Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Desmate na Amazônia cai 11%, mas permanece acima de 10 mil km2

Dados de agosto de 2021 a julho de 2022 mostram queda em relação ao ano anterior, ainda que destruição siga elevada; Amazonas é o único estado sem diminuição

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São Paulo

Pelo quarto ano consecutivo, o desmatamento na Amazônia, em um ano, ultrapassou os 10 mil km². Os dados do programa Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), divulgados nesta quarta-feira (30), mostram que foram ao chão 11.568 km² de floresta de agosto de 2021 a julho de 2022.

O número, porém, é cerca de 11% inferior à taxa do período anterior e interrompe uma sequência de crescimento que vinha desde 2018.

De toda forma, os números permanecem elevados —os mais de 11 mil km² equivalem a mais de sete cidades de São Paulo ou uma Manaus—, e são especialmente preocupantes ao se considerar os alertas de que a Amazônia não está distante de um ponto de não retorno.

Se ele for atingido, devido ao desmatamento, a floresta poderá passar por uma savanização, com a perda de sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Restos de uma árvore morta em uma área de pasto dentro da Terra Indígena Apyterewa, no Pará - Lalo de Almeida - 20.jul.20/Folhapress

A situação é ainda mais crítica ao se considerar o avanço da crise climática, que deixa cada vez mais explícitos os eventos extremos que deverão ser experienciados com maior frequência pela população mundial.

Conter o desmatamento, especialmente na Amazônia, é central para o papel do Brasil frente às mudanças climáticas. No país, a derrubada de floresta é a principal fonte de emissões de gases-estufa.

Além disso, o desmate explosivo ocorrido sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) vem trazendo problemas para a imagem do Brasil no exterior, o que gera dificuldades comerciais e perdas de parcerias —o exemplo máximo foi a paralisação do bilionário Fundo Amazônia.

Desde antes do início de sua gestão, Bolsonaro colocou em dúvida dados de desmatamento e de queimadas produzidos pelo Inpe, um órgão do governo. Também criticou publicamente ações de combate ao desmate.

Os dados do Prodes mostram que novamente os estados que mais desmataram foram, pela ordem, Pará, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia, que respondem por quase 88% da perda documentada.

O Amazonas ocupa a segunda posição no ranking de devastação pelo segundo ano consecutivo —até 2020, esse lugar era ocupado por Mato Grosso. O avanço do desmate no estado é fator de atenção e preocupação, considerando as ainda amplas áreas bem conservadas da região.

Inclusive, o Amazonas foi o único, de agosto de 2021 a julho de 2022, a registrar aumento de desmate em relação ao Prodes anterior. O crescimento foi de cerca de 13%. Pará e Mato Grosso, os outros estados que completam o top 3 de desmate, tiveram reduções de, respectivamente, quase 21% e cerca de 14%.

Apesar da divulgação somente nesta quarta, segundo apuração da Folha, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) já havia recebido os dados do Prodes antes da COP27, a conferência do clima da ONU, que terminou no dia 20 de novembro.

No evento, a reportagem chegou a questionar o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, sobre os dados do Prodes. A resposta foi: "Não faço ideia".

A nota técnica publicada pelo Inpe, nesta quarta, tem a data de 3 de novembro registrada, ou seja, ainda antes do início da COP27, que começou no dia 6.

Durante a COP27, o estande oficial do Brasil se manteve distante da Amazônia e buscou difundir a ideia de que o Brasil é um país de energia verde.

Leite usou seu discurso na conferência climática para falar que não acredita em uma "redução de emissões extremamente forçada, via taxas e custos a vários setores econômicos, com risco de geração de inflação verde e aumento da pobreza". O ministro também se ausentou das negociações.

Não é a primeira vez que o governo de Jair Bolsonaro evita divulgar os dados de desmatamento em uma COP do clima —tradição que vinha sendo mantida desde 2005 pelos governos brasileiros.

Em 2021, Joaquim Leite defendeu ao longo da COP26 (realizada na Escócia) que o desmatamento na Amazônia apresentava tendência de baixa, usando dados dos últimos meses do Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real).

Embora tivesse o dado anual do Prodes disponível desde o dia 27 de outubro daquele ano, o governo só revelou o resultado após uma nota do SindCT (sindicato dos servidores públicos federais do setor aeroespacial) ter afirmado que a informação já estava disponível há quase um mês.

Governos anteriores

Com base nos dados do Inpe, Bolsonaro tem uma média anual de desmatamento superior à de governos anteriores. Durante o mandato de Bolsonaro, cerca de mais de 11,3 mil km² de Amazônia foram ao chão anualmente.

É a maior média desde o primeiro governo Lula (PT), com início em 2003, no qual a média foi de 21,6 mil km².

