. Entre outras coisas, o presidente sugeriu que essas entidades estariam provocando queimadas na floresta, o que é falso.

Estamos abertos à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica.

Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.

Conjugar desenvolvimento e meio ambiente também é investir nas oportunidades criadas pela transição energética, com investimentos em energia eólica, solar, hidrogênio verde e bicombustíveis. São áreas nas quais o Brasil tem um potencial imenso, em particular no Nordeste brasileiro, que apenas começou a ser explorado.

Cuidar das questões ambientais também é melhorar a qualidade de vida e as oportunidades nos centros urbanos. Fornecer alternativas de meios de transporte com menor impacto ambiental.

Gerar empregos em indústrias menos poluentes na cadeia industrial da reciclagem, que melhora o aproveitamento das matérias primas, e no saneamento básico, que protege a nossa saúde e nossos rios cuidando da água, elemento indispensável para a vida.

A produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado. A meta que vamos perseguir é a da produção com equilíbrio, sequestrando carbono, protegendo a nossa imensa biodiversidade, buscando a regeneração do solo em todos os nossos biomas, e o aumento de renda para os agricultores e pecuaristas.

Estou certo de que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência, tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais. No Brasil há vários exemplos exitosos de agroflorestas.

Temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

Para Waack, da Coalizão, o tom de lula foi enérgico, mas conciliador. "Ele convida o agronegócio a exercitar essa oportunidade de o Brasil ser um produtor de alimentos de baixo carbono. Para isso, o valor da floresta tem de estar integrado à produção", afirma.

Segundo ele, o discurso oferece uma alternativa ao que chama de uma polarização entre produzir e conservar. "O Brasil tem as condições para fazer e se manter nesse alto patamar de produção, desde que a ilegalidade e o desmatamento sejam controlados".

Já a avaliação de Marcio Astrini segue na linha de um aviso. "Ele disse basicamente o seguinte: 'Não dá mais para desmatar e vocês vão ter que ajudar nisso. Não tem outro caminho ou opção", afirma.

Este é um desafio que se impõe a nós brasileiros e aos demais países produtores de alimentos. Por isso estamos propondo uma Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática.

Quero aproveitar a ocasião para garantir que o acordo de cooperação entre Brasil, Indonésia e Congo será fortalecido pelo meu governo.

Juntos, nossos três países detêm 52 por cento das florestas tropicais primárias remanescentes no planeta.

Juntos, trabalharemos contra a destruição de nossas florestas, buscando mecanismos de financiamento sustentável, para deter o avanço do aquecimento global.

Quero também propor duas importantes iniciativas, a serem apresentadas formalmente pelo meu governo, que se iniciará no dia primeiro de janeiro de 2023.

A primeira iniciativa é a realização da Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica.

Para que Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela possam, pela primeira vez, discutir de forma soberana a promoção do desenvolvimento integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática.

A segunda iniciativa é oferecer o Brasil para sediar a COP 30, em 2025. Seremos cada vez mais afirmativos diante do desafio de enfrentar a mudança do clima, alinhados com os compromissos acordados em Paris e orientados pela busca da descarbonização da economia global.

Enfatizo ainda que em 2024 o Brasil vai presidir o G20. Estejam certos de que a agenda climática será uma das nossas prioridades.

Senhoras e senhores, em 2009, os países presentes à COP 15 em Copenhague comprometeram-se em mobilizar 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática.

Este compromisso não foi e não está sendo cumprido.

Para Marcio Astrini, cobrar a ajuda financeira prometida em 2009 foi um dos destaques do discurso, por cobrar uma posição dos países mais ricos após declarações sobre a falta de dinheiro para reparar perdas e danos climáticos.

"O John Kerry [enviado especial dos EUA para questões climáticas] fez um discurso aqui na COP27 dizendo que esse fundo que os países ricos haviam prometido talvez não tivesse dinheiro, e talvez a solução fosse o mercado entrar com dinheiro e fazer socorro prometido."

Com o discurso, diz ele, Lula reforça a cobrança frontalmente.

Isso nos leva a reforçar, ainda mais, a necessidade de avançarmos em outro tema desta COP 27: precisamos com urgência de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da mudança do clima.

Não podemos mais adiar esse debate. Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas.

Os especialistas concordam que cobrar a ajuda e os acordos prometidos é uma estratéfia acertada, mas que exige comprometimento do futuro governo.

"Todo processo de transição energética e alimentar vai demandar o reconhecimento de valor de florestas. Ele diz 'voltei, obrigado por ter sido bem recebido, mas não vou voltar manso, porque tenho uma agenda nesse contexto de nova economia verde, de baixo carbono", afirma Waack.

"Ele fala de perdas e danos dos países africanos, e isso é importante porque os países não têm culpa e não sobreviverão ao problema. Você fala de saídas emergenciais, humanas, e junta isso à cobrança dos US$ 100 bilhões, há uma clareza de que o alvo das cobranças são os países desenvolvidos", diz Astrini.

Lula precisará, no entanto, cumprir as promessas que tem feito para controle do desmatamento e proteção de terras para bancar essas cobranças.

É tempo de agir. Não temos tempo a perder. Não podemos mais conviver com essa corrida rumo ao abismo.

Se pudermos resumir em uma única palavra a contribuição do Brasil neste momento, que essa palavra seja aquela que sustentou o povo brasileiro nos tempos mais difíceis: Esperança.

A esperança combinada com uma ação imediata e decisiva, pelo futuro do planeta e da humanidade.

Muito obrigado a todos.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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