Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Desmatamento no último ano de Bolsonaro já atinge a pior marca desde 2016

Histórico recente do Deter, programa do Inpe, começou há cerca de sete anos; de janeiro a novembro de 2022, mais de 10 mil km2 de floresta já foram ao chão

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São Paulo

Independentemente do que acontecer com o desmatamento em dezembro na Amazônia, o último ano do governo Jair Bolsonaro (PL) será o mais destrutivo da história recente do bioma.

Os dados do Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) destinado ao auxílio às atividades de fiscalização ambiental, apontam mais de 10 mil km² de floresta derrubada —ou sob alerta de desmatamento, como se costuma falar no caso do Deter— em 2022.

Nessa conta, novembro contribuiu com 554,6 km², segundo maior número para o mês, com um aumento de 122% de destruição em relação a novembro do ano passado (que teve 249,49 km² de desmate). O recorde para o mês é de 2019 (com 562,8 km²), primeiro ano do governo Bolsonaro.

Os anos Bolsonaro dominam, com ampla margem, o ranking de derrubada de floresta do histórico recente do Deter, a partir de agosto de 2015 —o sistema teve início antes, mas a partir desse ano houve uma atualização dos sensores, o que inviabiliza comparações apropriadas com períodos mais antigos. O primeiro ano completo da série histórica considerado comparável é, portanto, o de 2016.

Visão aérea de área desmatada
Área desmatada próximo à BR-319, na cidade de Humaitá, no Amazonas - Michael Dantas - 15.set.2022/AFP

Depois de 2022, a maior derrubada da série histórica recente foi registrada no primeiro ano sob Bolsonaro, 2019, com mais de 9,1 mil km² de floresta ao chão. Em seguida, vem 2020, com mais de 8,4 mil km².

O recorde de 2022 está recheado de recordes mensais. Dos 11 meses do ano já totalmente computados, 6 tiveram desmatamentos sem precedentes para os meses em questão. E vários deles tomaram o recorde de outros anos do governo Bolsonaro.

Além disso, cinco meses tiveram registro de mais de 1.000 km² de floresta derrubada. Para ter ideia do que significa esse número, é possível compará-lo ao tamanho do município de São Paulo, que tem pouco mais de 1.500 km².

Praticamente todos os recordes de desmatamento mensal na Amazônia estão nos quatro anos sob Bolsonaro. A única exceção —pelo menos até o momento— é dezembro, um mês que, costumeiramente, tem taxas mais tímidas. O recordista, nesse caso, é dezembro de 2017, sob o governo Michel Temer (MDB), com cerca de 287 km² de derrubada.

Vale mencionar que o dado considerado nesta reportagem leva em conta o período de um ano normal, ou seja, de janeiro até dezembro. Há algumas semanas, porém, foi divulgado o dado do Prodes, um outro programa do Inpe que é destinado especificamente à mensuração do desmatamento e usa um período diferente de medição.

No caso do Prodes, o espaço de tempo considerado começa em agosto de um ano e se estende até julho do ano seguinte.

Segundo o Prodes recentemente divulgado, de agosto de 2021 a julho de 2022 foram ao chão 11.568 km² de floresta. É o quarto período de 12 meses consecutivos (lembrando, de agosto de um ano a julho de outro) em que a destruição ultrapassou os 10 mil km².

A última medição, no entanto, representou uma queda de 11% em relação à taxa do período anterior e interrompeu uma sequência de crescimento que vinha desde 2018.

Durante o governo Bolsonaro, o desmatamento, que já apresentava crescimento anterior, explodiu. Ao mesmo tempo, o atual presidente minimizou a questão e chegou até mesmo a colocar em dúvida —sem quaisquer provas— os dados produzidos pelo Inpe.

Também sem provas, Bolsonaro e o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles insinuaram que ONGs estariam envolvidas em crimes ambientais.

Em nota, Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede com dezenas de organizações da sociedade civil, afirma que o atual governo deixará uma "herança nefasta para o Brasil, e deve ser responsabilizado legalmente por toda a destruição que causou".

"Esse resultado chega três dias depois da aprovação da regulação europeia contra o desmatamento importado. Os números nos deixam mais distantes de nos ajustar à nova lei, prejudicando o agronegócio brasileiro e a imagem do país no exterior", diz Astrini.

A nova regulamentação estabelece que o mercado comum europeu irá rejeitar a entrada de uma série de commodities —carne, soja, madeira, borracha, cacau, café e óleo de palma — vindas de áreas que tenham sido desmatadas, ainda que com permissão legal, após 31 de dezembro de 2020.

A nota do Observatório do Clima também faz outro recorte sobre os dados do Deter, olhando para o possível impacto desses números na próxima taxa do Prodes. A entidade aponta que, de agosto a novembro, o acumulado de alertas de desmatamento chegou a 4.574 km², recorde da série histórica para esse período, conforme destacam.

A rede afirma que "o estrago será herdado pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na taxa de 2023".

Também em nota, Rômulo Batista, porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, disse que "estamos cansados de ver, mês após mês, um número enorme de alertas de desmatamento na Amazônia".

"O próximo governo terá um árduo trabalho pela frente para diminuir esses índices alarmantes", completa.

Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil, afirma que o esforço para redução de desmate no próximo governo deverá ser grande. Apesar do histórico de redução do desmate sob Lula, a situação agora será diferente em relação ao primeiro governo Lula. "A questão é que estamos em um outro nível de urgência, inclusive uma urgência climática. Essa redução precisa acontecer de uma forma mais intensa", afirma Napolitano.

A especialista afirma que, de partida, o novo governo precisará restabelecer a estrutura de proteção ambiental e reforçar o Ibama e o ICMBio.

Outro ponto de atenção citado por Napolitano é a destinação de terras públicas não destinadas, onde os níveis de desmatamento costumeiramente são altos. Como o próprio nome diz, são terras que pertencem ao governo, mas que não foram destinadas, como para unidades de conservação ou assentamentos.

A reportagem procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar os dados, mas, até a publicação do texto, não houve resposta.


Entenda as diferenças entre Prodes e Deter

Prodes

Finalidade: Medir o desmatamento anual

Divulgação: Estimativa publicada, normalmente, no fim do ano; o dado consolidado é divulgado no ano seguinte

Precisão: Maior precisão de mensuração em relação ao Deter

Deter

Finalidade: Auxiliar nas atividades de fiscalização e combate a crimes ambientais; porém, pode ajudar a ver tendências de crescimento, redução ou manutenção nos níveis de desmate

Divulgação: Semanal

Precisão: Menor precisão de mensuração em relação ao Prodes

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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