Há, porém, uma diferença entre os dois cenários: Lula herdou taxas elevadas de desmatamento —acima de 20 mil km²— e, a partir do segundo ano de seu governo, foram registradas quedas de destruição praticamente consecutivas (com exceção de 2008), até o ano de 2012, onde foi alcançada a mínima histórica de desmate, já sob o governo Dilma Rousseff (PT).

No início do mandato de Bolsonaro, a Amazônia já vinha com tendências de alta de desmate, que culminaram em uma explosão do desmatamento ao longo da gestão.

A ONG Observatório do Clima, que reúne dezenas de entidades da sociedade civil, aponta que sob Bolsonaro houve um aumento de quase 60% na média anual de desmate, em comparação aos quatros anos anteriores ao governo Bolsonaro (ou seja, considerando parte do mandato de Dilma e o período Temer).

"É a maior alta percentual num mandato presidencial desde o início das medições por satélite, em 1988", diz, em nota, o Observatório do Clima.

"Bolsonaro superou até mesmo o aumento visto no primeiro governo FHC, quando o forte aquecimento da economia no início do Plano Real causou o maior desmatamento da série histórica, de 29 mil km², em 1995."

Veja a tabela abaixo feita pelo Observatório do Clima:

Governo Média anual no
período anterior
(km²)
Média anual do
mandato (km²)
Variação
Itamar* 12.415 (1991-1992) 14.896 20%
FHC 1 13.652 (1991-1994) 19.457 42,5%
FHC 2 19.457 (1995-1998) 18.825 -3,2%
Lula 1 18.825 (1999-2002) 21.617 14,8%
Lula 2 21.617 (2003-2006) 9.756 -54,8%
Dilma 1 9.756 (2007-2010) 5.473 -43,9%
Dilma 2** 5.451 (2013-2014) 7.050 29,3%
Temer 7.050 (2015-2016) 7.241 2,7%
Bolsonaro*** 7.145 (2015-2018) 11.396 59,5%

*Sob Collor não como comparar com o período anterior porque o monitoramento começa em 1988
**Para Itamar, Dilma 2 e Temer são considerados dois anos de mandato em comparação com os dois anos
anteriores
***O dado referente a 2022 é uma estimativa do Inpe, que será consolidada em 2023

O número divulgado nesta quarta trata-se do último dado do Prodes exclusivamente sob Bolsonaro. Isso porque a próxima taxa de desmatamento será relativa ao período de agosto de 2022 a julho de 2023, englobando assim os primeiros seis meses de governo Lula.

Os últimos meses de governo Bolsonaro têm apresentado taxas elevadas de desmate, segundo dados do Deter, programa do Inpe que auxilia nas ações de fiscalização de crimes ambientais.

Setembro e outubro tiveram desmatamentos recordes, considerando o histórico recente do Deter, com início em 2015. Agosto registrou 1.661 km² de derrubada, o segundo maior valor já observado para esse mês no histórico recente do bioma, perdendo apenas para o de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.

O presidente eleito Lula tem prometido não medir esforços para zerar o desmatamento e a degradação dos biomas nacionais, especialmente a Amazônia, com enfatizou em discurso na COP27.

Repercussão

Procurado pela Folha, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que os dados do Prodes são de responsabilidade do Inpe, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, e que o combate a crimes ambientais é coordenado pelo Ministério da Justiça. "Sugerimos procurar as assessorias das respectivas pastas", diz a assessoria do Meio Ambiente, em nota.

O Ministério de Ciência e Tecnologia, por sua vez, não respondeu até o momento.

Em nota, a ONG WWF-Brasil lembra que os mais de 45 mil km² desmatados até agora no governo Bolsonaro representam uma área maior que a Holanda.

"A explosão do desmatamento durante a última gestão federal é resultado do abandono do sistema
de proteção ambiental", diz o WWF-Brasil.

O Greenpeace Brasil fala em um "legado de destruição" do governo Bolsonaro e aponta o avanço do desmatamento no Amazonas, "preocupante pois chega cada vez mais perto do maior bloco contínuo de floresta da Amazônia conservada, vital para o clima e para a biodiversidade do Brasil e do mundo".

Sobre a falta de cuidado com os biomas nacionais, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura afirma que quem sai prejudicado "com essa falta de responsabilidade é, de um lado, o cidadão brasileiro, que perde o seu patrimônio ambiental". A entidade também cita perdas econômicas.

"Agora, a atenção deve ser não apenas para as ações que serão tomadas pelo novo governo, como também para o papel-chave que será desempenhado pelo Congresso", diz, em nota, Marcelo Furtado, da Coalizão.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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