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Planeta em Transe desmatamento

Lula herda desmatamento recorde, apesar de alívio na taxa anual

Jair Bolsonaro (PL) entrega, em 4 anos, desmate 59% superior às gestões anteriores

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São Paulo

Como quem foge da balança, o governo de Jair Bolsonaro (PL) não se deu conta do "emagrecimento" no desmatamento da Amazônia, cuja taxa anual para 2022 é 11,2% menor do que no ano passado.

Publicado na tarde desta quarta-feira (30) com uma discreta atualização na página do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o resultado do sistema Prodes estima que o desmatamento na Amazônia Legal de agosto de 2021 a julho de 2022 foi de 11.568 km².

Em 2021, o Prodes apontava um salto de 21,9% no desmate anual. A taxa de 13.038 km² naquele ano fez com que o governo escondesse o dado durante aquela edição da Conferência do Clima da ONU, a COP26. A revelação do número só se deu após pressão de técnicos do Inpe.

Área desmatada às margens da BR-230 na cidade de Humaitá, no Amazonas - Michael Dantas 16.abr.22/AFP

Neste ano, o governo repetiu a estratégia de esconder o dado durante a COP27, como a Folha revelou, levando a equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a solicitar os números do Prodes.

Ainda durante a COP27, que terminou no último dia 19 após duas semanas de negociações no Egito, boatos sobre a redução do desmatamento circularam nos corredores, a partir de fontes ligadas ao governo de transição que participavam da conferência. Ainda assim, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, recusou-se a falar sobre os dados. "Não faço ideia", disse à Folha, quando questionado ao final da conferência sobre o Prodes.

O cenário, assim como a resposta do ministro, sugerem que o governo nem sequer espiou o resultado concluído pelo Inpe ainda no dia 3 de novembro. O desinteresse sugere que o governo não esperava um resultado positivo —afinal, não trabalhou por ele.

Eleito sob a promessa de diminuir a proteção do meio ambiente, o governo de Jair Bolsonaro conclui seu mandato marcado internacionalmente como pária ambiental. Ele executou, ao longo de quatro anos, uma política declaradamente antiambiental marcada pelas "boiadas" (a desregulamentação das normas ambientais), pelo desmonte dos órgãos de fiscalização, paralisação das multas ambientais e perseguição a servidores e ambientalistas.

O resultado dos quatro anos de mandato entrega um desmatamento 59,5% superior ao período anterior - cuja média, entre 2015 e 2018, era de 7.145 km² na Amazônia Legal. Segundo análise do Observatório do Clima, essa é a maior alta ao longo de um mandato presidencial desde o início da medição.

O patamar diz mais do que a variação percentual. É ele que indica o tamanho das passadas na corrida de devastação do bioma.

Mais do que promover alívios representados por reduções percentuais, o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva precisará promover uma reversão do novo patamar de desmatamento consolidado pela gestão de Jair Bolsonaro.

O horizonte a ser mirado por Lula trata de fronteiras políticas e limites ambientais.

O presidente eleito mostrou, na campanha eleitoral e em sua participação na COP27, que entendeu o espírito da nova geopolítica global, engendrada pela agenda climática, e que usará a chave política que a Amazônia representa para a diplomacia brasileira.

Por isso, cumprir a meta brasileira no Acordo de Paris de zerar o desmate até o fim da década é um objetivo estratégico para seu mandato. É também uma necessidade imposta pelos limites do bioma, que precisa manter cerca de 80% do território conservado para evitar um ponto de não retorno, a partir do qual a floresta não conseguiria mais se regenerar.

Diante dos cenários político e ambiental, é bastante limitado o alívio representado pela queda do desmatamento no Prodes 2022. Além de ser pouco representativa em relação ao aumento promovido ao longo da gestão Bolsonaro, a redução da taxa não representa a foto mais atual do desmatamento na Amazônia.

Os cálculos anuais do Prodes compreendem o período de agosto do ano anterior até julho do ano atual. O Prodes 2022, portanto, começa com os dados do ano passado e vão até o início da temporada seca (mais favorável ao desmatamento) na Amazônia.

Durante os meses de agosto, setembro e outubro deste ano, o desmatamento tem batido recordes com subidas expressivas em relação aos mesmos meses dos últimos anos, de acordo com os alertas de desmatamento do Deter —o sistema, também do Inpe, usa parâmetros distintos e não pode ser comparado ao Prodes, já que seu foco é gerar alertas para apoiar a fiscalização.

Só em agosto, o Deter apontou um desmate de 1.661 km² neste ano, contra 918 km² no ano passado. A disparidade foi repetida em setembro e o mês de outubro teve o maior desmate desde o início dessa medição, em 2016.

A explosão dos últimos meses tem sido atribuída ao fenômeno eleitoral: uma espécie de "tchau, Bolsonaro" dos desmatadores, que estariam aproveitando o período final do mandato que prometeu e cumpriu a anistia às atividades de exploração predatória e ilegal do bioma, já que Lula e também os outros presidenciáveis prometiam, durante a campanha eleitoral, reverter a boiada.

Os dados de desmatamento do semestre atual serão computados pelo Prodes do ano que vem, ao final do qual Lula deve aparecer na COP28 para prestar contas ao mundo sobre o combate ao desmatamento na Amazônia.

A herança para Lula, portanto, não será o alívio no dado de 2022, mas a destruição já contabilizada para 2023. Punir os desmatadores ilegais que hoje se despedem de Bolsonaro é uma das principais respostas que precisará ser dada pelo governo Lula.

A estratégia não é segredo. Ela foi o cerne da política que levou à redução de 54,8% do desmatamento no segundo governo Lula, entre 2003 e 2006, e ainda à queda de mais 43,9% no primeiro governo de Dilma Rousseff, de 2007 a 2010.

Embora já conheça a receita e confie na balança da ciência, o terceiro governo de Lula terá pouco tempo para reestruturar a fiscalização ambiental —o que definirá a retomada da dieta.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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